30 junho 2013
«A turma dos matulões» - Quito Pereira
Na realidade, a única disciplina que levavam a peito, até só era dada na Universidade: anatomia comparada.
Quando a professora de História Universal, apareceu vestida de preto no seu traje de viúva, houve um esgar de espanto na arena. Trinta e poucos anos muito bem conservados e um vestido justo que pôs o Pedro Chá-Chá a delirar de entusiasmo, enquanto descascava umas pevides com aquele barulho irritante que vinha lá do fundo da sala. Trac–trac-trac…
Ela, a professora, talvez já avisada que ao entrar na sala de aula era mesma coisa que embarcar num navio de corsários, quis impor-se logo de início. Hirta e solene na secretária, que por infelicidade dela e gáudio dos galfarros deixava ver as pernas bronzeadas e bem moldadas, a docente por decoro sentava-se de lado, como se tivesse um furúnculo na região glútea.
Descaradamente, a classe dos pardalões não disfarçava nada, com os olhos pregados no fundo da secretária, muitos mais interessados nos atributos da Senhora, que nas barbaridades jacobinas do Senhor Robespierre.
Foi então que a paciente professora, pediu um livro de História Universal para consultar. Azar o dela. Avançou então o compêndio do Francisco Mendes que, pacientemente, tinha recortado de um livro todas as caras das figuras de Walt Disney e colado nas imagens dos grandes vultos da Historia. Assim, Luís XVI com as suas sumptuosas vestes, com a cara de um dos irmãos Metralha, Maria Antonieta com a risonha simpatia da pata Margarida e Napoleão Bonaparte montado no seu cavalo rampante, com o rosto do avarento Tio Patinhas. Foi então, que aquele semblante carrancudo da viúva triste se desfez. Cada virar de página, uma gargalhada. Decididamente, a entusiasmante professora tinha perdido o controlo da nave dos loucos.
Porém, a turma dos matulões tinha por ela um certo carinho e consideração. Talvez por ser tão nova e desamparada de marido, embora se perceba que o que não faltava era ombros onde pudesse encostar a cabeça, ávida de uma palavra de conforto.
Mas a consideração que tínhamos por ela, nada a tinha a ver com o respeito que um padre idoso que um dia lá apareceu, também nos deveria merecer, para lecionar uma nova disciplina: MORAL …
O Padre Bento, diretor do Colégio, achou que os desvairados alunos precisavam urgentemente de umas lições que iluminasse o caminho dos desavindos. Achou mal. No dia em que um padre amparado numa bengala, recrutado no seminário, apareceu para a primeira aula, o grupo olhou-o com desconfiança e de sobrolho franzido. O velho padre, dialogante, quis pôr a turma à vontade. Perguntem o que quiserem meus filhos, até podemos falar das dúvidas e angústias que vos atormentam sobre a vida sexual – disse ele com a sua bonomia clerical estampada nas bochechas gordas e rosadas. Fez mal. Porque as perguntas e dúvidas eram de tal maneira escabrosas, que o ancião pediu a demissão. À segunda aula, acabou-se a disciplina de Moral.
Há tempos, encontrei o Valera, também ele ex - aluno do Colégio naquela época. É hoje general do exército angolano, terra onde nasceu e reside. Foi com emoção que nos abraçamos. Jamais o reconheceria de tão diferente que está. Mais de quarenta anos passados, o reencontro. E lembrámos as tropelias e diabruras de que também fomos cúmplices no Dom João de Castro. E rimos até às lágrimas…
Quito Pereira
Blog Encontro de Gerações do Bairro Norton de Matos
Cartão cliente
Aquela relação de cartão cliente, com os papéis preenchidos na Conservatória Civil, funcionava para ambas as partes. Quanto mais uso, maiores eram os descontos. Um exemplo disso é que por vezes as duas meias pernas viam a sua depilação remetida para segundo plano por outros afazeres e ele enganchava as deles nas minhas, como se não estivéssemos a rechear um peru sem previamente o ter chamuscado. Noutras alturas, ele chegava a casa à beira de um ataque de exaustão e por manifesta carência de forças que quase só lhe mexiam os olhinhos, atirava-se derrotado para o sofá e eu acercava-me de mansinho, corria-lhe o fecho das calças e fazia saltar para as minhas mãos o pardalito atordoado alisando-lhe as penas em bicadinhas e lambidelas molhadas para o arrebitar.
É claro que estes cartões de fidelização nos iludem com os descontos e acabamos por insistir nas compras como uma obrigação ou carregamos com embrulhos que de outra forma não compraríamos como o tio chato como a potassa, a sogra intrometida como o bico de um aspirador ou um daqueles animais de estimação que desenham com rasgos de génio nos sofás e cortinados ou que nos obrigam a ir à rua três vezes ao dia faça sol ou faça chuva. Fora aqueles dias em que cada um ocupa todo o espaço dos expositores e o outro fica a mais em qualquer canto que seja.
Nada disto acontece no mundo perfeito das compras extraordinárias sem cartão, nos dias marcados em que os produtos se apresentam a 100% da atractividade como numa expo-qualquer-coisa, tanto mais que estes frescos têm um prazo de validade limitado. O único azarito é que se nesse dia falhar a temperatura ambiente não há desconto para ninguém.
29 junho 2013
«conversa 1995» - bagaço amarelo
Eu - Maturidade?
Ela - Solidão. Com esta idade já ninguém me quer...
Eu - Lá vem essa história da carochinha...
Ela - Da carochinha?
Eu - Sim. Falas como se só as mulheres envelhecessem.
Ela - Os homens envelhecem no corpo, mas na mentalidade não. Tens razão... também é uma questão de maturidade.
bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»
28 junho 2013
Não, não é vida fácil...
Não se entende como tanta gente finge estranhar a possibilidade de alguém conseguir viver num estado de permanente paixão.
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