02 novembro 2015

«Centenas» - João

"Ele estava sentado na beira da cama, virado para as janelas, grandes e orientadas a nascente, beijado pela luz do dia que despertava, de mãos sobre as coxas e semblante gelado, inexpressivo quase, rompido pelo pestanejar e um quase imperceptível movimento de uma respiração lenta, pausada. Dali, na projecção do seu olhar sobre as janelas e para lá delas, o Sol vinha indiferente. Vinha para os tristes, vinha para os contentes, erguia-se sobre o horizonte ignorando as almas de toda a gente, sentadas na beira da cama, em pé na rua, deitadas a dormir. Vinha lançar-se sobre os solitários, os indiferentes e os acompanhados, vinha banhar sorrisos num pequeno-almoço ou corpos numa dança de foda. Vinha. Quando bateu mais forte na cara fechou os olhos e sentiu-se aquecer. Fazia contas de cabeça. Em centenas. E quanto mais somava, mais fundo respirava. Tanto tempo, pensava. Tanto tempo. As mãos dela abraçaram-no, sentiu-lhe os dedos, as unhas na pele, o cabelo, e porque fazia contas afinal, se também o rosto dela se iluminava ao Sol, como ela gostava, os dois naquela nudez tão despida de tudo, as pernas por fim entrelaçadas, como ele gostava, parecia que ela dizia que era dela, que aquelas pernas que se trancavam eram corda que prendia, e diziam que não vais a lado nenhum, porque estás aqui comigo, a receber o Sol que sobre nós se impõe, e mais vale aceitá-lo, aquecer com ele, aproveitar que o temos, e rebolar. Vem rir comigo, pedia-lhe, e ele ia, vem cá, dizia-lhe, e ele foi, entra em mim ordenava, e ele obedeceu, e depois disso, no calor do Sol, ficar a ver o dia mexer-se, sem a pressa de entrar à boleia, deixá-lo ir, enquanto ficavam os dois juntos num dia só deles, medido num outro relógio onde as centenas já não eram importantes."
João
Geografia das Curvas

Eva portuguesa - «Tempo de reflexão»

Quero mais. Exijo mais. Mais para mim. Não vou mais ser quem os outros querem que eu seja. Não me vou dar demasiado a quem não me merece. Não me vou deixar levar por palavras vazias e promessas ocas. Eu vou confiar menos nos outros e acreditar mais em mim. Vou deixar de desculpar os outros e aprender a perdoar-me a mim. Vou acreditar em acções, em factos, em feitos. Vou viver apenas os meus sonhos. Não vou deixar que ninguém me desrespeite; e eu própria vou aprender a amar-me e respeitar-me. A partir de agora mais é menos e menos é mais: mais amor, mais respeito, mais verdade. Menos doar-me, menos acreditar só porque sim; menos esperanças vãs. Esta agora sou eu. Porque acordei. Porque mereço. Esta sou eu!... 
Olá...

Eva
blog Eva portuguesa - porque o prazer não é pecado

Minha mulher é uma palhaça!



Capinaremos.com

01 novembro 2015

Nicki Minaj - «Anaconda»

«conversa 2130» - bagaço amarelo

Ela - Sempre acusei o meu marido de ser demasiado ciumento.
Eu - E é?
Ela - Era. Agora já não é.
Eu - Então já não o acusas...
Ela - Não... agora acuso-o de não ter ciúmes nenhuns.
Eu - É um bocado estranho.
Ela - Não é nada. Os ciúmes excessivos atrofiavam-me a vida completamente. Não podia falar com homem nenhum que ele pensava logo que havia um clima qualquer de engate.
Eu (risos)
Ela - Agora nunca demonstra ciúmes. Acho que já não gosta de mim...
Eu - Então... queres que ele seja ciumento ou não?
Ela - Quero um meio termo, pá.


bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»

PI do espelho


John Cuneo - «Numa árvore»


Via mon ami Bernard Perroud

31 outubro 2015

«russia» - Kinbaku LuXuria


russia from KinbakuLuXuria on Vimeo.

Um video de kinbakuluxuria.com

«Amor com amor se paga» - por Rui Felício

Foto de Isa Cortez - http://umpigodeluz.blogspot.pt/
Há muitos dias que o Roberto se instalava no Parque Dr. Manuel Braga com o cavalete e todos os apetrechos de pintura.
Pintava o rio Mondego e a ponte de Santa Clara emoldurados pela folhagem das árvores do jardim.
Travara conhecimento com a Mariana que costumava passear pelo aprazivel espaço ribeirinho quando saía do emprego ao fim da tarde.
Na sexta-feira passada, o marido da Mariana tinha ido a um congresso médico em Praga e estaria por lá durante dez dias. Aliás, a Mariana já estava habituada a estas ausências do marido que, volta e meia, viajava para o estrangeiro em trabalho.
Perguntou ao pintor se nessa noite ele não queria ir espairecer, beber uns copos e ouvir música com ela numa qualquer discoteca da cidade.
O Roberto sorriu, pousou os pinceis, arrumou a tela e o cavalete e disse-lhe que sim, que bem precisava de passar umas horas de descontracção. Agradecia-lhe o convite, que o enaltecia. Para mais, vindo de uma simpática e bonita mulher como a Mariana, que todos os dias ia apreciar o seu trabalho.
Divertiram-se muito, felizes, e, alta noite, a Mariana convidou-o para um último copo em sua casa.
Uma coisa levou à outra e deram por si abraçados no sofá a beijarem-se intensamente.
Aperceberam-se que não tinham preservativos. Nem um nem outro tinha previsto ou imaginado que a noite iria acabar assim.
Dirigiu-se à secretária do marido, um móvel antigo que ela tinha herdado do seu pai. A gaveta de cima estava sempre fechada à chave. Quantas vezes ela, em miúda, em casa dos pais, tinha aprendido a abri-la com um gancho do cabelo. Depois de casada nunca mais o fizera por uma questão de respeito e confiança no Daniel, seu marido.
Mas agora teria que o fazer para ver se, por acaso, ali haveria preservativos.
E havia...
Misturada com uns óculos antigos, um relógio, um caderno velho, inúmeras esferográficas, um molho de extractos bancários presos com um clip, papeis do seguro da casa, uma caixa de aspirinas, pilhas gastas, um rolo de fita adesiva , lá estava uma caixa de preservativos encetada mas quase completa.
Tirou um e deu-o ao Roberto.
No dia seguinte, a Mariana magicava que se o Daniel desse pela falta de um preservativo e se a questionasse, o que lhe iria responder?
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O Daniel até hoje, nunca fez qualquer alusão ao assunto. Na verdade, se o fizesse, teria que ser ele a explicar à Mariana por que carga de água tinha uma caixa de preservativos escondida na gaveta, se nas relações com a mulher nunca os usavam.
Rui Felício
Blog Encontro de Gerações
Blog Escrito e Lido

Homem-apito

Peça de artesanato em barro, proveniente do México para a minha colecção.



Visita a página da colecção no Facebook (e, já agora, também a minha página pessoal)

Fruta

Ontem fui ao médico e ele recomendou-me comer mais fruta. Assim que apanhei uma gaja na rua, papaia toda.


Patife
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30 outubro 2015

«Persona» - Gordon Von Steiner


Persona from Madrid Fashion Film Festival on Vimeo.

«devíamos ter tido sexo!» - bagaço amarelo

Lembro-me dela a ver as letras de romances intermináveis. Não sabia ler, mas virava as páginas uma a uma como se percebesse o sentido de cada página, de cada frase, de cada palavra. Talvez percebesse mesmo, porque no silêncio deve existir um sentido qualquer.
Uma vez levantei a voz para simular o roncar do motor de um pequeno carro de rali que os meus pais me tinham oferecido no Natal e ela pediu-me silêncio. Encostou o dedo indicador aos lábios e depois apontou para o livro aberto nas próprias pernas.

- Chiu...

Nunca conheci o pai da Susana. Na verdade, creio que nunca existiu. Talvez tenha morrido quando ela era ainda bebé, talvez tenha emigrado. Não sei. Sei que um dia perguntei-lhe por ele e ela limitou-se a abanar os ombros.

- Não está cá!

Restava a mãe, a senhora que lia livros sem saber ler, enquanto nós fazíamos corridas com miniaturas de automóveis numa sala alcatifada a vermelho. A Susana não tinha bonecas nem cozinhas de brincar, mas tinha um grande balde de blocos de construção e outro com muitos carrinhos. Eram brinquedos tipicamente masculinos, o que ainda me fazia estranhar mais a ausência de um pai, mas talvez tenha sido por isso que ficámos tão amigos. Pelos brinquedos e pela ausência do pai.

- A tua mãe assustava-me um bocado!

E a Susana sorriu. Muitos anos depois reconheci-a, primeiro pelos gestos, depois pela fisionomia. Estava a ler um romance qualquer na mesma posição da mãe, que fechou para me abraçar deixando o dedo indicador a marcar a página.
Bebemos alguma cerveja juntos, onde as nossas memórias de infância flutuaram vindas bem do fundo. Depois percorremos a cidade de mãos dadas, na expectativa de afogar essas recordações e de ver nascer um presente ou um futuro em nós, o que não aconteceu. O abraço com que nos despedimos foi um pouco menos intenso do que aquele com que nos reencontráramos nessa mesma tarde. A nossa amizade morria assim, tão devagar quanto possível, entre duas cidades e dois abraços diferentes.
Esta semana, vinte anos depois desse segundo encontro, tomámos um café entre essas duas cidades. Ela apareceu com um livro que podia ser o mesmo da segunda vez e o mesmo que a mãe lia quando éramos crianças. Contei-lhe a nossa própria história, mais ou menos como contei até ao parágrafo anterior.

- Devíamos ter tido sexo!

Sorriu.


bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»