16 novembro 2015
«O teu cheiro» - João
"Pensei tomar um duche, querido. Pensei. Mas tinha o teu cheiro em mim e isso estava bem assim, preferi prolongar esse embalo doce e deixei-me ficar, deixei-me ficar como quando me envolves com os teus braços. Eu gosto que me envolvas. Gosto da tua pele na minha. É uma coisa que eu não vi em nenhum manual de instruções, nunca ninguém me avisou que isso acontecia. Não vi nenhum aviso de ti. Mas gosto da tua pele na minha. Não tem uma explicação. Nem precisa. Como tu a leres os meus olhos. Nunca me avisaram. Eu não sabia. Mas tive medo, tenho sempre medo, medo que leias nos meus olhos alguma coisa de que não gostes, e por isso fujo, desvio o olhar, escondo-me à tua vista. E é sempre tão inútil, tu sabes. É sempre tão inútil se mesmo assim me lês. E eu não sabia disso. Não sabia que alguém me podia olhar como tu. Não estava habituada. Devia existir um autocolante de perigo. Tu devias ter um autocolante de perigo colado na testa. Nem que fosse para eu to tirar, como se fosse roupa, como a roupa. A roupa que nunca nos trava para fazer amor. Fazer amor querido. Essa maneira que temos de fazer amor, que nunca nos deixa dúvida nenhuma. De tudo, pelo menos isso. Se certezas tenho, tenho essa. Como quando entraste em mim, e os olhares a cruzar-se, e eu, então, também te li, também vi, e eu queria tanto, quero tanto, tu a deslizares por mim sem cansaço, e eu a dizer baixinho, quase só para mim, oh foda-se, que isto é tão bom que só pode ser impossível. E então descobri como era feliz ao teu lado, como adorava estar contigo. Em qualquer lado, de qualquer modo, a amar, à bruta, a disparatar, a discutir. Mesmo triste, era feliz, e ninguém mais para me ouvir, ninguém mais para me compreender. E então pensei tomar um duche, querido. Pensei. Mas tinha o teu cheiro em mim e isso estava bem assim. Deixei-me ficar com o teu cheiro."
João
Geografia das Curvas
João
Geografia das Curvas
«To fuck, or not to fuck: that is the question» - Eugénio Lisboa
Texto [via De Rerum Natura] do crítico literário Eugénio Lisboa saído no “Jornal de Letras” sobre uma recente entrevista de António Lobo Antunes em que o escritor se refere à influência da vida sexual na qualidade da escrita pessoana:
Peço, desde já, que me perdoem o tom desenfastiado desta prosa, a começar pelo título: paráfrase libertina de um solilóquio célebre. Vou usar, como verão, vocábulos desataviados ou mesmo crus: o culpado disto tudo é o escritor António Lobo Antunes que, numa entrevista recente – das muitas que ele não gosta de dar mas vai dando – sugeriu o mote, ao afirmar o seguinte, referindo-se a Fernando Pessoa: “Eu me pergunto se um homem que nunca fodeu pode ser um bom escritor.” Não é a primeira vez que o autor de Memória de Elefante nos serve este mimo.
Provavelmente, ao tê-la, gostou tanto da ideia, que não se cansa de no-la servir, faça chuva ou faça sol. Reajo a ela, não tanto pela crueza vicentina do tom (e do glossário), como pelo facto de me não parecer cientificamente sustentável. E, neste ponto, faço apelo ao que, de ciência, ainda reste na cabeça do outrora psiquiatra Lobo Antunes.
Antunes propõe, em suma, que a falta de tesão de Pessoa não é compatível com o equipamento profissional de um bom escritor, ou, de maneira menos crua: a castidade não leva à criação poderosa. Ora bem: quando se põe, em ciência, uma hipótese de trabalho, esta só se mantém de pé, até ao preciso momento em que um novo facto conhecido a vem desmentir (ou falsificar, como diria Popper). Ora o que não faltam são factos que perturbam, abanam e fazem desmoronar a atrevida asserção de Lobo Antunes – os tais factos que Ronald Reagan apelidava de “estúpidos”, porque contrariavam as suas fantasias primárias.
Isaac Newton, incontestavelmente o maior cientista de todos os tempos, morreu virgem ou, se Lobo Antunes assim preferir, não consta que alguma vez tenha fodido – o que não o impediu de sondar, como ninguém, os enigmas do universo. Também não creio que um dos maiores artistas e inventor prodigioso de artefactos tecnológicos – Leonardo da Vinci – tenha fodido por aí além. Estes dois exemplos, só por si, bastariam para foder irremediavelmente a hipótese científica do ex-aprendiz de psiquiatra doublé de ficcionista, que dá pelo nome de Lobo Antunes. É certo que nenhum destes personagens que citei é, exactamente, um escritor e Lobo Antunes referiu-se apenas à incapacidade de um casto escrever boa literatura. Vejamos, então, do lado dos escritores. Os exemplos – os tais factos “estúpidos” – não faltam. Henry James, por exemplo, não consta que alguma vez tenha ido para a cama, com menina ou menino. Walpole bem quis, um dia, seduzi-lo para o seu leito (desconfiado que andava de tanta reticência mais própria de solteirona ressequida), mas o autor de Portrait of a Lady recuou. Houve até uma mulher que se suicidou por ele a ter rejeitado ou não ter descodificado bem os passes que ela lhe andava a fazer, mas nada o levaria a fazer aquilo que Lobo Antunes considera fundamental para uma fecunda vida literária: foder, nem que seja só um bocado. James deixou uma obra monumental e Graham Greene só se lhe referia, chamando-lhe, com uma vénia, “the Master”, mas Lobo Antunes é de opinião que a obra do grande ficcionista americano ficou completamente fodida por o seu autor não ter fodido. Jane Austen, que conseguiu o milagre de agradar simultaneamente ao grande público, aos cineastas e aos “high-brows” universitários, também não fodeu. Viveu solteira e virgem e produziu, no meio da mais impertinente castidade, uma meia dúzia de obras-primas. Assim ajudando a foder consideravelmente a hipótese antunesina. John Ruskin, que tão bem escreveu sobre arte, merecendo até a glória de ser traduzido para francês por Marcel Proust – que Lobo Antunes tanto e com tal exclusividade admira! – também não chegou a foder, embora tenha tentado: na noite de núpcias, os pelos púbicos da noiva – coisa que, pelos vistos, nunca tinha contemplado – de tal forma o horrorizaram, que deixou a pobre rapariga intacta e nunca mais repetiu a tentativa. Fodido, não é? A poetisa americana Emily Dickinson ficou igualmente para tia, o que justifica, segundo Antunes, uma reavaliação da sua poesia, à luz de tanto não foder. Por outro lado, Edgar Poe, o da literatura policial – com o inesquecível Dupin, ínclito precursor de Sherlock Holmes – mas também o mago da literatura fantástica e de horror – que Baudelaire admiravelmente traduziu – e o poeta romântico que Pessoa verteu para português, Poe, dizia eu, cometeu o que Antunes classificaria como o mais hediondo dos crimes: casou com a priminha de 13 anos, Virginia Clemm, sem ter chegado, porém, a fodê-la. Nem a ela nem a nenhuma outra, que se saiba. O grande poeta Gerard Manley Hopkins, padre, ficou também casto (não sei se por ser padre, mas a verdade é que ficou), o que obrigará, em breve, a organizar-se todo um colóquio douto, para reavaliação da sua obra: quem esforçadamente não fode, escrever bem não pode, garante Antunes a quem o queira ouvir.
Também o emérito Yeats, um dos grandes da poesia do século XX, permaneceu casto até aos trintas e, durante este período de espartano “no fucking”, escreveu e publicou bastante poesia. E, já agora, para terminar, desconfio bem que o nosso ternurento António Nobre, precursor indiscutível da nossa poesia moderna e “a nossa maior poetisa”, segundo a perfídia mansa do grande Pascoaes, também não era particularmente dado às fornicações que Antunes considera fundamentais ao acto da escrita.
Por fim, ainda na referida entrevista, o autor de Os Cus de Judas dá a Virgílio o que é de Horácio, quando alude desastradamente às odes de Ricardo Reis: assim fode, sem apelo nem agravo, a erudição vigente. É caso de se dizer que, se quem não fode escrever não pode, não é menos certo que quem pouco manuseia o antigo não logra ver além do postigo.
Abrégé do texto acima, com tese (minha): quando se trata de escrever, tanto faz foder como não foder. O importante é ter que dizer e saber o modo de o fazer. Simples? Eu diria mesmo mais: fodidamente elementar, meu caro Watson!
Eugénio Lisboa
“O ratio literacia/iliteracia é constante, mas, nos nossos dias, os iletrados sabem ler e escrever”.
Alberto Moravia
Peço, desde já, que me perdoem o tom desenfastiado desta prosa, a começar pelo título: paráfrase libertina de um solilóquio célebre. Vou usar, como verão, vocábulos desataviados ou mesmo crus: o culpado disto tudo é o escritor António Lobo Antunes que, numa entrevista recente – das muitas que ele não gosta de dar mas vai dando – sugeriu o mote, ao afirmar o seguinte, referindo-se a Fernando Pessoa: “Eu me pergunto se um homem que nunca fodeu pode ser um bom escritor.” Não é a primeira vez que o autor de Memória de Elefante nos serve este mimo.
Provavelmente, ao tê-la, gostou tanto da ideia, que não se cansa de no-la servir, faça chuva ou faça sol. Reajo a ela, não tanto pela crueza vicentina do tom (e do glossário), como pelo facto de me não parecer cientificamente sustentável. E, neste ponto, faço apelo ao que, de ciência, ainda reste na cabeça do outrora psiquiatra Lobo Antunes.
Antunes propõe, em suma, que a falta de tesão de Pessoa não é compatível com o equipamento profissional de um bom escritor, ou, de maneira menos crua: a castidade não leva à criação poderosa. Ora bem: quando se põe, em ciência, uma hipótese de trabalho, esta só se mantém de pé, até ao preciso momento em que um novo facto conhecido a vem desmentir (ou falsificar, como diria Popper). Ora o que não faltam são factos que perturbam, abanam e fazem desmoronar a atrevida asserção de Lobo Antunes – os tais factos que Ronald Reagan apelidava de “estúpidos”, porque contrariavam as suas fantasias primárias.
Isaac Newton, incontestavelmente o maior cientista de todos os tempos, morreu virgem ou, se Lobo Antunes assim preferir, não consta que alguma vez tenha fodido – o que não o impediu de sondar, como ninguém, os enigmas do universo. Também não creio que um dos maiores artistas e inventor prodigioso de artefactos tecnológicos – Leonardo da Vinci – tenha fodido por aí além. Estes dois exemplos, só por si, bastariam para foder irremediavelmente a hipótese científica do ex-aprendiz de psiquiatra doublé de ficcionista, que dá pelo nome de Lobo Antunes. É certo que nenhum destes personagens que citei é, exactamente, um escritor e Lobo Antunes referiu-se apenas à incapacidade de um casto escrever boa literatura. Vejamos, então, do lado dos escritores. Os exemplos – os tais factos “estúpidos” – não faltam. Henry James, por exemplo, não consta que alguma vez tenha ido para a cama, com menina ou menino. Walpole bem quis, um dia, seduzi-lo para o seu leito (desconfiado que andava de tanta reticência mais própria de solteirona ressequida), mas o autor de Portrait of a Lady recuou. Houve até uma mulher que se suicidou por ele a ter rejeitado ou não ter descodificado bem os passes que ela lhe andava a fazer, mas nada o levaria a fazer aquilo que Lobo Antunes considera fundamental para uma fecunda vida literária: foder, nem que seja só um bocado. James deixou uma obra monumental e Graham Greene só se lhe referia, chamando-lhe, com uma vénia, “the Master”, mas Lobo Antunes é de opinião que a obra do grande ficcionista americano ficou completamente fodida por o seu autor não ter fodido. Jane Austen, que conseguiu o milagre de agradar simultaneamente ao grande público, aos cineastas e aos “high-brows” universitários, também não fodeu. Viveu solteira e virgem e produziu, no meio da mais impertinente castidade, uma meia dúzia de obras-primas. Assim ajudando a foder consideravelmente a hipótese antunesina. John Ruskin, que tão bem escreveu sobre arte, merecendo até a glória de ser traduzido para francês por Marcel Proust – que Lobo Antunes tanto e com tal exclusividade admira! – também não chegou a foder, embora tenha tentado: na noite de núpcias, os pelos púbicos da noiva – coisa que, pelos vistos, nunca tinha contemplado – de tal forma o horrorizaram, que deixou a pobre rapariga intacta e nunca mais repetiu a tentativa. Fodido, não é? A poetisa americana Emily Dickinson ficou igualmente para tia, o que justifica, segundo Antunes, uma reavaliação da sua poesia, à luz de tanto não foder. Por outro lado, Edgar Poe, o da literatura policial – com o inesquecível Dupin, ínclito precursor de Sherlock Holmes – mas também o mago da literatura fantástica e de horror – que Baudelaire admiravelmente traduziu – e o poeta romântico que Pessoa verteu para português, Poe, dizia eu, cometeu o que Antunes classificaria como o mais hediondo dos crimes: casou com a priminha de 13 anos, Virginia Clemm, sem ter chegado, porém, a fodê-la. Nem a ela nem a nenhuma outra, que se saiba. O grande poeta Gerard Manley Hopkins, padre, ficou também casto (não sei se por ser padre, mas a verdade é que ficou), o que obrigará, em breve, a organizar-se todo um colóquio douto, para reavaliação da sua obra: quem esforçadamente não fode, escrever bem não pode, garante Antunes a quem o queira ouvir.
Também o emérito Yeats, um dos grandes da poesia do século XX, permaneceu casto até aos trintas e, durante este período de espartano “no fucking”, escreveu e publicou bastante poesia. E, já agora, para terminar, desconfio bem que o nosso ternurento António Nobre, precursor indiscutível da nossa poesia moderna e “a nossa maior poetisa”, segundo a perfídia mansa do grande Pascoaes, também não era particularmente dado às fornicações que Antunes considera fundamentais ao acto da escrita.
Por fim, ainda na referida entrevista, o autor de Os Cus de Judas dá a Virgílio o que é de Horácio, quando alude desastradamente às odes de Ricardo Reis: assim fode, sem apelo nem agravo, a erudição vigente. É caso de se dizer que, se quem não fode escrever não pode, não é menos certo que quem pouco manuseia o antigo não logra ver além do postigo.
Abrégé do texto acima, com tese (minha): quando se trata de escrever, tanto faz foder como não foder. O importante é ter que dizer e saber o modo de o fazer. Simples? Eu diria mesmo mais: fodidamente elementar, meu caro Watson!
Eugénio Lisboa
15 novembro 2015
«pensamentos catatónicos (324)» - bagaço amarelo
Às vezes dou-lhe um sinal de que preciso de mais. Não sei do que é que eu preciso de mais, mas sei que deve vir dela. Talvez a mão naquele momento, talvez uma palavra. Sei lá do que preciso. E ela ri-se. Diz-me que sou inseguro e eu endireito as costas imediatamente. Depois penso: os homens são tão parvos.
Penso-o para me salvar de mim, claro. Se formos todos parvos, talvez eu tenha desculpa por sê-lo também. Resigno-me a essa gigantesca condição de parvoíce intrínseca ao género masculino e desculpo-me.
Só se pode querer uma de duas coisas, diz ela sem falar: ou segurança ou Amor. As duas não se dão juntas. Ou se Ama e se é inseguro, ou se é seguro e não se Ama. E agora?
Agora dou-lhe razão. Ela afasta-se para ir pontapear uma bola que fugiu de um pequeno campo de jogos no parque onde passeamos. Vejo-a correr e distanciar-se à mesma velocidade que o mundo todo se distancia de mim. Depois pega na bola e envia-a com um sorriso por cima da rede que enjaula um grupo de homens suados. Alguns agradecem-lhe e acenam.
Não sinto os pés, não sinto as mãos, não sinto nada. Sinto-me à deriva no espaço cósmico sem lhe conseguir chegar, como se aquele pequeno movimento fosse um adeus para sempre.
Depois ela regressa, devolve-me a mão, a vida e o chão que piso. Continua a falar e a sorrir como se não tivesse acabado de provocar um pequeno cataclismo em mim. Como se não se passasse nada. E então penso: os homens são tão parvos.
Sorrio. Desculpo a minha parvoíce com todos os outros homens do mundo.
bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»
14 novembro 2015
Há conceitos tão inexplorados...
- Charlie, gostavas que uma gaja te dissesse: "dou-te mas é uma ova"...
- Seria mesmo um belo início de conversa. Poderia ser até mesmo o espoletar de uma bela amizade.
Por vezes até se constroem diálogos interessantes no Facebook...
- Seria mesmo um belo início de conversa. Poderia ser até mesmo o espoletar de uma bela amizade.
Por vezes até se constroem diálogos interessantes no Facebook...
«Mergulho no amor» - por Rui Felício
Caricia de chuva, fragrância de flor, sabor de mel, calor de sol, luz de lua, afago de vento, chilrear de pássaro, são sensações que o mergulho no amor faz experimentar.
Como no mar, tem os seus perigos.
Quando se mergulha não se sabe que escolhos estão abaixo da linha de água.
Rui Felício
Blog Encontro de Gerações
Blog Escrito e Lido
Como no mar, tem os seus perigos.
Quando se mergulha não se sabe que escolhos estão abaixo da linha de água.
Rui Felício
Blog Encontro de Gerações
Blog Escrito e Lido
«Os jardins de Eros II (tríptico)» Carlos Martins Acrílico sobre cartão, 2011 da colecção de arte erótica «a funda São» |
13 novembro 2015
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