Cego de nascença, o Zé Lérias ganhava a vida vendendo cautelas que trazia penduradas no casaco de ganga desbotada.
Fizera amizade há muitos anos com o Albino, tetraplégico a quem dava a comida na boca, deitava-o no quarto da Rua das Padeiras onde vivia e empurrava a cadeira de rodas, no deambular constante pela Ferreira Borges, Largo da Portagem, Avenida Navarro, por toda a baixa de Coimbra.
Faziam uma perfeita sociedade. Unha com carne...
O Albino, de corpo tolhido e completamente imobilizado, indicava o caminho ao Zé Lérias e este apoiando-se na cadeira de rodas ajudava o Albino a passear e a deslocar-se, enquanto apregoava a sorte grande da lotaria.
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«Ménage à Trois»
Tríptico em acrílico sobre tela
Hermeziu, Roménia, 2002
Colecção de arte erótica «a funda São» |
Quando se cruzavam com uma mulher bonita, o Albino descrevia-a e o Zé Lérias sonhava, imaginando-a para lá da cortina da cegueira que o impedia de a ver.
Um dia, o Albino ouviu, incrédulo uma proposta do amigo:
- E se nós casássemos com uma mulher?, incentivava-o o Zé Lérias.
- Os dois com a mesma mulher?!, interrogou-o o Albino, espantado.
- Sim, porque não? Tu olhas e eu abraço...
Rui Felício
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