21 dezembro 2015

«De costas para mim» - João

"Encontro-me contigo quando estás de costas para mim, a olhar o horizonte lá longe. O horizonte é sempre longe, bem vês, é o paradoxo de Zenão na ponta dos dedos, sempre que os levantas para tocar o horizonte que sempre te foge. A ti, a mim, a todos. Mas interessa tão pouco o horizonte se te encontro assim, quando estás de costas para mim, e a tua nudez me convida, as tuas linhas invadem-me os olhos e dizem-me que o corpo, esse corpo, é meu antes de ser teu, e num passo estou contigo, estou em ti, e pulsamos juntos, num mesmo movimento, e se ontem nos olhámos, se ontem fizemos o mais demorado amor, hoje fodemos, só porque sim, só porque podemos, porque conseguimos, porque foder e amar são velcro, são coisas que connosco se pegam e ficam unas, são aquilo que são, para nós e mais ninguém, mais nada. E de um gemido forma-se o meu nome na tua boca, a cabeça que oscila para um lado e o pescoço que fica livre para um beijo, a orelha que te mordo e as mãos a percorrer as estradas que te levam onde eu sei que vais querer estar, onde eu vou querer estar contigo, porque conheço todos os teus caminhos, sei como e para onde correm todos os teus rios, e isso, sem mais, é de nos fazer sorrir e ao mesmo tempo tremer sempre que nos encontramos assim, quando estás de costas para mim e me ouves chegar, e mesmo sem nos olharmos, sabemos já o que estamos a pensar, e sorrimos um para o outro sem o ver, sem ver o sorriso, nem o horizonte, que fica longe e longe estando sempre nos puxa."
João
Geografia das Curvas

František Kupka - «Dinheiro», 1899



Via mon ami Bernard Perroud

Nunca duvide do potencial inventivo dos pássaros



Capinaremos.com

20 dezembro 2015

Camisinhas gastronómicas

«pensamentos catatónicos (327)» - bagaço amarelo

Lembro-me duma despedida em particular. A da Sónia. Depois de um abraço prolongado, caminhei em passo apressado na direcção oposta a ela, de forma a que ela perdesse o mais rapidamente possível o ângulo de visão. Sabia que ela me observava, mas nunca me virei para trás. Era como se a despedida só acabasse efectivamente ali, naquele momento em que me deixasse de ver.
A ânsia para terminar a despedida foi maior do que a vontade de a ver uma última vez.
Como é que um homem pode conseguir desapaixonar-se durante uma caminhada de trinta ou quarenta metros? Não pode. Normalmente apaixonamo-nos num segundo, desapaixonamo-nos num ano.
Nunca acreditei em rápidas e limpas despedidas de um Amor. Depois de virar a esquina e de deixar de ser visto, os meus passos tornaram-se fracos e inconsequentes. Foi como se o meu corpo contrariasse em ditadura a minha vontade. Parei no conforto da cegueira. Imaginei-a ainda à porta, com as mãos a ampararem-se uma à outra, ainda a olhar para o vazio que eu tinha deixado para trás.
Recuei alguns metros até à esquina, só para a espreitar secretamente, mas afinal ela já não estava lá. A porta estava fechada e a casa envolvida num manto de silêncio.
Normalmente apaixonamo-nos num segundo, desapaixonamo-nos num ano. Durante esse ano, convém estarmos apenas connosco.


bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»

PI da arte urbana


Maitena - Condição feminina 6



19 dezembro 2015

Homens, aprendam a fazer uma salada!

Uma espécie de «vol-au-vent»...

Crica para veres toda a história
Espectrofilia


1 página

«Viver em sociedade» - por Rui Felício

Cego de nascença, o Zé Lérias ganhava a vida vendendo cautelas que trazia penduradas no casaco de ganga desbotada.
Fizera amizade há muitos anos com o Albino, tetraplégico a quem dava a comida na boca, deitava-o no quarto da Rua das Padeiras onde vivia e empurrava a cadeira de rodas, no deambular constante pela Ferreira Borges, Largo da Portagem, Avenida Navarro, por toda a baixa de Coimbra.
Faziam uma perfeita sociedade. Unha com carne...
O Albino, de corpo tolhido e completamente imobilizado, indicava o caminho ao Zé Lérias e este apoiando-se na cadeira de rodas ajudava o Albino a passear e a deslocar-se, enquanto apregoava a sorte grande da lotaria.
«Ménage à Trois»
Tríptico em acrílico sobre tela
Hermeziu, Roménia, 2002
Colecção de arte erótica «a funda São»
Quando se cruzavam com uma mulher bonita, o Albino descrevia-a e o Zé Lérias sonhava, imaginando-a para lá da cortina da cegueira que o impedia de a ver.
Um dia, o Albino ouviu, incrédulo uma proposta do amigo:
- E se nós casássemos com uma mulher?, incentivava-o o Zé Lérias.
- Os dois com a mesma mulher?!, interrogou-o o Albino, espantado.
- Sim, porque não? Tu olhas e eu abraço...

Rui Felício
Blog Encontro de Gerações
Blog Escrito e Lido

Sempre virgem (de signo)

Não há sensação melhor que tocar no corpo de uma mulher pela primeira vez. É um momento irrepetível. Com a mesma mulher, entenda-se.

Patife
@FF_Patife no Twitter

18 dezembro 2015

«Alexis Texas» - DonCesão & ZRM


Alexis Texas Doncesão Part. ZRM Prod. Pizzol Dir. Br Wax from Felipe Lopes on Vimeo.

«coisas que fascinam (181)» - bagaço amarelo

Aguarela

Às vezes dou por mim cinzento, que é mais ou menos o mesmo que dizer triste. Tenho andado assim e, não acreditando em coincidências, estes dias de Verão parecem concordar comigo no tom com que se vestem.
Tenho um truque muito simples para este dias. Lembro-me constantemente de como a tristeza tem a mania de se alternar com a felicidade, o que me permite pintá-los parcialmente com uma outra cor qualquer. Apesar do cinzentismo, o meu fim de tarde foi uma espécie de aguarela em que um ténue brilho verde desafiou os tons mais escuros.
Reparo então naquilo que o enorme tamanho do Amor costuma fazer parecer mais pequeno. Um abraço, por exemplo, e dou-me conta de que sei porque é que o mundo ainda não acabou. As pessoas abraçam-se mesmo em dias cinzentos.
Um abraço é sempre mágico. Nem que seja apenas por um momento, consegue transformar o maior do crentes monoteístas num existencialista convicto. Naquele momento, é a existência que interessa e se celebra, a enorme e improvável sorte de, na imensidão espacial e temporal do Cosmos, podermos ter um momento em que somos genuinamente abraçados.
Apercebemo-nos de que a vida nos faz falta, de que os amigos e amigas nos fazem falta, de que um copo de vinho branco nos faz falta, de que, enfim, a vida toda nos faz falta, incluindo aquela que é cinzenta, porque nos faz falta o toque dos outros.
Eu, ateu e agnóstico convicto, sou crente na aguarela de um abraço, do toque duma mão, do Amor físico e do beijo. E porque hoje um abraço me salvou, queria dedicar estas linhas a uma amiga que me salva sempre que eu sei que ela existe.


bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»