O Amor é um animal indomesticável. Todos sabemos disso e, às vezes, até agradecemos que ele seja assim. O problema é que ele só se alimenta de certezas, apesar de ser, ele próprio, uma incerteza.
Não tenho a certeza total do que digo. Sei que, no meu caso, foi assim que o alimentei toda a vida. Com certezas digo. Acordo de manhã, pego em todas as certezas que tenho e dou-lhas à boca. Até aqui tudo bem, não fosse ele às vezes perder a fome durante longos períodos de tempo ou, noutras ocasiões, morder-me à traição.
O Amor é um pouco assim, morde a mão que o alimenta.
Já tive um Amor, por exemplo, que só se alimentava dois ou três dias por semana. Nos outros dias preferia ficar em jejum. Dei-lhe um telefone para que ele me ligasse sempre que estivesse com fome, o que aconteceu durante alguns meses. Eu procurava os restos das minhas certezas para o alimentar, mas um dia deixou de me ligar. Fiquei sem ele e sem o telefone.
Por outro lado, tive outro que comia demais. Tinha tanta fome que um dia me mordeu os dedos. Fiquei a sangrar a acabei por abandoná-lo como se abandona outro animal qualquer. À sua sorte. Tive notícias dele algum tempo depois. Morreu.
Entre os dois tipos de Amor que já tive, no entanto, sempre preferi os esfomeados aos que entram em dieta constantemente, Mais vale uma ferida de vez em quando do que a solidão de um animal fugitivo. É por isso que às vezes pego nas certezas todas que tenho, cozinho-as como posso, e dou-as ao primeiro Amor que passa por mim.
Ela - Este fim de semana vens acampar comigo para qualquer sítio?
Eu - Deixa-me decidir na sexta. Ando a trabalhar muito e nem sei a quantas ando...
Ela - Estás à vontade.
Eu - Obrigado.
Ela - Estás à vontade para vires ou nunca mais falares comigo. Tu é que sabes.