Vivo nos subúrbios de Sófia, onde os velhos edifícios me lembram as torres de caixotes de papelão que eu fazia quando era criança. Parece que se vão desmoronar a qualquer momento, mas uma força qualquer sobrenatural faz com que se mantenham em pé desde o período em que o país era comunista. O tempo que passou por eles passou também por mim, e revejo as cidades que eu construía na casa dos meus pais nessa infância que teima em não me dizer adeus.
Hoje de manhã, quando saía para o trabalho, cruzei-me com uma vizinha que me sorriu timidamente e me cumprimentou em português. Ensinei-a a dizer "Bom Dia" há alguns meses, mas depois disso nunca mais a vi. Até hoje, claro. Ainda se lembrava da nossa pequena conversa de apresentação e permitiu-me ouvir a minha língua materna logo pela manhã. Respondi-lhe em búlgaro, agradecido.
É claro que podemos ver a cidade como uma série de caixotes amontoados, em esforço para se manterem em pé. Podemos ver-lhe as igrejas, os jardins e o intenso trânsito de automóveis normalmente velhos e ruidosos, mas nunca a conhecemos mesmo enquanto não nos cruzarmos com um vizinho de manhã na escada do nosso prédio. Era essa a maior curiosidade da minha infância: como seriam as pessoas das cidades improvisadas por mim.
O tempo trouxe-me também o Amor de uma mulher. Depois de outra e mais outra. Aprendi, felizmente, pouco sobre essa matéria, mas o suficiente para saber que ele é como uma cidade. O que nunca percebi é se devemos procurá-lo a ele ou se é melhor que ele nos encontre a nós, por acaso, numa esquina e numa hora ao acaso. Falo ainda do Amor, claro.
Às vezes, muitas vezes, sou só eu e a cidade. É com ela que falo sobre isso enquanto caminho só. Os eléctricos mastigam o alcatrão da estrada velha, as pessoas caminham como se fossem formigas assustadas e os automóveis roncam como animais enfurecidos. A minha vizinha afasta-se e diz-me adeus com a mão esquerda, enquanto com a outra segura um saco térmico com o que suponho ser o almoço. Nunca senti falta desta cidade antes de a conhecer. E no Amor?
bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»