I
Faísca que implode do olhar
Na rubra sintonia que desponta
Em cada madrugada desmedida.
Chispa que atiça a labareda da palavra
Que espreita da neblina matinal
Ou do raio solar que se esconde na cortina.
Faúlha que cresce e que cresta
A sofreguidão de um beijo apaixonado
Entre a entrega e o olhar que não se estranha.
II
Mão sábia que dissemina no espaço
Do amor puro a semente a flor aberta
Como janela que não cerra o horizonte
Que os teus olhos ainda albergam a brilhar
Nem os gestos simples e intrínsecos
Do voo das nossas aves a passar.
III
Procurar em todos os quadrantes
Apenas um feixe um fulgor do teu olhar
Como quem esgaça uma vidraça embaciada
Que teima em ocultar do teu sorriso o cintilar
Depois deixar esvoaçar todos os sentidos
Na tendência convergente e terna de te amar
E ouvir as melodias tecidas de harmonia
Como porta lenta que se abre em nós
Ao romper da alvorada em cada dia.
IV
Fremir impetuoso abraço
Arfar
Embargo no corpo
Cada vez mais lasso
Toque de pele
Com os lábios a contornar
O embaraço
O sentido da visão
Cada vez mais baço
Trejeitos dedos crespos
Que não conseguem agarrar
O denso espaço
Explosão conjunta imensurável
Que se abre em flor no teu regaço
E estranhamente
Um imperceptível cansaço.
V
Fruto ainda verde que se colhe
Na morna estação do lusco-fusco
Ao amadurecer a flor que o gerou
Polpa que se prova quem provar
Aroma que se entranha nas entranhas
Quando irrompe das cortinas do olhar
Pois cada gesto é um sorriso prematuro
Conjugado em cada tempo deste verbo
Constante profundo abrangente
E imutável como o sol
Que nasce para nós sempre a brilhar.
«O silêncio e o gume da palavra», 2022
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