De mim falo de mim falas de mim falam
De mim sentes o que eu sinto nas palavras
Das que entram pelos espaços das ameias
E pelas frestas das muralhas que tu espalhas
De mim espalho só olhares que não te ferem
Sobre as ondas cristalinas do teu ma
Nos balanços que lhe incutes com segredos
Na carícia que flutua na consistência do olhar
Por isso irrompem alvoradas pelos poros
Na luz difusa que os lábios febris contêm
No beijo crepuscular de pétalas ruborizadas
E abrem-se puros horizontes de neblina
Nos destroços destes tempos conturbados
Onde os pássaros sobrevoam divertidos
Deixando vivos filamentos nus e alados
E assim eu sinto que tu sentes este querer
Que enraíza nos meus sonhos já cansados
E que cresce destemido a florescer
Entre os cactos os granitos e os luares
E como se não bastasse essa ilusão
Quero erguer-me deste chão não por vencido
Mas para acordar e provocar a agitação
O alvoroço de águas quietas nos meus sonhos
Que na sua leveza tímida apenas enchem
A serena e suave concavidade das tuas mãos.
«O silêncio e o gume da palavra», 2022
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