Não eram meus os olhos que te olharam
Nem este corpo exausto que despi
Nem os lábios sedentos que poisaram
No mais secreto do que existe em ti
Não eram meus os dedos que tocaram
Tua falsa beleza, em que não vi
Mais que os vícios que um dia me geraram
E me perseguem desde que nasci.
Não fui eu que te quis. E não sou eu
Que hoje te aspiro e embalo e gemo e canto,
Possesso desta raiva que me deu
A grande solidão que de ti espero.
A voz com que te chamo é o desencanto
E o esperma que te dou, o desespero.
em ‘Liturgia do Sangue’
Ary dos Santos
José Carlos Pereira Ary dos Santos (Lisboa, 7 de Dezembro de 1937 — Lisboa, 18 de Janeiro de 1984) foi um publicitário, poeta e declamador português.
Ouçam este texto na voz d'ouro de Luís Gaspar, no Estúdio Raposa
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