Cruzou-se comigo à porta de um edifício. Loura, bem torneada, saia curta, uns olhos azuis incríveis. Cruzámos olhares por um instante. E naquele instante, uma tristeza brutal amordaçada naqueles olhos azuis incríveis gelou-me.
Olhei para ela de relance, quando se encostou à parede a fumar o cigarro e apontou aquele olhar azul sem brilho, sem vontade, para um vazio qualquer. Já não vi a mulher, vi a pessoa. Tão triste, tão distante, tão só, com aquela tristeza aprisionada por detrás de um silêncio azul.
Fumei o meu cigarro enquanto digeria a minha impotência para poder contrariar toda aquela desistência que o olhar não conseguia dissimular. Uma pessoa na casa dos trinta, bonita, com uns olhos azuis incríveis que pareciam já incapazes de chorar.
Apagou o cigarro a meio, encostou as mãos na parede e respirou fundo, consegui ver pelo reflexo no vidro de um carro. Não me atrevi a olhá-la directamente de novo, cobarde, incapaz de uma iniciativa decente, de uma abordagem inocente para lhe estender a mão numa palavra qualquer.
Não arrisquei cruzar o olhar de novo com toda a tristeza que me perturbou naquele azul incrível que caminhou entretanto para o interior do edifício, enquanto eu acabava o meu cigarro, entristecido pela memória gravada de um azul infeliz.
Sharkinho
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Uma por dia tira a azia