Armando Lenhador sentou-se.
O chulo educado sentou-se numa outra cadeira à volta da mesma mesa.
O índio escanzelado manteve-se em pé uns momentos fazendo ruídos intestinais, agitou furiosamente as mãos atrás das costas fazendo circular o ar que aí se acumulava perigosamente e, depois, sentou-se noutra cadeira da mesma mesa.
O motorista sentou-se noutra cadeira da mesma mesa.
A décima terceira puta saltou para cima da mesa, gritou “Table dancing - literal” e começou a dançar em cima da mesa.
O chulo educado olhou para os outros homens mas ninguém olhou para ele.
– Não viemos cá para isto – disse o chulo.
O índio escanzelado riu-se e encolheu os ombros.
– O que podia ser melhor que isto? – perguntou o motorista sem tirar os olhos da décima terceira puta.
– A décima segunda puta – gracejou o índio escanzelado. Os outros riram-se e atiraram, sem qualquer critério, outros números de putas. A décima terceira puta sentindo-se ofendida parou de dançar.
Um curioso numa mesa próxima ficou suspenso da atitude da “table-dancer” e chamou a D. Ermelinda, prometendo-lhe copos de plástico se a “table-dancer” se mantivesse a dançar e copos de vidro se ela viesse dançar para a mesa dele.
A D. Ermelinda que tinha grande necessidade de copos de vidro na taberna, não hesitou e saltou para cima da mesa do curioso.
O curioso ficou estupefacto, tal como todos os restantes frequentadores da tasca, mas, sensível como era, preferiu ver o triste espectáculo, a dizer à D. Ermelinda que quem ele queria a dançar na sua mesa não era ela, mas ela – a outra.
Armando Lenhador agarrou no telemóvel do motorista, distraído com a D. Ermelinda, e ligou a um colega para passar palavra: daí em diante, a taberna iria ter copos de vidro lavados, além de copos de plástico encardidos. A notícia espalhou-se na mata como fogo em lenha seca e a alegria foi imensa.
D. Ermelinda, pensando nos copos de vidro, esquecia-se de si, do seu corpo, da sua vergonha (caso a tivesse) e da precariedade de um corpo de cerca de 100 quilos a mover-se, sem nexo, numa mesa de três pés.
– A velha tem carteira profissional? – perguntou a décima terceira puta ao chulo.
– Pergunta-lhe antes se tem seguro de vida – respondeu o chulo concentrado nos movimentos pseudo-sensuais da D. Ermelinda.
O índio escanzelado chorava e, disfarçadamente, peidava-se, tinha sido assim, num assomo de ganância e loucura, que a sua mãezinha tinha ido desta para melhor – “se é que é melhor estar empalhada em casa há duas décadas.”
O curioso via o empenho, o denodo, a audácia, o arrojo, o desprezo pela vida que a velha demonstrava e, suando, pensava na quantidade de copos de vidro que ela esperaria receber.
– A D. Ermelinda rebola-se como poucas – comentou o motorista.
– É por uma boa causa – disse Armando Lenhador, cansado de beber por copos de plástico cheios de verdete.
O chulo via a velha e fazia contas de cabeça.
– O turismo sexual sénior é um mercado a explorar – disse o chulo à décima terceira puta, sentada em cima da mesa.
– Sim, é um nicho de mercado com potencialidades – concordou a décima terceira puta, consultora da “Flor do Entulho – Prestação de Serviços Essenciais, Lda.” para a área da prospectiva e desenvolvimento. – É até um produto que facilmente se podia internacionalizar: velhos reformados dos países desenvolvidos passavam-se com isto.
A D. Ermelinda cansada, pensava em terminar o show, já devia ter ganho umas boas resmas de copos, e fez sinal ao velho índio, que se mantivera atrás do balcão.
– Senhoras e senhores – gritou o índio, fazendo que todos olhassem para ele, enquanto a D. Ermelinda se esparramava de pernas abertas sobre a mesa para o grande final. – Como dizia Horácio, esse grande poeta: “PAUPERTAS IMPULIT AUDAX”.
A D. Ermelinda, que de latim nada percebia, limitou-se a erguer e abrir os braços e gritar:
– TCHARAM! – e virando-se para o curioso: – Que venham os copos.
Os frequentadores do café, todos sem excepção, levantaram-se num pulo e bateram palmas com fervor religioso.
– “Paupertas impulit audax!” – entoavam todos, com excepção do curioso e da D. Ermelinda, pouco dados a locuções latinas. – “Paupertas impulit audax!”
– “Non nova, sed nove” – disse o chulo para os companheiros de mesa, que concordaram com acenos de cabeça sabedores.
– Minha senhora, mil copos – disse o curioso, sensível ao esforço da velha. – Mil copos é o que eu lhe darei e mais não dou porque não tenho.
A D. Ermelinda, ajudada pelo índio pai, tentava descolar as partes íntimas do tampo da mesa e nem sorriu; a sucção e as frases enigmáticas proferidas irritavam-na.
– O que é que tu disseste? – perguntou a velha ao índio, que manejava uma espátula com cuidado.
– “A pobreza audaciosa me impeliu” – respondeu o índio, sorrindo. – Um velhíssimo brocardo latino de Horácio, que parece ter sido escrita há mais de dois mil anos para esta situação em concreto. O poeta Horácio era um sábio, um visionário.
– E o chulo? – perguntou secamente a D. Ermelinda, a quem causava náuseas o conhecimento. Qualquer conhecimento.
– “Não coisas novas mas de uma nova maneira” – respondeu o índio, manejando a espátula sem cuidado, gostava da velha mas tinha nojo da sua tacanhez e ignorância.
Garfanho,
daqui