Já não sentia o próprio corpo. Regressava a casa, após mais um dia entendiante e cansativo. Entrou no prédio carregada de sacas de compras e, claro, a porta estava fechada. Quando vinha sem nada, estava sempre escancarada para trás. Procurou a chave no meio do caos da sua mala. No finzinho de tudo. Já que estava ali, foi ver qual das simpáticas contas para pagar lhe tinha escrito. Nenhuma.
Ao invés, tinha lá uma pequena encomenda de correio verde. Para ela?! Devia ser engano! Não... Era mesmo para ela. No remetente, um apartado qualquer. O que seria?! De quem seria?! Enfiou a caixa numa das sacas e dirigiu-se para o elevador.
Uns andares mais acima, abriu a porta. O cão ladrou. Sinal da sua chegada. Alerta aos vizinhos. Pousou as sacas na cozinha. O cão deu uns pinotes de contentamento. Bifes para mim, parecia ele dizer. Meteu no frigorífico os frescos e os congelados. Tirou o casaco e pegou na encomenda. Abanou-a. Não emitia qualquer som e era leve. Com uma faca, tirou a fita-cola e abriu-a. Corou violentamente! Uns boxers! A caixa trazia uns boxers dentro, e masculinos! Ainda bem que não tinha cedido à curiosidade e não tinha aberto a encomenda à frente do vizinho do 8º andar que costumava galá-la com o olhar no elevador. O coração batia quase dolorosamente com o espanto. "Depois penso nisso", falou para si própria. Foi tratar dos seus afazeres. Jantar. Loiça. Umas roupas para pôr a lavar e estender. Minutos que se transformaram em horas passaram sem que os pudesse agarrar.
Banho. Merecia um duche bem quente para descontrair o corpo mortiço. Mmmm a água pelo rosto e pelo cabelo. Lavou-o bem lavado. Ensaboou-se sempre com água quente a correr pelo corpo, pelos ombros e pelo pescoço, doce massagem. Já não se lembrava da última vez que umas mãos lhe tinham massajado o pescoço, nem que um homem a tivesse acariciado. Vivia fechada sobre o próprio corpo, sarcófago de sensações adormecidas. Enrolou-se no roupão. Secou o cabelo numa toalha. Passou creme para amaciar a pele. Vestiu a sua camisa de noite avermelhada que tinha comprado num desses dias, em que lhe apeteceu fazer uma loucura. Para quê? Ninguém nunca a tinha visto, nem nenhumas mãos lha tinham tirado.
Deitou-se na cama, cabelos ainda húmidos, refrescantes na almofada. Na mesinha de cabeceira, em cima do habitual livro: a encomenda. Tirou os boxers da caixa. Eram simplesmente brancos. A medo, aproximou-os do nariz. Cheiravam a qualquer coisa que não sabia bem definir. Cheiravam-lhe a homem. Imperceptivelmente, ficou acelerada. Apeteceu-lhe tirar a camisa e sentir a frescura dos lençóis na pele. Tirou as cuecas. Cheirou-as. Tinham cheiro a sabão porque tinha acabado de as vestir, ainda não tinham guardado o seu próprio cheiro. Apeteceu-lhe sentir a textura dos boxers pelo corpo. Acariciou-se ao de leve com eles no peito, sobre a barriga e na parte interna das coxas onde a pele era mais tenra. O cheiro dele tinha-lhe ficado retido nas narinas. De olhos fechados, imaginou-o ali ao lado dela.
Ele aproximou-se. Encostou o seu corpo nu ao dela. Sentiu um frémito irresistível. Ele, na sua boca. Ele, no seu pescoço. Ele, agarrado às suas nádegas. Uma mão entreabre-lhe as pernas. Um dedo atrevido no seu sexo. Respiração acelerada. Dedo dominador que a tomou sem reservas. Não há qualquer pudor no desejo que cresce por dentro de uma forma quase violenta. Geme, mas apetece-lhe gritar, dizer-lhe coisas obscenas ao ouvido. Que ficaria ele a pensar? Pergunta perdida no meio do furacão de sensações que se abate sobre ela, com aquele dedo que simplesmente não pára, nem pretende parar. Chora. É demasiado. Não consegue conter as sensações dentro do corpo tanto tempo fechado.
Abre os olhos. Ele não está ali, mas está. O cheiro dele fez emergir nela a vontade de ser mulher, de voltar a sentir, de ceder aos impulsos e aos desejos. Paz. Corpo aberto. Corpo saído do sarcófago da insensibilidade. Agora, ela era todo corpo.
Adormece nua, agarrada aos boxers, a pensar que amanhã tem de descobrir de quem são...
Anukis
Estórias duma deusa
A deusa Anukis amamenta Ramses II, já adulto
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