– Então?! – Gritou ele do quarto. – Estás bem?
Ela absorta na sua solidão que, ao contrário da água, subia e se acumulava, perturbando-a cada vez mais, não lhe ouviu o primeiro grito, nem o segundo a corrigir o tom ansioso com que a chamara. Lembrara-se, mais uma vez, da frase "E sobretudo, é esta solidão que emerge à mistura com o vapor do duche, que, por mais que se esfregue, não sai, não nos abandona" concluiu, e ficara a sentir a água escorrer-lhe pelo corpo, esquecendo-se dele, nu na cama, à sua espera.
– Estás bem? – repetiu ele que, sem resposta, se obrigou a levantar, contrariado e com frio. Assomando à porta da casa de banho, sem entrar, tornou a perguntar: – Tudo bem?
Ela ficou sem saber se o ouviu ou se o sentiu no ligeiro movimento da húmida neblina que enchia a casa de banho e sem saber a pergunta respondeu o que, sabia-o, ele queria ouvir:
– Vou já!
– Está bem – disse ele, como se lhe fizesse um favor e, encostando a porta, correu ainda excitado para a cama.
Ela olhou o vapor que submergia toda a casa de banho e tornou a pensar na frase
"E sobretudo, é esta solidão que emerge à mistura com o vapor do duche"
que lera e agora lhe envenenava os banhos, a deixava sem forças, como se a água e o vapor a puxassem para o fundo da depressão em que ele, ELE, há anos a deixara.
Agora, tinha um homem à sua espera, à espera do seu corpo, mas também de si. Amava-a, dizia. Amava-o, retorquia ela, convicta. Convencendo-o. Quase se convencendo.
Mas, desde que lera a frase, os duches prolongavam-se para lá do razoável, não ligava o rádio e, quando se apercebeu que não ligando o aquecedor, o vapor era mais denso, mais uniforme, mais perfeito, deixou também de o ligar, o que aumentava o contraste entre o frio do seu corpo e a água quase a queimar que saía do chuveiro e que ela recebia como uma mortificação redentora.
Tinha passado duas horas debaixo do chuveiro, com a água a escorrer-lhe pelo corpo, sem se lavar, sem se esfregar, sem se sequer tocar. Ali ficara, sem reacção, sem vontade, sem uma ideia ou pensamento, que não fosse o de desaparecer na água, no vapor, na neblina, de se diluir e escorrer pelo ralo e juntar-se à água, só à água. Ser água e deixar de ser mulher.
Tinha sido assim, há dez anos, quando ele, ELE, lhe confessara a traição e, sem um gesto, sem uma palavra, sem nada, sem nada que se aproveitasse a deixara, sem amor.
"E sobretudo, é esta solidão que emerge à mistura com o vapor do duche, e no fim ficamos sempre sós. Sós, eu e a merda do vapor do duche!" pensou a gritar, de raiva, de desespero, de impotência.
– Mário! – gritou.
– Sim?
– Anda cá.
– Porquê?
– Vamos fazer amor!
– Aí?! – Ele levantou-se, surpreendido, e encaminhou-se para a casa de banho.
– Sim, aqui. Na banheira.
Ele entrou na casa de banho.
– Porra! Posso ligar o aquecedor?
– Podes. Anda!
– Mas eu estou seco!
– Molhas-te!
– Queres fazer amor na banheira, tens a certeza?
– Sim, porquê?
– És tão picuinhas com os banhos.
– Deixa-te de desculpas e anda! Anda abraçar-me!
de
Garfiar, só me apetece