Este texto foi escrito o ano passado a propósito do 25 de Abril, dia da liberdade.
A minha singela homenagem à Liberdade e ao que fizemos dela.A Liberdade.
Conheci a Liberdade pela altura do 25 de Abril de 1974.
Era na época militar por dever e, durante algum tempo, passei a sê-lo com gosto.
Olhámo-nos nos olhos, sem nada dizer, e de imediato despertou em nós a ponte que liga os corações apaixonados.
Ia no Metro para encontrar-me com amigos algures na zona de Entrecampos, mas saí logo junto com ela nas Picoas. Era uma rapariga mais jovem que eu, toda ela promessa de mulher.
Não lhe disse nada nem ela me perguntou o que fosse. Entregámo-nos logo um ao outro e amámo-nos sem peias ou amarras, sem limites ou planos de futuro, com a sensação de termos atingido o momento definitivo das nossas existências.
Não estabelecemos compromissos nem alianças. Não fizemos planos para o futuro. Não lhe pedi juras de amor eterno nem lhe ofereci nada, nem ela me deu mais em troca do que era uma dádiva mútua generosa e única. Bastava-me tão só tê-la, a Liberdade.
Passeámos muitas vezes pelas ruas e toda a gente olhava para nós.
Sentia que todos amavam a Liberdade e que amavam o nosso amor.
O tempo passou.
O que era eterno e imutável passou a ser só um episódio das nossas vidas.
Deixei de vê-la.
Troquei a Liberdade por outras paixões que me vieram cruzar o caminho.
As paixões foram sempre inimigas da Liberdade...
Há tempos atrás voltei a vê-la. Estava mais velha que eu.
Chorei ao reencontrar-me com ela. Beijei-a e disse-lhe tudo o que me ia na alma.
Mas ela secou-me as lágrimas e disse-me que fora sempre assim através dos tempos.
A Liberdade será sempre a jovem generosa que trocamos por outros valores em maior ou menor grau. Contou-me as peripécias destes últimos anos. Do amor que dera a todos.
Dos que quiseram apropriar-se dela. Dos que a maltrataram, dos que a quiseram acima de tudo e que por ela haviam dado a vida.
Olhei os seus olhos cansados e revi-me no reflexo do seu brilho apagado.
Olhámos um no outro durante uma eternidade, enquanto ela afagava as minhas rugas.
Falámos um longo período, revendo rostos, revivendo tempos...
Por fim disse-me que se ia embora.
Ia talvez sair do País. Ia procurar um sítio onde estivessem ansiosos por ela.
Lá, talvez voltasse a encontrar numa paragem de autocarro ou num metro um jovem que a amasse eternamente.
Despedi-me dela com um longo beijo.
Foi a última vez que vi a Liberdade....
Charlie
(o Nikonman chama a esta imagem
«o caralho encravado»)