Julgo que ele confundiu as minhas fardas de trabalho, as calças a três quartos da moda, justas a recortarem as nádegas em pêra e a abertura generosa das túnicas sob as bandas do casaco a exporem o colo, com o estilo daqueles e daquelas que se empolgam a ostentar na roupa a marca do seu sucesso, a fazer pendant com o modelo do relógio e do carro.
Nem sei, Sãozinha, porque se incomodava a convidar-me para debicar dietéticas saladas e me fazer engolir palestras sobre o óptimo ginásio com sauna que frequentava, onde também ia sicrano e beltrano, repisando o mote do perfeito estado dos seus músculos. Quase me apetecia pedir-lhe as análises de sangue para ver a garantia da máquina, mas não seria elegante hostilizar assim o colega e até me divertia o seu olhar concupiscente apontado às nesgas de carne que eu exibia fora das camisolas. Depois, ele engrenava na análise minuciosa do rol de etiquetas desportivas de roupas e acessórios enquanto eu, com um olhar fixo, ruminava os vegetais e deste silêncio ele não concluía do meu desinteresse pela matéria.
Assim sendo, quando sugeriu uns momentos mais íntimos, com os olhitos que nem luzes vermelhas de impressora sem papel, servi-lhe o fracasso daquele chavão bonzinho de que ele não era o meu tipo porque, São, eu nunca gostei mesmo de homens que usam sapatos sem atacadores, como se andassem de pantufas pela vida fora resguardados das intempéries da vida.
26 abril 2006
A importância dos sapatos
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