Naquela manhã de Outono, Luísa saía cedo, como de costume, para se dedicar a uma tarefa que ela levava a cabo com mestria e o conhecimento profundo que se exigia.
Luísa, ainda jovem, era uma exímia colectora de cogumelos selvagens.
Possuía o raro talento, intuição sublime, que lhe permitia descobrir, ainda dentro da terra, apenas por nuances no terreno, os diversos tipos, espécies e subespécies, distinguindo de imediato os comestíveis dos outros. Os indigestos, os de mau gosto e, ainda pior, os venenosos.
Nessa manhã em particular, aromas da terra húmida apelavam inconscientemente aos profundos mistérios da natureza, a seres etéreos e espíritos que só se vislumbram pelas janelas dos cheiros e pelos sons que surgem do fundo das florestas, quase surdos, quase adivinhados.
Luísa entrou por uma vereda onde não se lembrara nunca de ter procurado os apreciados - e bem vendidos - frutos do ventre da Deusa Mãe Terra, que os Homens aprenderam a adorar sob as formas exóticas nos seus mundos ocultos, algures onde as almas comunicam com os segredos confessados entre as línguas e os estômagos.
Afastou uns fetos recém despontados pelas recentes chuvas e embrenhou-se mais na mata densa onde o mundo vegetal concorre ferozmente por um lugar ao sol. Afastou alguns ramos que se lhe atravessavam no caminho e, quando estava prestes a desistir e voltar para trás, viu-se repentinamente a desembocar numa clareira, coberta de pequenas elevações no terreno. Noutros sítios, junto às raízes de velhas árvores, rebentavam já em pujança, de chapeletas orgulhosas desafiando das abrigadas meias sombras, o mundo sedento de luz das companheiras verdes que fazem depender toda a sua existência das intrincadas funções químicas e clorofilinas.
Viu de imediato, com a sua sensibilidade, tratar-se de espécies comestíveis, de bom tamanho, ali só para ela, num reduto que ninguém sabia existir.
Sentiu-se como o caçador de tesouros que de repente cai num poço cheio de dobrões de ouro. Ali havia certamente dezenas de quilos. Ficou exultante e de imediato puxou da velha colher, afastando a terra e colhendo os que estavam no ponto certo, voltando a abrigar outros para os dias seguintes.
Em menos de nada encheu o cesto que trazia, vendo-se obrigada a recorrer a mais um saco de pano que trazia com o propósito original de colher algumas ervas aromáticas.
Colheu mais e nem deu por ele, não fora o susto de ter ouvido uma breve e rouca voz:
- Aqui... por aqui...
Olhou ao seu redor assustada e, não vendo fosse quem fosse, pegou na cesta e no saco apressadamente para se retirar. Mas a voz, insistindo, em tom de súplica fê-la hesitar:
- Aqui em baixo. Ajuda-me...
Olhou melhor, sempre a guardar distância, presa entre a curiosidade e o medo.
Foi então que viu. Uma rã, junto ao pé de um arbusto!
Voltou a olhar para confirmar.
Incrédula, atreveu-se a dizer:
- És tu?! Uma rã que fala?!
Fez-se uma pausa.
- Na verdade, não sou uma rã... sou um príncipe. E uma feiticeira, uma bruxa má, encantou-me a viver o resto dos meus dias neste estado. Mas tu podes quebrar o encantamento. Por isso te pedi ajuda...
- Como posso ajudar-te? - perguntou.
- É simples, podes quebrar este feitiço, dás-me um beijo e eu fico novamente príncipe. Depois, como recompensa, casas comigo. Serás a minha princesa. Teremos muitos filhos, tratarás deles, da roupa deles, da minha roupa, da comida e das compras, limparás a casa... darás uma ajuda a reinar e à noite faremos amor. Seremos muito felizes.
Não deu resposta. Um silêncio sobreveio.
À noite, sentada à mesa, Luísa dizia para si:
- Casar contigo?! Ser a tua Princesa?! Eu?! Nem morta!
Entretanto, ia chupando umas perninhas de rã em molho de tomate, como entrada para o prato principal. Um fumegante e delicioso prato de cogumelos assados.
Charlie