– É hoje – disse o Borrego, com um sorriso nos lábios, quando fomos tomar café.
– Hoje? – perguntei enquanto, ao mesmo tempo, acenava positivamente à empregada que me perguntara se queria o normal. O Borrego acenou que não, queria um pedido especial.
– Mas quer café? – perguntou-lhe ela, enquanto colocava o meu croquete num pires e o punha em cima do balcão.
– Não – respondeu o Borrego, dando meio passo atrás para, dessa posição, ver o conteúdo de todo o balcão expositor. – Quero um galão e…
A empregada olhou-me a sorrir, arqueou as sobrancelhas e sugeriu:
– Vou tirar o café para o sr. Pereira, enquanto se decide, está bem?
O Borrego anuiu e sussurrou:
– Se ela me tirasse o leite… – olhou-a com ar sonhador. – Ah! Se ela me tirasse o leite da frente, é que era! – O Borrego cerrou os dentes e abanou a cabeça. – Está cada vez melhor, não está?
– Já escolheu? – perguntou ela, olhando pela superfície espelhada atrás da máquina de café.
– Eu?! – o Borrego surpreendido pela pergunta, engoliu em seco, levantou os olhos das nádegas dela, sorriu como se não fosse nada com ele e respondeu com voz de falsete: – Já, já escolhi.
Ela pousou o café e o galão à nossa frente, esticou-se na nossa direcção e sem um sorriso, mas com os olhos a brilharem, perguntou-lhe num murmúrio:
– E era fresco ou retardado?
– O quê? – Quis saber o Borrego, surpreendido.
A empregada fez um esforço para não se rir, olhou para mim, tornou a fixá-lo e disse, sem levantar a voz:
– O leite que eu lhe ia tirar da frente. Era fresco ou retardado?
O Borrego engasgou-se, tossiu e corou (não necessariamente por esta ordem).
A empregada recuperou a sua posição e ar sério atrás do balcão, piscou-me o olho, agarrou na tenaz e num pires.
– E afinal, o que vai ser, sr. Borrego?
– De quê? – O Borrego ainda estava apalermado. Ela mostrou-lhe a tenaz. – Ah! Isso… bolos – deixou escapar desanimado. – Pode ser um queque de noz.
Ela, sem olhar para qualquer um de nós, colocou o bolo junto ao galão e afastou-se.
– Elas ganham sempre, não é?
O Borrego fitou-me com um sorrisinho idiota e respondeu arqueando as sobrancelhas:
– Quase sempre, Pereira. – Fechou o sorriso, abanou a cabeça resignado e, enquanto punha meio bolo na boca, ainda repetiu: – Quase sempre…