Conheci-o numa pista de dança, entre fumo, decibéis e olhos a piscarem. Destacava-se entre os demais, pés colados ao caleidoscópio do piso, enquanto todo o corpo abanava saindo dele, a um tempo, a rotação e a translação da terra. Fechava os olhos e acolhia um continente inteiro nos braços abertos, enquanto as ancas erotizavam o ritmo da música.
Pista cheia em noite de sexta-feira, cheiro a corpos já transpirados mas ainda com o aroma frutado do duche que antecedeu os arranjos ao espelho, ensaio de gestos semanais nos outros, os que imitavam a natureza enraízada dos genuínos. Fiquei colada ao movimento que saía daqueles poros castanhos, enquanto o tecto rodopiava sobre a minha cabeça, um pouco entontecida de gins tónicos e cigarros. Colada aos olhos que piscavam, os meus pela cinza do fumo que envolvia já os pensamentos, os dele pela tontura cega que saía dos meus, segui em hipnose até ao centro da pista e enlacei-me nele. Enlacei o aroma achocolatado da pele molhada, o colorido dos panos e o som das mornas sob o sol queimado. Enlacei um corpo quente a colar-se ao meu e fechei os olhos para sentir o ir e vir das ancas que eram uma só. Julião correspondeu ao meu abraço e levantou-me no ar, primeiro, pousando-me depois na sua frente, olhos nos olhos ao sabor da música que não parava, não parou a noite inteira, entrando eu na euforia da dança ou a dança em mim, que a destrinça era difícil e a embriaguez impossibilitava o discernimento.
E quem desejava o discernimento naquela noite feita de ritmos e afagos, eu?, ele?, alguém ali na pista queria parar para pensar um pouco no dia seguinte ou no dia anterior ou apenas num pequeno pedaço de tempo que não fosse o da oposição alternada da luz, entrelaçada no som e nos movimentos do corpo?
Apaixonei-me. E vivi, numa noite, o ritmo e a cor inteira de um continente para além do meu.