Isto, a bem dizer, tudo é político. Não tem é de ser partidário... ainda que seja bom que cada um tome partido pela sua causa.
(É lixado isto dos conceitos baralhados, mas a verdade é que as palavras querem dizer qualquer coisa... E conceitos transviados só servem para aumentar a confusão, digo eu...)
Esta questão - a da prostituição legalizada ou não - é mais uma das militantes hipocrisias em que vivemos atascados. Sendo evidente que a prostituição - entendida como venda do próprio corpo para fins sexuais - concentra em si muito de indignidade humana, não é menos verdade ser ela velha como o mundo (patriarcal) e apoiar-se na miséria sexual que advém de vivermos espartilhados por conceitos moralistas e pseudo-éticos, que são incutidos como travões ao livre arbítrio, sempre tido como perigoso e subversivo para quem detém o poder...
Daí o tal poder - ou p(h)oder, para amenizar a conversa - sempre se ter servido, também, da prostituição, vendo-a com um olhar benevolente - por ela constituir uma fonte de 'esvaziamento' de tensões... e, não raro para políticos com visão para o negócio, poder constituir até matéria colectável.
A insatisfação sexual não deve ser vista de ânimo leve e qualquer estadista que se preze saberá - mesmo que ele próprio, em vale de lençóis, possa não estar à vontade - que cidadão recalcado e ressentido é foco de problemas sociais.
Donde, se por um lado se estigmatiza o 'fenómeno' como moralmente indefensável, por outro se condescende até ao limite da institucionalização - as tais casas de passe, ou bares de alterne, ou o que se queira - por ser consensual que a queca funciona como terapia ocupacional para atenuar tensões de primeira água. E para quem não se descontraia no remanso do lar, porque não fazê-lo onde encontre aconchego?
Não deixa de ser curioso verificar, a título de exemplo mas desviando um pouco a conversa, para ser mais abrangente, a bonomia com que se encara a 'aventura fugaz' nascida no bar onde se bebe um copo com os amigos e se consuma no banco de trás do carro, em aflições desvairadas, em contraponto com a crítica social à 'facada conjugal' com a vizinha, a amiga lá de casa ou a colega de emprego (claro que, aqui, o emprego do feminino pode ser trocado pelo masculino, que vai dar ao mesmo). Reflexos, também, estas divergências de pareceres, da tal miséria sexual de que os entendidos falam e os nossos pudores hipócritas querem ignorar, mas toda a gente conhece... e, porventura, a grande, imensa, esmagadora maioria pratica ou, quando não, tem muita pena.
É subordinado a estas dicotomias que se analisa, geralmente, o problema da prostituição, isto é, deixando nós resvalar a nossa opinião para a dependência em relação a 'dados adquiridos', pretensamente sociais, sem olharmos bem para dentro de nós próprios.
Se a prostituição é um fenómeno social que advém da forma como toda a sociedade está organizada, para a combater será de pensar em combater as causas sociais que a originam e não a prostituição em si, que não nos levará a lado nenhum. A bem dizer, é - mutatis, mutandis - como a questão do consumo da droga...
Uma verdade como punhos é aquela de todos sabermos que a prostituição consentida mas não oficializada promove o fenómeno da chulice, com o seu mafioso cortejo de violências, de forma indecorosa e sem qualquer espécie de controlo. E, então, por aqui não devem também as nossas conscienciazinhas ficar abaladas?
Quanto às casas de passe, ou de tias, ou de putas, mais ou menos rascas, ou em vivendas de jardim e piscina... trata-se apenas de regras do mercado. Ou não? E, nessa perspectiva, é bem melhor um colchão, mesmo ruidoso, em cama desconchavada, do que uma parede emporcalhada, em beco mal iluminado e à chuva (a não ser que haja especial predilecção por este modelo).
Afinal, frequentar uma casa de passe ou não frequentar uma casa de passe, essa sim, será também uma questão de formação individual, se quiserem, mas fundamentalmente de livre arbítrio.
Do outro lado, as (e os) prostitutas (e os) emergem do fenómeno social por consabidas razões de miséria social e continuarão a emergir enquanto as actuais condições se mantiverem.
Neste caldinho, funcionam apenas as leis de oferta e de procura, por muito cínico que alguém queira entender o conceito.
Para remate, também estou em crer que a pedofilia às escâncaras num Parque Eduardo VII talvez não fosse de tão fácil ‘amanho’ num estabelecimento legalmente aberto...
Nem será, a partir da legalização, muito admissível ou justificável a oferta de prostituição em lugares públicos, no momento em que sejam legalizadas as casas de passe. A não ser mediante a emissão de recibo verde, claro!...
E tudo o resto não passará, na minha humilde opinião, de conversa da treta.