The Rio
por Pedro Alves
O cobrador de impostos.
Podia ter nascido uma ninhada de ratos com um gato ao lado!
Ou ser um mero molusco vivendo no limiar do paladar como único sentido da existência. Devorador e devorado em cadeia sem outra história que não fosse o rodopiar das minhas moléculas em ciclo perpétuo nesta sopa feita de água e rochas à qual a consciência chama de Terra. Podia ser uma dessas pedras que andam há uma eternidade a vaguear pelo espaço com encontro marcado com ela na breve orgia dum risco de luz desenhado contra um céu de infinitos Deuses e estrelas.
Mas não... Quis o destino que toda a matéria de que sou composto se juntasse naquilo a que se chama: um cobrador de impostos. É esta a minha missão, ou melhor, o meu modo de vida e, confidencio, a minha paixão. Não que tivesse começado por sê-lo.
Têm-me dito que há paixões que são instantâneas. Não sei, nunca tive outra paixão, mas acho que deverá haver gente que se apaixona pelo simples passar dum piscar de olhos...
Mas eu não!
A minha profissão preenche-me completamente, mas isso levou tempo. Aprendi a ser o que sou hoje e a gostar de ser o que sou.
A minha lista é extensa, há muitos que estão atrasados nas suas obrigações. Procuro-os nas suas casas depois de observar cuidadosamente, ora sentado no carro, ora nos cafés e papelarias e durante um, dois ou mais dias, as rotinas de que fazem vida.
Depois ataco! De adrenalina nas veias e o coração a bater! Já tenho tantos anos disto, mas o fascínio é eterno. Primeiro encosto o ouvido à porta. Como disse, observo previamente e apenas bato às portas depois de ler os rostos e os sinais dos corpos. Sinto-os lá dentro entregues um ao outro, adivinho-lhes o olhar e os lábios em fusão. Sinto como a roupa lhes aperta na emergência do querer. Uma forte erecção me toma, aguardo mais um pouco antecipando tudo e é nesse instante que bato à porta.
Não de mansinho. Não! Mas com esta força de saber quem sou. Olho-os de frente, eles espreitando pela nesga da porta, de roupas parcamente arranjadas num ingénuo disfarce. Primeiro de rosto aborrecido, zangados até. Depois surpreendidos e incrédulos após eu ter-lhes mostrado as minhas credenciais e as intimações competentes. É nesse ponto que a erecção quase se descontrola. Mas sou um homem que se pauta pelo auto-domínio. Pego na minha caneta, no bloco de apontamentos e começo a inventariar os bens. Um a um enquanto admiro, sempre em erecção, as formas das mulheres, os nacos de carne que se expõem escapando por entre as roupas e lhes adivinho as entregas nos momentos altos dos corpos em sexo.
Vejo as salas, toco nos sofás de onde absorvo pelas pontas dos dedos todo o calor. Subo aos quartos de dormir, tantas vezes de roupas desarranjadas, sempre com eles atrás de mim. Excita-me por demais ver-lhes os rostos em aflição e aborrecimento e o saber do momento que estraguei.
Depois chego a casa, abro a mala e revejo os apontamentos. Vêm-me as mulheres à presença do espírito e, tomado duma forte erecção, masturbo-me. Atinjo uma total, indescritível e profunda satisfação. Como jamais, e já em tempos idos, mulher alguma de proporcionou.
Vivo assim. Sou assim. É esta a minha paixão e o modo de vida que me completa; ser cobrador de impostos...
Charlie