" Adeus ó Feira de Castro
que já te vou conhecendo
Trago a ponta do pau gasto
e as bordas do cu ardendo"
(popular Alentejano)Bem cabranagem cá do sítio. Deixem-me cá apresentar.
Nasci e vivo há uma remessa de anos num lugar chamado Monte do Cardo que fica entre Castro Verde, Almodôvar e Mértola, e que alguém baptizou de Alentejo Profundo.
Fui baptizado com o nome de José Carlos Trambolica e por ser mais fácil à língua todos me chamam Zeca Tramelica, mas os que me acompanham nas paródias e me conhecem bem tratam-me por o Vintesete.
Donde é que vem o nome Vintesete? hadem de perguntar. Lá tá o caso, respondo eu.
A canalha dum cabrão não pode ver ou ouvir uma coisa que lhes caia em graça que tem de fazer-se engraçados o tempo todo e vai daí esta do Vintesete.
Isto vem do tempo em que as feiras eram duas ou três vezes por ano e enchiam-se de toda a sorte de barracas. Ele era os carrocéis e polvo assado, as barracas do bacalhau frito, dos frutos secos, das loiças e latoaria, barros e arames e por aí fora. Mas também havia barracas de copos de vinho e petiscos e, - nã falhava - , a barraca das putas!
Nesse ano, ainda éramos quase moços, fui eu mais o Manél Bochecha, - o Blé - que é filho da tí Lucinda Cachola, à feira de Castro Verde.
Ei moços, o que a gente andou. Andámos que se fartámos. Foi toda a tarde.
A feira era então feita nas ruas da Vila numa confusão dum cabrão que só visto, que era tudo a cotovelar-se e a gente a aproveitar-se para esfregar-se, vai não vai, pelas lambiscas assim como quem nã queria a coisa.
Fizemos os nossos avios, falei com alguns negociantes de gado. Apalavrei uns negoiços e quando demos por ela já havia alguns petromax acesos que a tarde estava finda. Távamos de sovacos suados, de pézes empoerados, com uma puta duma sede, e onde é que a gente havera de ir? perguntam vossamecezes. Pois tá claro que foi à barraca dos copos de vinho. De patanisca de bacalhau ainda nas unhas e a dar à queixada foi então que demos com a barraca do putedo, mesmo parede meias com o tasco.
- Vai uma atanchadela? - Disse eu ao Blé Bochecha apontando para um fio de luz que saía por uma greta, enquanto entrávamos a rir para os copos.
- Sai um branquinho pra cada um - disse eu, ainda a mastigar o resto, ao tasqueiro.
Bebemos um, depois o Blé pagou outra rodada e depois veio mais um petisquinho, e mais uma rodada, e depois perdi-le o conto, mas deve ter sido uma bela duma meia dúzia senão mais.
A modos que quando saímos, já noite entrada, a coisa ia meio alegrota e foi então que calhou a gente reparar outra vez na barraca das putas.
- Atanchamos ou não, repeti olhando para o Blé. Nem esperi a resposta que eu adianti-me logo:
- Ahh... Atanchamos pois! Bora entrar!
E entrámos. A barraca era feita de duas partes, uma delas escondia com um reposteiro as camas onde as espremedeiras, que olhavam prá gente, tratavam dos molhinhos à freguesia. Por trás do reposteiro chegava meio abafado um chapinhar e no ar enfumarado havia uma mistura de cheiros e de tabaco.
Logo à entrada estava a Matrona, mais deitada do que assentada, num sofá encarnado, fumando uma canilha de mamas descaídas mancando quem entrava. Olhou para gente de alto a abaixo, desconfiando do nosso aspecto ainda muito novitos.
- Isto aqui é só para gado de bico. Se é para ficar a olhar é melhor darem meia volta. Cada espremedela são vinte escudos e não há descontos!
Bom, o cabrão do Blé, que é um cagarolas da porra, pegou-me logo no cotovelo do casaco como que a puxar-me para a rua. Mas eu, porra dum cabrão, sacudi-le a mão duma só leva e empinei-me com a velha:
- Escute! Por quem nos toma? Deixe-se lá de xarengas que a gente tá aqui para enfiar a medida do vinte e sete na vinagreira.
-
Haviam de ter visto a cara da velha a olhar-me prá presilha das calças quando me saiu esta do vinte e sete! Só que foi aqui que o filho dum cabrão do Blé desata a rir, com um riso fininho apaneleirado. Devia ser dos nervos, mas até parecia um panasca, um cabrão daqueles:
Hahahaha... hihihihi... o vintesete, essa tá boa... hahahaha... vintesete... hahaaaahaha o vintesete... ó Zeca... o vinte sete ahahahahahaaa... hihi... hihihihi...
Bom, moços! Nã me contive e dei-le duas cachaporradas nos cornos que até estrelou!
- Atão, a gente vem para atanchar ou é para estares praí a mangar?
E atanchámos, ai se atanchámos! Pelo menos falo por mim que minha bicha era boa! Mexia-se que nem uma cobra. Mas depois, no lugar de estar calado, o cabrão do Blé veio com essa do Vintesete para o monte, e assim é agora como o pessoal mais chegado me trata.
Pronto, isto foi só para saberem quem eu sou e donde vem esta puta desta alcunha do VinteSete. De vez em quando virei por aqui contar umas partes que me aconteceram no Alentejo e não só, e foram muitas.
Até já se nã for antes.
José Carlos Trambolica
(Zeca Tramelica, o VinteSete)