Alexandre Affonso - nadaver.com
16 janeiro 2010
15 janeiro 2010
Brotar de uma paixão
Hoje acordei com vontade de ti
Queria saciar a minha sede na tua fonte de mel
E espalhar no meu corpo o calor das tuas carícias
Hoje acordei com vontade de te ter ao meu lado
Num sono leve de criança enroscado no meu corpo
Num abraço apertado unindo o nosso peito
Hoje acordei com vontade do momento
Que se tornou eterno sem tempo para acabar
E nos entregarmos ali num beijo apaixonado
Hoje acordei com vontade de fechar os olhos
Para sentir o teu olhar no meu sorriso de paz
Alargando o meu prazer à vontade de todas as manhãs
Hoje acordei com vontade de te amar
Nessa insanidade possuir teu corpo e amar-te de verdade
Apaziguar o fogo do desejo que me cobre e me invade
Hoje acordei com vontade de ter o que não posso ter
Só a tua ausência vem para me responder
Demência estranha dos meus sonhos sensuais que em mim jazem tão reais.
Maria Escritos - 2010
© Todos os direitos reservados
Blog Escritos e poesia
E agora voltas...
como noutros tempos, em que eu não era eu...
( tu és sempre tu)
Eu era peixe, e tu pescador
comigo na rede, pediste-me as guelras
que me ensinavas a respirar;
quiseste-me por momentos,
momentos depois, atiraste-me ao mar,
e eu já tinha pulmões, viste-me sufocar.
E agora voltas
como noutras vidas , em que outra era eu...
(tu és sempre tu)
Eu era sereia; tu, do meu mar, eras imperador
comigo na nau, pediste-me as barbatanas
que me ensinavas a andar;
amaste-me por instantes,
instantes depois, atiraste-me ao mar
e eu já tinha pernas, viste-me afogar.
E agora voltas
como noutros palcos, outro papel meu...
(tu és sempre tu)
Eu sou eu, e tu Rei, Mestre, Senhor;
mas agora eu tenho pulmões e guelras,
e eu agora tenho barbatanas e pernas
que trouxe de todas as mortes,
mortes depois, bebi-te o mar
para, em mim, te inundar.
A "nova" árvore genealógica...
- Mãe, vou casar!
- Jura, meu filho?! Estou tão feliz! Quem é a moça?
- Não é moça. Vou casar com um moço. O nome dele é Murilo.
- Você falou Murilo... Ou foi meu cérebro que sofreu um pequeno surto psicótico?
- Eu falei Murilo. Por que, mãe? Tá acontecendo alguma coisa?
- Nada, não.. Só minha visão que está um pouco turva. E meu coração, que talvez dê uma parada. No mais, tá tudo ótimo.
- Se você tiver algum problema em relação a isto, melhor falar logo...
- Problema? Problema nenhum. Só pensei que algum dia ia ter uma nora... Ou isso.
- Você vai ter uma nora. Só que uma nora... Meio macho. Ou um genro meio fêmea. Resumindo: uma nora quase macho, tendendo a um genro quase fêmea...
- E quando eu vou conhecer o meu.... a minha... o Murilo?
- Pode chamar ele de Biscoito. É o apelido.
- Tá! Biscoito... Já gostei dele... Alguém com esse apelido só pode ser uma pessoa bacana. Quando o Biscoito vem aqui?
- Por quê?
- Por nada. Só pra eu poder desacordar seu pai com antecedência.
- Você acha que o Papai não vai aceitar?
- Claro que vai aceitar! Lógico que vai. Só não sei se ele vai sobreviver... Mas isso também é uma bobagem. Ele morre sabendo que você achou sua cara-metade... E olha que espetáculo: as duas metades com bigode.
- Mãe, que besteira... Hoje em dia... Praticamente todos os meus amigos são gays.
- Só espero que tenha sobrado algum que não seja... Pra poder apresentar pra tua irmã.
- A Bel já tá namorando.
- A Bel? Namorando?! Ela não me falou nada... Quem é?
- Uma tal de Veruska.
- Como?
- Veruska...
- Ah, bom! Que susto! Pensei que você tivesse falado Veruska.
- Mãe!!!...
- Tá... tá... tudo bem... Se vocês são felizes. Só fico triste porque não vou ter um neto...
- Por que não? Eu e o Biscoito queremos dois filhos. Eu vou doar os espermatozóides. E a ex-namorada do Biscoito vai doar os óvulos.
- Ex-namorada? O Biscoito tem ex-namorada?
- Quando ele era hetero... A Veruska.
- Que Veruska?
- Namorada da Bel...
- "Peraí". A ex-namorada do teu atual namorado... E a atual namorada da tua irmã. Que é minha filha também... Que se chama Bel. É isso? Porque eu me perdi um pouco...
- É isso. Pois é... A Veruska doou os óvulos. E nós vamos alugar um útero.
- De quem?
- Da Bel.
- Mas... Logo da Bel?! Quer dizer então... Que a Bel vai gerar um filho teu e do Biscoito. Com o teu espermatozóide e com o óvulo da namorada dela, que é a Veruska...
- Isso.
- Essa criança, de uma certa forma, vai ser tua filha, filha do Biscoito, filha da Veruska e filha da Bel.
- Em termos...
- A criança vai ter duas mães: você e o Biscoito. E dois pais: a Veruska e a Bel.
- Por aí...
- Por outro lado, a Bel... além de mãe, é tia... Ou tio... Porque é tua irmã.
- Exato. E ano que vem vamos ter um segundo filho. Aí o Biscoito é que entra com o espermatozóide. Que dessa vez vai ser gerado no ventre da Veruska... Com o óvulo da Bel. A gente só vai trocar.
- Só trocar, né? Agora o óvulo vai ser da Bel. E o ventre da Veruska.
- Exato!
- Agora eu entendi! Agora eu realmente entendi...
- Entendeu o quê?
- Entendi que é uma espécie de swing dos tempos modernos!
- Que swing, mãe?!...
- É swing, sim! Uma troca de casais... Com os óvulos e os espermatozóides, uma hora no útero de uma, outra hora no útero de outra...
- Mas...
- Mas uns tomates! Isso é um bacanal de última geração! E pior... Com incesto no meio...
- A Bel e a Veruska só vão ajudar na concepção do nosso filho, só isso...
- Sei!... E quando elas quiserem ter filhos...
- Nós ajudamos.
- Quer saber? No final das contas não entendi mais nada. Não entendi quem vai ser mãe de quem, quem vai ser pai de quem, de quem vai ser o útero, o espermatozóide... A única coisa que eu entendi é que...
- Que.. ?
- Fazer árvore genealógica daqui pra frente... vai ser f...
(Luiz Fernando Veríssimo)
Estatueta de duas mulheres lésbicas
14 janeiro 2010
(Des)União de Facto
Tristemente satisfeita mas sem conseguir desembaraçar-se do peso opressor que sentia no peito, a mulher levantou-se do sofá, apagou a televisão, caminhou em silêncio sem acender qualquer luz, contornou a cama com cuidado e deitou-se furtivamente. Não o queria acordar, não lhe queria falar, nem o queria ouvir.
A princípio, julgara que era cansaço. O trabalho, a casa, a vida, tudo parecia justificar o seu desinteresse, a sua falta de vontade, o seu alheamento, mas agora já não sabia, só não queria. Talvez se tivesse desabituado. “Deve ser uma fase” pensava, sem muita convicção, “vai passar”.
E assim se permitia nada alterar e continuar como se nada fosse, esperando que ele dormisse para se aproximar, inventando saídas e visitas, séries na televisão e trabalho atrasado para o manter afastado, se é que ele ainda se aproximava – ela tinha sido tão competente a criar uma normalidade preenchida que não sabia agora se ele ainda a procurava.
Deitada, aconchegou-se sem lhe tocar e fechou os olhos à espera do sono.
– Então? – perguntou ele, surpreendendo-a. Sentira-a deitar-se sub-repticiamente, deixou-a acomodar-se, baixar as defesas e, quando ela já não esperava, falou. – O que é que se passa, querida?
O “querida” arranhou-a, achou-o despropositado, falso, hipócrita. Sentiu-se enganada, ele estava acordado. Tinha estado sempre acordado e, premeditadamente, esperara pelo momento certo para a interpelar. O momento em que, ele sabia-o, ela deixara de estar em guarda.
– Nada, porquê? – respondeu, impessoal.
– Nunca mais fizemos amor – disse ele, sem subterfúgios.
– E? – inquiriu ela, agora com o firme propósito de o arreliar.
– E?! – soltou o homem, aproximando a mão do interruptor do candeeiro. Ela ouviu o ligeiro roçagar do fio na madeira e esperou que a luz se acendesse. – E, o quê? – concluiu ele, sem acender a luz.
Ela sentiu-se aliviada, preferia não o ver e preferia não ser vista.
– Sim, e? – manteve ela e, indiferente, concluiu: – Não fazemos amor há uns dias...
– Uns dias?! – O homem virou-se na cama, ficando estendido de costas, dobrou as pernas e tornou a mexer no interruptor do candeeiro. – Uns dias?! O que é que tu chamas uns dias?
– Quinze dias… três semanas – respondeu ela, sabendo que estava a errar por muito. – Sei lá.
– Estás a brincar? – O homem estendeu a pernas.
– Não – declarou ela, ainda imóvel. – Sei lá, um mês?
Ele acendeu a luz mas não se mexeu. A mulher, que já estava virada para ele desde que se deitara, olhou-o, viu-lhe o perfil sério e compenetrado, e ficou espantada por não sentir nada, nem o peso no peito.
– Não fazemos amor há mais de três meses – disse ele, sem tirar os olhos do tecto.
“Fala por ti” ponderou ela responder mas não o fez.
A mulher rodou, ergueu o tronco, sentou-se, abafou o sorriso que lhe sobrara do “fala por ti” e do que isso lhe lembrara e interpelou-o com implacável tranquilidade:
– Queres-me dizer alguma coisa, é?
– Eu?! – espantou-se ele, ainda assim fazendo contas de cabeça.
– Sim – continuou ela, azeda. – Não fazemos amor ou não fazes amor comigo há três meses?
O homem sentou-se.
– Não é a mesma coisa? – perguntou, angelical, bem sabendo que não era.
– Não, sabes bem que não – disse a mulher, não evitando alguma acidez no tom. – Eu não faço amor contigo há três meses mas tu não fazes amor há três dias…
– Eu?!
– Sim, tu.
– Há três dias?
A mulher acenou com a cabeça positivamente, olhou para o rádio-relógio na mesa-de-cabeceira e fixando-o, atirou:
– E, pelas minhas contas, se pagaste à chegada e se foste directo ao Continente no fim, não fazes amor há três dias e – contou pelos dedos, ainda que não necessitasse – seis horas e meia, mais ou menos.
– Que conversa é essa?
– É fácil – disse a mulher e explicou serenamente: – Na terça-feira, pagaste uma diária reduzida num motel às duas e meia e às sete e um quarto pagaste umas compras no Continente… Por isso, deves ter dado uma, ou feito o amor, por volta das cinco e tal, seis horas… Espero, pelo menos, que tenhas dado uma à chegada e outra à saída. É o mínimo.
– Mas…
– Por isso – concluiu a mulher, – como já é meia-noite e um quarto: dezoito e seis… Não devo ter errado por muito, pois não?
Ele engoliu em seco várias vezes e não foi para verificar o acerto das horas, hesitou igual número de vezes no que dizer e, por fim, decidiu-se pelo óbvio:
– Como é que sabes isso?
– Essas merdas não se pagam com cartão, parvo!
Ele corou e mudou de cor.
– E, já que sabes tudo – começou o homem, preparando o contra-ataque –, também deves ter noção porque o fiz.
A mulher olhou-o e encolheu os ombros:
– Porque és parvo?
Equação
Um… dois… três… quatro…
perdemos a conta;
os dedos das duas mãos
(de cada um de nós)
não chegam para contabilizar
(x) ou (y) ou (z):
as passagens fortuitas
dos encontros de favor.
Posto de lado o profissionalismo
(o serviço é gratuito),
não existe reflexão possível;
aberta a brecha:
o que resta?
Uma boa pergunta.
Uma solução em aberto;
a resposta será aquela
que cada envolvido – ou não - queira dar.
-Posso responder?
-Claro que sim. Todos podem responder.
-Resta uma equação por resolver.
Foto e poesia de Paula Raposo
Parto
matar-te a fome;
quem me dera apenas
matar-te a sede;
quem me dera apenas
matar-te o nome;
quem me dera apenas
matar-te,
para te enterrar em mim,
e nesse fim
chamares-me início;
e sem sacrifício,
ressuscitar-te.
13 janeiro 2010
A devolução
Percorri o longo corredor com determinação. Chão muito escuro e iluminação discreta com paredes de madeira um pouco mais escura que cerejeira. Detive-me junto à porta. Sendo canhoto seria natural que estendesse a mão esquerda ao manípulo que também se encontrava à minha esquerda. Usei antes a mão direita, para poder abrir a porta e entrar em acto contínuo. Passando a porta havia um pequeno corredor. Do lado esquerdo uma porta de vidro fosco entreaberta revelava uma casa-de-banho com azulejos pretos, baços, e um lavatório branco assente numa estrutura de vidro. A parede do lado direito era preta, com um quadro pendurado e mais à frente uma televisão LCD. Depois havia uma cama, bastante larga. À minha frente, uma mesa estreita, de cortesia, e uma cadeira simples, artigo de design, mais do que de conforto. Virei a cadeira para a cama e sentei-me. À esquerda, um roupeiro com três portas, provavelmente de acrílico fosco, e três feixes de luz imbutidos que enchiam o quarto com uma coloração quente. À direita, uma janela grande com cortinas pesadas cinzentas claras. À minha frente, na cama larga, tu.
Estavas sentada no meio da cama, encostada à cabeceira. De pernas levantadas, noventa graus nos joelhos, vestindo apenas um ligeiro babydoll branco, vagamente transparente. Pela tua posição, estando eu sentado mesmo em frente a ti, era fácil ver que não tinhas mais nada vestido. Vendo-me instalado - embora nem por isso totalmente confortável -, pegas matreira nas pontas da pouca roupa, que afastas, para melhor poderes deixar tombar as pernas, até que as afastas tanto quanto podes e ocupas, com elas, todo o espaço, de uma margem à outra, da cama.
Lambes um dedo, sem tirar os olhos dos meus, e viajas com ele até à tua vulva, por onde te passeias sem qualquer tipo de pudor. A outra mão vagueia. Pelos seios, pelo interior das coxas, às vezes pela face. Não tiro os olhos de ti enquanto te tocas a pouco mais de dois metros de mim. Sinto o calor daquele quarto aquecido, no contraste da tua nudez com a minha roupa de Inverno. Estou imóvel a observar-te. Tomo nota mental de todos os movimentos e expressões que fazes, e no entanto fixo muito pouco o olhar na tua genitália, olho com muito mais sede a tua cara, conseguindo detectar o movimento de todos os músculos. Os lábios, os olhos, a dilatação das narinas quando pedes mais oxigénio para o sangue que te corre veloz.
Há espasmos nas tuas pernas que denunciam o orgasmo. Como se perdesses por instantes o controlo dos teus músculos. Como se alguns deles se sacudissem num caos de electricidade. Mas tudo isso chega ao fim. Detecto suor em ti, e deixas as mãos cair ao longo do corpo, uma delas com dedos melados, e um odor que invade o quarto e me sacia. E tudo isto se passa num quase perfeito silêncio, que só se quebra pela tua respiração ofegante e por irritantes barulhos de madeira a ranger sempre que me ajeito uns milímetros, sentado de perna cruzada, ora uma, ora outra, cruzando os braços ou agarrando a cadeira.
Enquanto ajeitas o cabelo e te deixas escorregar pelas almofadas eu levanto-me. Caminho em direcção à porta do quarto, parando a meio para abrir totalmente a porta entreaberta da casa-de-banho. Coloco a mão no bolso e retiro as tuas pequenas cuecas, que pouso junto ao lavatório. Detenho-me por meio instante junto à porta. Atiro a mão esquerda ao manípulo e rodo-o. Esgueiro-me e fecho-a atrás de mim. Enquanto caminho pelo corredor, em direcção ao elevador, levo a mão ao bolso e pego no meu telefone. Digito o teu número e carrego em enviar. "Amanhã dou-te o resto".
Implícito
nem uma única vogal,
nem uma só consoante;
que se rasgue essa palavra,
essa despudorada cabra,
promíscua e diletante
que se estende nas entrelinhas
e rebola de prazer,
só assim, a semi-ser, semi-gemer.
Ah! As palavras ainda são minhas,
o que subentendes, eu grito,
e o grito será fatal
nem que seja por um instante,
um momento em que te sangra,
um segundo em que te lavra,
da impiedade dura e inquietante
que me tentava abrir as pernas
para dentro de mim crescer,
para dentro de mim me beber
e apoderar-se das certezas.