13 março 2010

«Esta noite vou beber licor» - Guida

"Esta noite vou beber licor.
Espero por ti, com o jantar já pronto. Terei espalhado velas pela sala e, como escolhemos um dia de chuva e frio, acendo a lareira.
No ar aquela música que escolheste para nós, lembras? Combinámos às 20:00, já são 21:00 e tu não chegas. Tinhas prometido que não te atrasavas. Tinhas prometido que mal chegasses me beijarias e levar-me-ias para a cama e só depois jantaríamos. Tinhas prometido que não aguentavas de saudade. Espero por ti ansiosa com um presente que escolhi para ti como se eu mesma o tivesse bordado.
É que sabes, meu amor, estou farta de promessas. Estou cansada de te sonhar. São dez horas e nem um telefonema. A comida já esfriou e a lareira vai perdendo a cor. Apaguei as velas. Deitei fora a tua comida favorita. Cuspi os teus beijos. Despi-me do teu cheiro que havia sonhado. Bebi o licor. Vesti-me e saí para a rua à procura de afectos. Quando chegares leva o cão à rua e fode-te."
Guida
Blog
Longe do Mundo

O Katano e a sua Minhota visitaram a minha colecção

"Ontem, de passagem pela mui nobre e antiquíssima urbe de Coimbra, tive a oportunidade de visitar a colecção, de objectos dedicados à temática da malandrice, da São Rosas. Digo-vos, aquilo é impressionante e merecia um espaço próprio de exposição. A colecção é um espanto e quase que podia fazer queixa à polícia por ela ter aquilo ali escondido do Mundo. Como se convence uma autarquia a criar um «Museu Erótico»?

Blog do Katano Serviço Público"

Ansiar

De pernas afastadas
desenham-se enseadas
onde estranhos barcos aportam
E nesta enseada
por mim desenhada
tantos adentram
só tu a alagas
Adentras pelas costas
beijo de maresia cálida
tens ondas que rebentam
entre pernas a noite pálida
nas ancas da madrugada
Nos seios deslizam
grãos de areia iluminada
nos lábios escorregam
gotas de paixão prateada
da maresia apaixonada
E nesta enseada
por mim desenhada
muitos adentram
só tu salgas.


Fica desde já avisado!



Capinaremos.com

12 março 2010

palavras...

A propósito da entrada, lá mais para baixo, de «Autoputaria» - poema de Ildásio Tavares – e do excelente comboio poético que se lhe seguiu, com a devida vénia – sim, sim, e com as devidas cautelas, também… - aqui fica o meu poema, pelo comboio sugerido:

ó palavras que me encheis a boca tanto
quanto o pranto preenche a alma vazia
ó palavras que me encheis de tal quebranto
quanto a fome de comer me dá azia

ó palavras que abocanho verso a verso
num poema sem tamanho apetecido
ó palavras com que mordo o universo
ao ficar de tanta fome remordido

ó palavras vinde a mim – tomai-me todo
tende em mim no corpo todo uma guarida
ó palavras dai-me alento se não fodo
pois sem vós nem sei bem que faça à vida

ó palavras de cumprir cada destino
elegantes ou de perfil curto e grosso
ó palavras contra a fome que abomino
dai-me alento que estou pr’àqui que nem posso

ó palavras minhas irmãs ou amantes
masturbáticas solenes coniventes
ó palavras que não fique como dantes
tudo em volta ao sairdes dos meus dentes!

OrCa

___________________________________________
Quem ode também está a pedir para ser odido:

"Serão palavras somente
Que a tua boca enchem?
Ou serão, evidentemente
As palavras que te mentem?
E o que enche a tua boca...
É uma avidez de gente
Um gemido com voz rouca
Um corpo lânguido ardente
Uma fenda que já louca
Te pede que lhe espetes o dente?

Bartolomeu"

A vida inspira-nos


No mais recente spot publicitário da saga Jorge Gabriel/Millenium BCP o protagonista diz que mais vale um pássaro na mão mas o anúncio prova que se trata não de um pássaro (não põem ovos, pois não?) que ele acarinha com ambas as mãos mas de uma passarinha.
Será a isto que chamam mensagem subliminar?

Feitos


Existem momentos que dispensam palavras:
esses são os momentos que todos desejamos.

Sem palavras. Só gestos. Alguns murmúrios,
a água flui, o desejo cresce
e a vida faz sentido.

Esses momentos (que existem),
são partes de um todo;
o todo simples de nós,
esse todo de todo feito
- talvez uma busca-
feito de um momento.

Acaricia-me.
Fiquemos por aqui.

De momentos e feitos.
Feitos os momentos
de partes de um todo
- um todo meu-
flui a água e o desejo,
como gestos de mim.

Foto e poesia de Paula Raposo

O Idiota

O farsolas meneou a cabeça num trejeito estudado de enfastiado interesse e calma displicência, como se fizesse o favor de a ouvir.
Ela falava e sorria. Falava e sorria com a boca, com os olhos e com as mãos. Na realidade, olhando com atenção, ela falava e sorria com todo o corpo.
O farsolas ouvia, mas, verdadeiramente, não ouvia nada. O farsolas estava ali por si próprio, ainda que se desse ares de genuína, mas altaneira, atenção.
Ela que estava ali por ele, provavelmente pensando que ele era outro, continuava a falar, a contar, a dar-se, entusiasmada e feliz, tentando agarrá-lo pelos ouvidos. Fazendo conversa pelos dois.
O farsolas interessado apenas em si e no que podia conseguir dali, procurava, numa elaborada mas oca encenação, acompanhar e reagir à conversa e ia sucessivamente debitando murmúrios, monossílabos, trejeitos e gestos que, sem lhe fazer perder a pose interessada e o mistério sedutor, se integrassem no que ela lhe dizia e contava.
– E tu? – interpelou-o ela, sorrindo.
– Eu? – engasgou-se o farsolas. – Eu? – repetiu teatralmente, com ensaiada modéstia.
Ela confirmou a pergunta com um aceno gracioso e um sorriso paciente. Ele sorriu indolente e engoliu um terceiro eu, fantasiando que ela o viesse a fazer.
– Eu não gosto de falar de mim – declarou, por fim, sério, erguendo a sobrancelha direita. Pousou a sua mão sobre a dela e erguendo-se ligeiramente sobre a mesa para se aproximar dela, ciciou: – Há tanta coisa boa para fazer com a boca e com língua que perder tempo a falar de mim até parece pecado.
Ela viu-o. Não o viu logo porque ainda deixou escapar um sorriso mas quando o viu, viu.
Ela ergueu-se na direcção dele, aproximou-se do ouvido direito e propôs-lhe no mesmo tom de voz:
– Comes-me se me responderes a duas perguntas.
O farsolas murchou e voltou a sentar-se. Ela também.
– Duas perguntas?
– Duas.
O farsolas suspirou ruidosamente, olhou em volta e regressou a ela:
– Duas perguntas, como?
– Duas perguntas sobre duas coisas de que me lembrei quando me disseste que era pecado falares de ti quando há tanta coisa boa para fazer com a boca e a língua.
– Tipo um concurso? – O farsolas não conseguia disfarçar o embaraço que lhe causava nadar fora de pé, numa praia que não era a sua.
– Sim, tipo isso. Queres ou não? – impacientou-se ela.
– Força!
Ela fixou-o, sorriu sem mostrar os dentes e perguntou pausadamente:
– Quais são os pecados capitais?
– Pecados capitais?
– Sim, quais são?
– São 7? – perguntou o ex-farsolas, esquecido da pose, com uma careta de dúvida.
A mulher acenou positivamente com a cabeça. Ele abriu um sorriso:
– Eu vi um filme com o Brad Pitt que...
– Vais responder ou contar-me o filme? – interrompeu ela, olhando para o relógio de pulso. – É que eu às sete e meia tenho pilates.
– A vaidade – começou ele, concentrado –, a inveja,... a... a... ah! a gula... Três – animou-se. – A vaidade, a inveja, a gula, a... Eu sei. Eu sei mais. A preguiça! É?
Ela confirmou.
Ele embatucou. Pensava, olhava em volta, tentava lembrar-se do filme, julgava o que pudesse ser mesmo mau mas nada, não lhe saía nada.
– Tenho direito a alguma ajuda? – Acabou por perguntar quando esgotou todas as formas e tentativas de, por si, conseguir dizer os restantes três pecados capitais. Olhou ostensivamente para o telemóvel pousado em cima da mesa da pastelaria.
– A ajuda do público – respondeu ela, sem pensar.
O farsolas olhou em volta, havia três pessoas em duas mesas, um empregado a servir às mesas e outro atrás do balcão.
– Desculpem – disse alto o farsolas, chamando a atenção de todos e ante o espanto boquiaberto da mulher. – Nós estávamos aqui com uma dúvida, uma coisa sem importância, se nos pudessem ajudar... É que estávamos aqui a falar sobre os pecados capitais, os sete pecados capitais e só nos lembramos de quatro: da preguiça, da vaidade, da inveja e da gula. Faltam-nos os outros três. Alguém se lembra?
A estranheza do pedido causou um silêncio total e os cinco inquiridos entreolharam-se à espera que algum respondesse.
– Ninguém se lembra? – reforçou o farsolas, dando um ar compreensivo à ignorância alheia mas desesperado ao seu pedido.
– A avareza, a ira e a luxúria – respondeu o homem sozinho numa das mesas.
– É? – questionou o farsolas, excitado, virando-se para a mulher.
– É – validou ela.
– Obrigado – agradeceu o farsolas, erguendo o polegar. Sorridente, acalmou, esperou que os olhares dos clientes e empregados os abandonassem e desafiou: – E a outra? A outra pergunta, qual é?
– “Dir-se-ia que estamos em Sodoma, em Sodoma! – repetiu o general, alçando os ombros.” – citou a mulher.
– O que é isso? – espantou-se ele.
– Uma citação de um livro, de um grande livro – corrigiu ela.
– E qual é a pergunta?
– De que obra é esta citação?
– Tu não disseste que as perguntas eram sobre coisas de que te lembraste quando eu disse que há coisas melhores para fazer com os lábios e a língua do que falar sobre mim? – Acusou o farsolas, aflito com a perspectiva de morrer na praia. – Não disseste?
– Disse – aceitou ela. – Foi do que me lembrei: dos sete pecados capitais e em quais podia integrar-te e desta frase.
O farsolas meneou a cabeça num trejeito espontâneo de enfastiado desinteresse e irritada indiferença.
– Como é que é a frase?
– “Dir-se-ia que estamos em Sodoma, em Sodoma! – repetiu o general, alçando os ombros.”
– “Dir-se-ia que estamos em Sodoma, em Sodoma! – repetiu o general, alçando os ombros.” – repetiu o farsolas, em tom solene e com entoação diferenciada. Suspirou e lançou: – “Dir-se-ia que estamos em Sodoma, em Sodoma!”
– Não sabes?
– Achas? – replicou ele, com desprezo. – E, se não querias nada comigo, não sei porque vieste.
– Se queres saber – disse ela –, não sabia que não queria.
O homem manteve-se pensativo, rodando a chávena de café.
– E se eu soubesse? – perguntou.
Ela sorriu e alçou os ombros:
– Tínhamos de dar razão ao general.
Ele olhou-a, emparvecido:
– E isso queria dizer o quê?
– Que era como estivéssemos em Sodoma – explicou ela, sem resultados na expressão dele. – Que sim – concluiu, aborrecida. – Que se tivesses respondido, eu tinha mantido a minha palavra.
– E assim?
– Assim, vamos embora – respondeu ela, puxando da carteira para pagar a despesa. – Cada um à sua vida.
Atento, o empregado aproximou-se, com duas contas na mão. Deixou uma em cima da mesa deles e levou outra ao homem que sabia os sete pecados.
O farsolas olhou para a conta com desdém.
– Eu pago – disse ela, abrindo a carteira em cima da mesa.
O farsolas encolheu os ombros. Ela colocou o valor certo em moedas junto ao pequeno papel da máquina registadora e levantou-se.
– Eu fico – comunicou o farsolas, rancoroso. – Vou beber uma imperial.
Despediram-se com dois beijos esquinados e ela dirigiu-se à porta.
O homem que também saía agarrou a porta e deixou-a passar, com uma ligeira vénia de cabeça.
– Obrigada – agradeceu sem tom a mulher.
– De nada – disse ele, saindo atrás dela.
Caminharam na mesma direcção, mantendo-se o homem dois passos atrás da mulher, até que ficaram lado a lado à espera para atravessar uma rua.
Ele sorriu, ela não, nem sequer o olhou.
– Desculpe... – interpelou o homem, atabalhoadamente: – A senhora desculpe...
Ela virou-se para ele, com ar seguro, quase intimidador:
– Diga?
– É que eu... – O homem hesitou e recomeçou: – É que eu não pude deixar de ouvir a citação que a senhora fez do “Idiota” do Dostoiévski, é um livro magnífico.
– É.

*

– Foi assim, não foi? – perguntou nervoso o homem, olhando as folhas que pendiam do braço do sofá, logo que a elas se juntou a última que a mulher ainda lia.
– Mais ou menos – respondeu a mulher, com um sorriso luminoso, tornando a pegar nas folhas e ajeitando-as. – Isso foi o que eu te contei – picou, piscando-lhe o olho.
– Eu estava lá, minha cara – declarou o homem, sem conseguir disfarçar o gozo da resposta. – Eu ouvi quase tudo.
– Julgas tu – replicou ela, mostrando-lhe a língua e passando-lhe as folhas. – E acaba assim? – perguntou, mais séria. – Eu a dizer “É”?
– Acaba.
– Então tenho de dizer, senão já não bate certo.
– Diz.
– É.

Falta-lhe em estilo o que lhe sobra em entusiasmo

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11 março 2010

A posta cortada rente

Pedófilos e violadores ocupam os lugares cimeiros dos meus factores de repulsa. Nunca aceitarei, entenderei ou desculparei qualquer pretexto que um desses inventar como desculpa para o seu inaceitável desvio.
A questão é pacífica para mim. Não existem atenuantes. E quando, como no caso do engenheiro trintão conhecido como o violador de Telheiras, invocam alegadas doenças e ainda têm a lata de pedirem ajuda não hesito: castração. Química ou propriamente dita, tanto faz. É mesmo de cortar o mal pela raiz e assim ajudar os pobres coitados, doentes e tal, a pouparem-se a tamanho martírio.

Claro que os pudores de muita gente chegam ao ponto de tornar a castração numa solução drástica, desumana e mais não sei o quê. Não falta quem prefira as soluções mais brandas, a fé num sistema judicial que liberta estes desgraçados, doentes e assim, ao fim de um anito ou dois, condenando-os a terem que enfrentar na rua os seus apetites pela aberração. E eu não consigo pactuar com essa corrente cruel que tende a dar cabo da vida a homens como o tal engenheiro de telecomunicações que guardava as terças feiras para ameaçar garotas, adolescentes, com uma faca e assim as obrigar a satisfazê-lo nas suas necessidades terapêuticas. Porque, como o próprio alega em sua defesa, é um doente e precisa de ajuda.

Eu gostava muito de poder ajudar as pobres criaturas reféns de tais maleitas, salvando-as dessa gente que acredita na reinserção social destas vítimas de um cérebro capaz de congeminar esquemas para abusar de gente pequena mas, estranhamente, sem neurónios que consigam processar a repulsa inata de qualquer ser humano perante tentações tão medonhas quanto nojentas.
Dessa ajuda, considerando o óbvio fracasso dos paninhos quentes do costume que dão tanto que fazer a psicólogos, assistentes sociais, polícias, advogados e por aí fora, e sobretudo tendo em conta que se trata de pessoas doentes, constaria a entrega dos pacientes à Medicina.

E nesse contexto eu privilegiaria sem dúvida como terapia uma cura definitiva, com fármacos eficazes. Mas acima de tudo com a misericórdia absoluta de um bem afiado bisturi.

Verdades simples

É essa a verdade que guardo em mim
aquela que consegues ouvir
que te grito pelas mãos quando te beijam
(escuta)
mesmo que eu não diga

É essa a verdade que aninho em mim
aquela que consegues sentir
quando te beijo pelas mãos que te tocam
(sente)
mesmo que eu não diga

É essa a verdade e o princípio e o fim
aquela que sentes sorrir
quando os corpos simplesmente se beijam
(sou)
mesmo que eu não diga

Porque a verdade é sempre simples
(meu amor, tão simples)
quando se (re)conhece a luz
na pele de corpos nus.

Nu Piano Toca Uma Cítara



O dia para mim começa numa ogiva sôfrega (pálpebras abertas) penso em ti...
Por ti elevam-se os meus lábios, tocados.
O sexo, num manancial erecto. Fogo. Atrás de palavras, com a mão numa palavra, onde estou verdadeiramente debruçada. A mão fecha. Pede à boca que vibre. Um pensamento. Na substância deste meu instante carnal. Nu pensar.
Sobre a pele, o falo alto. O rosto queima-se. Num ritmo pensante, que inunda os sonhos. A fantasia queima.
Genitais em seda, apuram-se altos, nos nós dos dedos, na escrita suprema, no sentimento, tu. Colina em espuma, que a escrita arranca à mão que o escreve.
Agora.
Vibram pés, crus, carnais, ofegantes e vivos.
Sinto o plural, escondido na fluência dos movimentos. Atrás das noites, nas minhas noites, das nossas noites, onde a carne se une perfeita como um livro...
Gosto de pensar em ti, em cada um dos teus dedos, suspensos no meu corpo, entre folhas inspiradoras, enchendo-me de cardumes quentes, correntes de ar extremas e únicas.
Existe em mim um piano, quente e rápido. Que estala e aumenta o silêncio, tremente na minha boca pequena, coberta de entoações e poemas.
Existe em ti uma cítara, que me faz tremer do princípio ao fim, onde te amo, lentamente, entre o meu sexo e a tua boca, onde o silêncio é aplainado a cada beijo nosso...

Beijo,