Estás aqui? São tantas as vezes que te faço a mesma pergunta; sabes que a faço mesmo que os meus olhos me respondam? Sabes o que te estou a perguntar? Escuta-me porque eu digo-te tudo, sempre te digo tudo e acho que o tudo que te digo é sempre o mesmo. Escuta-me, eu não posso falar mais alto, eu nem sequer grito; eu não posso gritar palavras que gritam, elas ficam no ar e não são balões e eu aqui, com medo, sempre com medo que te caiam em cima, que te assustem, que choquem contigo porque não viste que as lancei na tua direcção, porque não as agarraste. Escuta-me, fico aqui e agarro-as de volta e arrependo-me e lanço-as novamente; olhas-me com o efeito do vácuo das tuas palavras cautelosas e eu fico a repetir o gesto até ao infinito. Demora-te nas minhas pernas; dizem tantas coisas quando encontram as tuas, o joelho toca no teu e milhares de palavras engolem a voz de dois mudos; deixa a redoma empalidecer até ter a cor das tuas mãos. Sim, escuta, lembrei-me agora: não, não estás. Não estás, apenas me fazes esquecer, por momentos, que não estás. É o que fazemos, quando as pernas se tocam e enrolam, esquecer que não somos e que só estamos dentro da redoma dos minutos que fogem. Estranho, tão estranho, não estás aqui.
23 março 2010
22 março 2010
Sonhos de um corpo nu
É de manhã que eu me visto
Com os sonhos imaginados.
Traço nos olhos um risco delicado
Feito da luz que adorna a minha sede de sonhar.
Bate o tempo
Nesta espera inquieta
Deliciosa e provocadora
Tentação aos meus sentidos
Voam sussurros
Que o sonho canta
Fios entrelaçados
Dos lábios humedecidos
Voraz desejo que desespera
Vontade rouca e sincera
De envolver este sonho
Na paz de um amor puro
À noite,
Reinvento os sonhos de dia trajados
Sob a luz da lua
Por mim
Repetidamente sonhados.
Maria Escritos
http://escritosepoesia.blogspot.com/
Penas
Estás aí? Preciso que me acalmes, a língua sabe-me ao metal do medo. Só desta vez. Não me fales dos perigos, mostra-me as espadas. Desnudar a fragilidade. Esticar o peito, mostrar o pânico entre penas. Tenho tanto medo, tenho tanto medo, tenho tanto medo. Já está. Abri as asas, deixei cair a armadura, era pesada demais para saltar do ninho. É a minha espada, agora, ser. Nem que seja um enorme ai. Estou a tremer. Continuo a andar. Não me escondo mais, conseguem ver que estou a tremer mas não faz mal; todos os pássaros tremem e podem voar com a beleza digna de quem serenamente aceita todas as emoções. Vou saltar. É alto, eu sei, mas não me digas que vou cair, não me faças ficar. A tua certeza da queda é a minha queda certa. Mesmo que tenhas a certeza, sopra-me as asas e fica a ver-me cair, se assim é. Prefiro que beijes a dor em todas as penas que quebre. E que me ensines como ir mais alto. Estás aqui?
Dança do ventre - por Lorena Rossi
O OrCa, quando vê um umbigo feminino, ode logo:
"bela dança - belly dance
ou dizer, quiçá, à outrance
que ela dança sem que dance
e quase pança não pense
que o passe-partout incense
e vele o que o véu acende
no olhar que assim se estende
pr'álem do que o olhar entende
dos sentidos já sem tino
que ela dance e relance
o seu olhar desatino
e seios - coxas - o ventre
entre nós por nós se adentre
a acender-nos o destino...
Ou numa abordagem mais afadistada:
e como montar tal sela
ou ser por ela montado
sem de pronto saltar dela
e ficar todo alquebrado?"
O Bartolomeu contraode:
"Qual alquebrado, qual carapuça!
Português que é Português
Tanto monta Turca como Russa
Quer dê pulos, ou se torça
Venham uma de cada vez
Que não lhe faltará a força!
Mas se vierem às dúzias
Com muita música e véus
E todas bem aparelhadas
Depressa nos levam aos céus
E recebem umas fodas bem dadas!
Digo eu... em Turco... e assim..."
21 março 2010
no dia da poesia... um poema inrótico
no dia da Poesia
fui a uma casa de tia
deixar por lá algum verso
que de atrevido ou perverso
nos fizesse algum sentido
ou trouxesse demasia
no concerto do universo
mas fiquei desiludido
por não haver nesse abrigo
as boas putas coitadas
já todas escorraçadas
por morais e bons costumes
e outros tantos estrumes
em que é o mundo pródigo
só lá encontrei uns velhos
rameiros politiqueiros
que a malta já não indulta
mas cheios de bons conselhos
malvados alcoviteiros
de pôr todos de joelhos
a bem dos da face oculta
e por quanto se anuncia
a não louvar velhas putas
por ser indigno e machista
digo eu que há mais poesia
nessas penosas labutas
do que na corja chupista
que nos esmifra a carteira
bem mais que alguma rameira
muito mais que as velhas putas.
fui a uma casa de tia
deixar por lá algum verso
que de atrevido ou perverso
nos fizesse algum sentido
ou trouxesse demasia
no concerto do universo
mas fiquei desiludido
por não haver nesse abrigo
as boas putas coitadas
já todas escorraçadas
por morais e bons costumes
e outros tantos estrumes
em que é o mundo pródigo
só lá encontrei uns velhos
rameiros politiqueiros
que a malta já não indulta
mas cheios de bons conselhos
malvados alcoviteiros
de pôr todos de joelhos
a bem dos da face oculta
e por quanto se anuncia
a não louvar velhas putas
por ser indigno e machista
digo eu que há mais poesia
nessas penosas labutas
do que na corja chupista
que nos esmifra a carteira
bem mais que alguma rameira
muito mais que as velhas putas.
Velas
Deixas-me entregue à fatalidade das palavras banais. Mais um lugar-comum e sou apenas mais uma entre tantas que ardeste. Por isso, acendo um cigarro e conto-te as coisas que não sei. Enchem-me as velas apagadas, quase virgens, em toda a vida só arderam os teus dois minutos. Não chores, não chores, não chores, não chores mais. Se nunca é só o meu corpo que te abraça - bem sabes - até quando o corpo se afasta, o abraço fica. Deitas-me na tua cama com a calma solene do amor e com a intensidade dos desordenados pela paixão a vibrar-te a nudez. O meu corpo ganha ordem no teu, o teu no meu; a imagem do querer aos pedaços fica inteira quando encaixamos assim - eu no lugar teu, tu no teu lugar em mim. Olha as palavras, onde vão? Olha, que agora que não te ouço, elas, ainda assim, estão aqui. Porque foi no meu dorso que as soletraste, devagarinho, com os dedos, e esculpiram quem eu sou agora. É assim que acontece com as palavras de um amor, quando se vai as palavras ganham corpo eterno e branco de estátua - nós ficamos petrificados! E fica-se entregue à fatalidade das palavras banais. Saudade. Dor. Lágrima. Vontade.
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Um homem também chora... e o Bartolomeu ode:
"Quando te vens e eu me venho
As palavras ganham corpo...
Eterno e branco de estátua
De ti, tenho sede, tenho míngua
Do teu respirar, do teu sopro
N'alma apaixonada deste velho
Porque foi no teu dorso que soletrei
A mudez de uma paixão sem nome
Encaixado em ti e tu em mim
Que senti a saudade de quem amei
Que senti do seu corpo toda a fome
Que fingi rir mas não. Chorei por fim!"
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Um homem também chora... e o Bartolomeu ode:
As palavras ganham corpo...
Eterno e branco de estátua
De ti, tenho sede, tenho míngua
Do teu respirar, do teu sopro
N'alma apaixonada deste velho
Porque foi no teu dorso que soletrei
A mudez de uma paixão sem nome
Encaixado em ti e tu em mim
Que senti a saudade de quem amei
Que senti do seu corpo toda a fome
Que fingi rir mas não. Chorei por fim!"
Tomates
Sabes como a música é importante;
canela, azul, romãs, mãos.
Os meus sentidos, os teus (disfarçados),
os sons e o cheiro bom das especiarias;
as cores lindas que a vida oferece,
o sabor doce (amargo),
o tacto diluído num beijo.
Tu sabes. Claro que sim.
Pensas que é pouco másculo(!)
dizê-lo, parecê-lo ou desejá-lo.
Continuas a ser o mesmo estúpido
mascarado de galã
- que de galã nada tem -
com reacções pouco interessantes.
Reage! Ouve! Cheira! Vê!
Saboreia! Apalpa-me.
Falta-te o quê?!
- Tomates.
Foto e poesia de Paula Raposo
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