Quando há uns bons anos atrás laborava na cidade da Guarda como técnico de informática, fui incumbido de uma tarefa que, sendo comum, teria de ser realizada num ambiente ao qual estava pouco habituado: o Estabelecimento Prisional da Guarda. Se a perspectiva de entrar numa prisão já de si era suficiente para me deixar nervoso, mais ainda fiquei quando, à entrada, fui revistado e todas as caixas que levava comigo foram cuidadosamente inspeccionadas (apesar de, por lapso, me terem deixado entrar com o telemóvel).
Já agora, a minha missão consistia em... ligar os computadores de uma sala de aula à Internet, por muito estranho que isso possa parecer até porque, imaginei eu, isso poderia dar azo a que circulassem e-mails como "Jojó, lanxa 1 corda amanhã pertuh do muro Xudoexte às 14h00".
Procurando ignorar estes pensamentos e o nervosismo, entrei no edifício principal acompanhado por um guarda e, carregado de material, passei pelo meio dos "residentes" que estavam sentados na escadaria e que só a pedido firme da minha escolta abriram passagem, embora com uma nítida animosidade para com ela.
Ao chegar à porta da sala, o guarda bateu à porta e entrou. Pelo que percebi, estava a decorrer uma aula de matemática ou de geometria, tendo em conta as figuras que estavam desenhadas no quadro. Perante o anúncio de que estava ali o técnico para ligar os computadores à Internet, a aula foi dada como terminada e todos os alunos começaram a sair ordeiramente.
Nisto, um deles abeirou-se de mim e perguntou:
- "Vamos ter Internet?", ao que respondi que sim, que iam ter Internet.
É difícil descrever o ar de alegria que então despontou no seu rosto quando, de olhos bem abertos e com uma voz de indisfarçável emoção, quiçá com uma certa dose de avidez, me atirou imediatamente:
- "Vamos ver gajas??????"
Naquele momento, percebi a importância da minha tarefa. Qual arauto da esperança, eu estava ali para proporcionar, a todos aqueles homens, um lampejo de felicidade e a criar condições para tornar a sua estadia mais suportável, algo que se revestiria de uma importância ainda mais transcendental caso o Jojó não aparecesse com a corda junto ao muro Sudoeste.
Foi este sentimento que me confortou enquanto trabalhava sozinho na sala, ouvindo de parte incerta o som de um bastão a percorrer as grades da secção de alojamento.
foto: Bahia Notícias
Este é mais um simultâneo A Funda São - Blog do Katano*
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