Não existem duas mulheres numa só, a separação entre a mulher e a prostituta é uma fantasia que existe para permitir alguma distância da realidade. Na verdade, quando me dizem que só me estão a ver a mim e não a Joana, que é por mim o afecto, não entendo, não entendo. Porque somos a mesma, não posso deixar uma em casa. Aliás, nem somos a mesma, sou eu e eu sou só uma. Não existe capacidade de extrair o que faço no meu dia a dia de mim, como se fosse um personagem que encarna e que fica separado através de qualquer espécie de exorcismo ou corte. Quantas pessoas já me disseram que querem conhecer a mulher e não a mulher prostituta. Como se eu fosse o que faço e, como tal, duas. Nalguns casos, penso que apenas me estão a tentar explicar, de uma forma um pouco trapalhona - conta a intenção - que, contudo, se entende, que me querem conhecer mas que não pretendem contratar os meus serviços; ainda assim - infelizmente - muitas vezes essa curiosidade tem a ver quase unicamente com o facto de eu ser prostituta, é uma definição de interesse que encaixo entre o voyeurismo, a curiosidade mórbida e uma qualquer espécie estranha de fascínio; ainda nesta categoria, posso encaixar os que pretendem simplesmente seduzir-me recorrendo a clichés que julgam bonitos e atordoantes, como se fossem espécimes extraordinários e sensíveis por serem capazes de - alegadamente - separar a prostituta de mim. Noutros casos, e estes referem-se às pessoas que já me conhecem, trata-se de uma qualquer necessidade de separação que me ultrapassa. Porque serve para nada. Eu continuo a ser eu e a ter a mesma profissão. Tentam que me sinta mais confortável? Não me sinto. Quando me escancaram essa separação, fico apenas intrigada e perplexa. Para quê? Altera quem sou, aquilo que faço? Não, claro que não. Então porquê essa tentativa de separar? Para se distanciarem da prostituta? Para distanciarem a prostituta de vós? Sou eu, sou eu. Sou eu que me prostituo e quem se prostitui sou eu, mulher e pessoa única. Se é por mim, evitem, apenas me faz revirar os olhos. Se é por vós, acreditem que sou só eu, não fica a outra em casa, se vos incomoda: evitem-ME... Transformarem-me em duas e uma ser aquilo que faço para poderem extrair o que não vos agrada ou incomoda, dificilmente se pode confundir com aceitarem-me, com não ter importância a minha actividade, com gostarem de mim como sou. Claro que não tenho qualquer necessidade de vos gritar orgulhosamente a minha profissão como se fosse a bandeira nova do meu País; o que eu grito orgulhosamente é: ACEITO-ME! E tu? Não, não se trata de retórica; trata-se de dignidade. E dignidade é algo que, aqui, se tem que agarrar com os dedos todos; é que, além de ficar mais escorregadia, mais frágil e mais sensível, existe um Mundo de gente que, com ou sem intenção, lhe dá uns puxões.
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Cartas abertas anteriores que podem ser lidas também na revista online FreeZone:
Prostituição: carta aberta e
Prostituição: porta de saída
24 março 2010
Postalinho do Brasil
Lembram-se do poema «Autoputaria», de Ildásio Tavares, que publicámos aqui e deu origem a uma cascata de poemas?
Pois o Ildásio escreveu-me agora este postalinho:
"São rosas cheirosas;
são rosas eternas
as rosas gostosas
que tens entre as pernas
Menina linda, tenho uma porção de poemas eróticos dispersos, Vou procurar.
Por enquanto esses dois sonetos:
Soneto do Amor
Amar é foder;
foder é amar,
Não há mais querer
nem que desejar,
Foder é sublime,
espiritual.
Foder só é crime
se alguém fode mal.
A foda que enleva
de excelso fervor
as almas eleva
perfume de flor,
delírio na treva,
foder é amor.
Soneto da Cópula Sublime
para a classe e pudor de minha amada
Como é sublime quando nós fodemos
e meto a minha pica em sua boceta
toda melada a antegozar que eu meta
e plenos de prazer nós dois gememos.
É só fodendo que no amor vivemos
como o arco possui a sua seta;
como a chave que gira na gaveta;
nós dois, num corpo só nos envolvemos.
E fodemos com gosto e com suor:
pica e boceta já sabem de cor
o caminho do fogo e fantasia.
Tu me chupas, te chupo com tesão;
e te meto meu pau até o colhão,
na mais doce e sagrada putaria.
17.VII.2009
Itapuã 6
Lindíssima miúda, Beijos nas rosas
Ildásio Tavares"
Pois o Ildásio escreveu-me agora este postalinho:
são rosas eternas
as rosas gostosas
que tens entre as pernas
Menina linda, tenho uma porção de poemas eróticos dispersos, Vou procurar.
Por enquanto esses dois sonetos:
Amar é foder;
foder é amar,
Não há mais querer
nem que desejar,
Foder é sublime,
espiritual.
Foder só é crime
se alguém fode mal.
A foda que enleva
de excelso fervor
as almas eleva
perfume de flor,
delírio na treva,
foder é amor.
Soneto da Cópula Sublime
para a classe e pudor de minha amada
Como é sublime quando nós fodemos
e meto a minha pica em sua boceta
toda melada a antegozar que eu meta
e plenos de prazer nós dois gememos.
É só fodendo que no amor vivemos
como o arco possui a sua seta;
como a chave que gira na gaveta;
nós dois, num corpo só nos envolvemos.
E fodemos com gosto e com suor:
pica e boceta já sabem de cor
o caminho do fogo e fantasia.
Tu me chupas, te chupo com tesão;
e te meto meu pau até o colhão,
na mais doce e sagrada putaria.
17.VII.2009
Itapuã 6
Lindíssima miúda, Beijos nas rosas
Ildásio Tavares"
Peça única em bronze de P. Leroux
Lucía, gabinete de sexologia -"O homem do gás"
Mais uma história do livro «Lucía, gabinete de sexologia», com a autorização de publicação pela editora el Jueves:
23 março 2010
A minha passagem pelo Estabelecimento Prisional da Guarda
Um técnico de informática é um indivíduo extremamente injustiçado. Dado a horários laborais que, não raras vezes, diferem muito do horário laboral de 8 horas diárias dos "comuns mortais", são muitas vezes vistos apenas como "o tipo que vem limpar o computador". Ora, na verdade, a profundidade da tarefa do técnico vai muito para além desta análise superficial e tem um impacto social muito mais abrangente do que se pensa.
Quando há uns bons anos atrás laborava na cidade da Guarda como técnico de informática, fui incumbido de uma tarefa que, sendo comum, teria de ser realizada num ambiente ao qual estava pouco habituado: o Estabelecimento Prisional da Guarda. Se a perspectiva de entrar numa prisão já de si era suficiente para me deixar nervoso, mais ainda fiquei quando, à entrada, fui revistado e todas as caixas que levava comigo foram cuidadosamente inspeccionadas (apesar de, por lapso, me terem deixado entrar com o telemóvel).
Já agora, a minha missão consistia em... ligar os computadores de uma sala de aula à Internet, por muito estranho que isso possa parecer até porque, imaginei eu, isso poderia dar azo a que circulassem e-mails como "Jojó, lanxa 1 corda amanhã pertuh do muro Xudoexte às 14h00".
Procurando ignorar estes pensamentos e o nervosismo, entrei no edifício principal acompanhado por um guarda e, carregado de material, passei pelo meio dos "residentes" que estavam sentados na escadaria e que só a pedido firme da minha escolta abriram passagem, embora com uma nítida animosidade para com ela.
Ao chegar à porta da sala, o guarda bateu à porta e entrou. Pelo que percebi, estava a decorrer uma aula de matemática ou de geometria, tendo em conta as figuras que estavam desenhadas no quadro. Perante o anúncio de que estava ali o técnico para ligar os computadores à Internet, a aula foi dada como terminada e todos os alunos começaram a sair ordeiramente.
Nisto, um deles abeirou-se de mim e perguntou:
- "Vamos ter Internet?", ao que respondi que sim, que iam ter Internet.
É difícil descrever o ar de alegria que então despontou no seu rosto quando, de olhos bem abertos e com uma voz de indisfarçável emoção, quiçá com uma certa dose de avidez, me atirou imediatamente:
- "Vamos ver gajas??????"
Naquele momento, percebi a importância da minha tarefa. Qual arauto da esperança, eu estava ali para proporcionar, a todos aqueles homens, um lampejo de felicidade e a criar condições para tornar a sua estadia mais suportável, algo que se revestiria de uma importância ainda mais transcendental caso o Jojó não aparecesse com a corda junto ao muro Sudoeste.
Foi este sentimento que me confortou enquanto trabalhava sozinho na sala, ouvindo de parte incerta o som de um bastão a percorrer as grades da secção de alojamento.
foto: Bahia Notícias
Este é mais um simultâneo A Funda São - Blog do Katano*
* Já agora, pedindo desculpa pela ousadia, venho apelar ao voto no Blog do Katano no concurso Super Blog Awards. Actualmente no 4º lugar do ranking (passam os primeiros 5 à próxima fase) as próximas horas anunciam-se renhidas e cada voto conta. Cliquem aqui: http://tinyurl.com/yezcdpa, registem-se e votem! Já agora, sugiro também um voto no blog Câimbras Mentais, da Ana, http://tinyurl.com/ye2gjym.
Serei
Hoje: serei a mais bela mulher da sala.
Semicerrarei os olhos brilhantes
e entreabrirei os lábios húmidos
quando tu subires ao palco
e me dedicares aquela música
que escreveste quando eu adormecia
(de tédio) na tua cama desfeita.
Hoje: serei a mais bela mulher da sala (!)
Recordarei sem mágoa
o momento imperfeito das semifusas
enquanto compunhas -fanático-
aquilo a que chamavas a tua ascensão(!)
e envolver-me-ei (mais uma vez)
na invulgaridade arranhada.
Hoje: serei a mais bela mulher da sala (?)
Não para ti.
Felizmente:
a sala esvaziou-se em atropelos
dessincronizados.
Para mim.
Também felizmente:
a sala encheu-se de vozes,
de luzes e de tudo o que mereço
para além deste presente.
Foto e poesia de Paula Raposo
Conto circular
Estás aqui? São tantas as vezes que te faço a mesma pergunta; sabes que a faço mesmo que os meus olhos me respondam? Sabes o que te estou a perguntar? Escuta-me porque eu digo-te tudo, sempre te digo tudo e acho que o tudo que te digo é sempre o mesmo. Escuta-me, eu não posso falar mais alto, eu nem sequer grito; eu não posso gritar palavras que gritam, elas ficam no ar e não são balões e eu aqui, com medo, sempre com medo que te caiam em cima, que te assustem, que choquem contigo porque não viste que as lancei na tua direcção, porque não as agarraste. Escuta-me, fico aqui e agarro-as de volta e arrependo-me e lanço-as novamente; olhas-me com o efeito do vácuo das tuas palavras cautelosas e eu fico a repetir o gesto até ao infinito. Demora-te nas minhas pernas; dizem tantas coisas quando encontram as tuas, o joelho toca no teu e milhares de palavras engolem a voz de dois mudos; deixa a redoma empalidecer até ter a cor das tuas mãos. Sim, escuta, lembrei-me agora: não, não estás. Não estás, apenas me fazes esquecer, por momentos, que não estás. É o que fazemos, quando as pernas se tocam e enrolam, esquecer que não somos e que só estamos dentro da redoma dos minutos que fogem. Estranho, tão estranho, não estás aqui.
22 março 2010
Sonhos de um corpo nu
É de manhã que eu me visto
Com os sonhos imaginados.
Traço nos olhos um risco delicado
Feito da luz que adorna a minha sede de sonhar.
Bate o tempo
Nesta espera inquieta
Deliciosa e provocadora
Tentação aos meus sentidos
Voam sussurros
Que o sonho canta
Fios entrelaçados
Dos lábios humedecidos
Voraz desejo que desespera
Vontade rouca e sincera
De envolver este sonho
Na paz de um amor puro
À noite,
Reinvento os sonhos de dia trajados
Sob a luz da lua
Por mim
Repetidamente sonhados.
Maria Escritos
http://escritosepoesia.blogspot.com/
Penas
Estás aí? Preciso que me acalmes, a língua sabe-me ao metal do medo. Só desta vez. Não me fales dos perigos, mostra-me as espadas. Desnudar a fragilidade. Esticar o peito, mostrar o pânico entre penas. Tenho tanto medo, tenho tanto medo, tenho tanto medo. Já está. Abri as asas, deixei cair a armadura, era pesada demais para saltar do ninho. É a minha espada, agora, ser. Nem que seja um enorme ai. Estou a tremer. Continuo a andar. Não me escondo mais, conseguem ver que estou a tremer mas não faz mal; todos os pássaros tremem e podem voar com a beleza digna de quem serenamente aceita todas as emoções. Vou saltar. É alto, eu sei, mas não me digas que vou cair, não me faças ficar. A tua certeza da queda é a minha queda certa. Mesmo que tenhas a certeza, sopra-me as asas e fica a ver-me cair, se assim é. Prefiro que beijes a dor em todas as penas que quebre. E que me ensines como ir mais alto. Estás aqui?
Dança do ventre - por Lorena Rossi
O OrCa, quando vê um umbigo feminino, ode logo:
"bela dança - belly dance
ou dizer, quiçá, à outrance
que ela dança sem que dance
e quase pança não pense
que o passe-partout incense
e vele o que o véu acende
no olhar que assim se estende
pr'álem do que o olhar entende
dos sentidos já sem tino
que ela dance e relance
o seu olhar desatino
e seios - coxas - o ventre
entre nós por nós se adentre
a acender-nos o destino...
Ou numa abordagem mais afadistada:
e como montar tal sela
ou ser por ela montado
sem de pronto saltar dela
e ficar todo alquebrado?"
O Bartolomeu contraode:
"Qual alquebrado, qual carapuça!
Português que é Português
Tanto monta Turca como Russa
Quer dê pulos, ou se torça
Venham uma de cada vez
Que não lhe faltará a força!
Mas se vierem às dúzias
Com muita música e véus
E todas bem aparelhadas
Depressa nos levam aos céus
E recebem umas fodas bem dadas!
Digo eu... em Turco... e assim..."
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