Um olhar cristalino, um sentimento genuíno daqueles que julgamos perdidos quando a infância se despede.
Um olhar que nos impede de ignorar a mensagem por detrás, aquilo que a alma é capaz de revelar quando se permite espelhada sem reservas no lago tranquilo das emoções serenadas pelo tempo seu amante.
Um olhar que não se revela distante numa pose encenada, não se camufla numa visão mascarada por falsos pretextos, fracos contextos ou qualquer outra distracção desnecessária.
Um olhar que espelha uma memória conservada da emoção menos filtrada pelo processo de erosão que não acontece no coração (que só entende a liberdade) mas apenas na mente que reinventa a realidade ao sabor de caprichos do tempo que arrasta como uma brisa aleatória os detritos de uma história rabiscada numa folha de rascunho condicionada por meros factores circunstanciais.
Um desejo sem estímulos artificiais contido num beijo clandestino, apressado, que sela um pacto firmado no devir da confiança que um olhar pleno de esperança jamais consegue ocultar.
19 abril 2010
18 abril 2010
Macho
Antes de te saber
pensei-te precipício,
abismo insondável
de uma vaga alterosa;
pensei-te macho
-puro ainda-
feito de magia
e reencontros.
Pensei-te longe,
sempre tão longe,
tudo antes de te saber.
Foto e poesia de Paula Raposo
Alda: conto difícil
Sentamo-nos, uma vez mais, nesta fracção de segundo onde moras. Sim, há espaço para os dois neste instante; mas é só neste instante que nós cabemos. É no momento que somos, colados a saliva num tiquetaque dentro de um envelope remetido para mais tarde ou nunca mais. Eu sei que é difícil; que o entardecer mais perfeito é o mais breve; que o envelope se enche de trivialidades que nos fazem transbordar; que eu não sou quem não sou. Eu sei que, tantas vezes, um anzol rasga até romper, sem retirar das águas o peixe ferido. E sei que, ainda assim, esse é o anzol piedoso. Eu sei. É difícil. Mas é infinitamente mais difícil, para mim, estar sem ti. Para ti é mais fácil.
«D&G Perfume Anthology» - Cores diferentes para diferentes estados de espírito
E as gravações do anúncio:
17 abril 2010
Ora! Ide-vos...
Aqui jaz o amor romântico - reza a minha campa. Deixo-vos, oh tristes
criaturinhas, a minha última imagem, a que me mereceram; sim,
essa, a universal, o dedo que orgulhosamente vos estico.
Fodei-vos,
imitadores de terceira categoria, fodei-vos vós que nem vos sabeis
desgraçar patética e honradamente como qualquer amor que se preze
exige.
Fodei-vos, vós que percorreis os jardins da ponderação e que
deitais fora, como quem deita fora um par de calças usado, o bom do
amor impossível e suas vicissitudes febris, tresloucadas, de peça única por um
moderno par de jeans de ganga, fabricado aos milhares, exactamente
igual amorzinho-que-vem-a-calhar ou
amor-não-lá-muito-conveniente-vamos-dar-apenas-umas-quecas-ao-fim-de-semana-que-´tá-na-moda.
Fodei-vos, vós que não tendes conhecimento da ânsia enfurecida e
estupidificante que faz qualquer amante - que faça justiça a essa
designação - morrer de marasmo longe da amada criatura.
Fodeis-vos, vós
que perante o amor não ficais convencidos que conseguis beber os
mares e rasgar os céus se for isso que torna um novo encontro possível.
Fodeis-vos mais as vossas análises de carreira, estatuto, opinião
familiar e outras contas de somar essas e outras parvoíces semelhantes.
Fodeis-vos,
vós que sois capazes de fazer todas essas somas e, ainda assim,
permaneceis convencidos que amais até ao tutano. Tédio até ao tutano,
é o que sois. Barris que envelhecem de grande pança, sem nada de
realmente muito emocionante para relatar.
Fodei-vos, seus incapazes de
uma boa "desgraçadelazita", de um trambolhão que fractura costelas já em
pandemónio e que ainda ajuda - apesar das lesões que causa - o coração a mexer
mais livre, mais forte, mais perdido.
Fodei-vos, seus
pseudo-românticos da estabilidade e do politicamente correcto.
Fodei-vos, vós que sois a vergonha de Romeu e Julieta - neste século
não se fará história, nem no amor, nem na política, nem na economia,
nem sequer nas vossas cuecas - este é o século dos
palhaços-sempre-com-a-mesma-máscara-de-ponderação-insonsa-a-dormir-em-pé. Pois, Romeu e Julieta que
dão-quecas-confortáveis-às-escondidas-que-fugir-aborrece-o-papá-e-a-mamã,
não me quer parecer que façam nada de muito notável em qualquer outro
capítulo se nem a força visceral do amor os move; casam com o
semelhante mais próximo, se casar não for muito inconveniente a nível
fiscal, compram casa e carro, talvez tenham um filho ou dois se der
jeito, engordam e envelhecem. E sentem que lhes falta algo. Sempre o
vazio, sempre a semi-infelicidade inexplicável, sempre o "vai-se
andando", o "estou mais ou menos".
Pois, fodei-vos todos, seus
parolos macambuzios da cantiguinha amorosa da juke-box. Fodei-vos de "moeda" entalada na vossa "ranhura"! Ide-vos! E tu? Sim, tu... Tu também!!!
criaturinhas, a minha última imagem, a que me mereceram; sim,
essa, a universal, o dedo que orgulhosamente vos estico.
Fodei-vos,
imitadores de terceira categoria, fodei-vos vós que nem vos sabeis
desgraçar patética e honradamente como qualquer amor que se preze
exige.
Fodei-vos, vós que percorreis os jardins da ponderação e que
deitais fora, como quem deita fora um par de calças usado, o bom do
amor impossível e suas vicissitudes febris, tresloucadas, de peça única por um
moderno par de jeans de ganga, fabricado aos milhares, exactamente
igual amorzinho-que-vem-a-calhar ou
amor-não-lá-muito-conveniente-vamos-dar-apenas-umas-quecas-ao-fim-de-semana-que-´tá-na-moda.
Fodei-vos, vós que não tendes conhecimento da ânsia enfurecida e
estupidificante que faz qualquer amante - que faça justiça a essa
designação - morrer de marasmo longe da amada criatura.
Fodeis-vos, vós
que perante o amor não ficais convencidos que conseguis beber os
mares e rasgar os céus se for isso que torna um novo encontro possível.
Fodeis-vos mais as vossas análises de carreira, estatuto, opinião
familiar e outras contas de somar essas e outras parvoíces semelhantes.
Fodeis-vos,
vós que sois capazes de fazer todas essas somas e, ainda assim,
permaneceis convencidos que amais até ao tutano. Tédio até ao tutano,
é o que sois. Barris que envelhecem de grande pança, sem nada de
realmente muito emocionante para relatar.
Fodei-vos, seus incapazes de
uma boa "desgraçadelazita", de um trambolhão que fractura costelas já em
pandemónio e que ainda ajuda - apesar das lesões que causa - o coração a mexer
mais livre, mais forte, mais perdido.
Fodei-vos, seus
pseudo-românticos da estabilidade e do politicamente correcto.
Fodei-vos, vós que sois a vergonha de Romeu e Julieta - neste século
não se fará história, nem no amor, nem na política, nem na economia,
nem sequer nas vossas cuecas - este é o século dos
palhaços-sempre-com-a-mesma-máscara-de-ponderação-insonsa-a-dormir-em-pé. Pois, Romeu e Julieta que
dão-quecas-confortáveis-às-escondidas-que-fugir-aborrece-o-papá-e-a-mamã,
não me quer parecer que façam nada de muito notável em qualquer outro
capítulo se nem a força visceral do amor os move; casam com o
semelhante mais próximo, se casar não for muito inconveniente a nível
fiscal, compram casa e carro, talvez tenham um filho ou dois se der
jeito, engordam e envelhecem. E sentem que lhes falta algo. Sempre o
vazio, sempre a semi-infelicidade inexplicável, sempre o "vai-se
andando", o "estou mais ou menos".
Pois, fodei-vos todos, seus
parolos macambuzios da cantiguinha amorosa da juke-box. Fodei-vos de "moeda" entalada na vossa "ranhura"! Ide-vos! E tu? Sim, tu... Tu também!!!
IBIZA FUCKING ISLAND
16 abril 2010
Adelaide(s): conto dos actos
Existo aqui. Sem gritos. Sem mim. Vejo televisão. A rapariga de longos caracóis percorre a sequência de cenas que a leva a um acto irreversível. Não! Impeçam-na, impeçam-na, impeçam-na... Impeçam-me...
Aqui
Sei de ti aqui
porque te sinto
e me beijas;
abraças e me deixas
o teu cheiro
nos lençóis.
Deixas-me a nuvem
do teu orgasmo
no silêncio sem silêncio,
no grito e no espasmo;
deixas-me
a luz do momento
numa palavra
enlouquecida
entre o vento e a calmaria.
O estupor
e a felicidade,
que o sonho não me deixe
nem se desfaça
e a nuvem permaneça
em mim.
Foto e poesia de Paula Raposo
Faz-me um bico
O pedido expresso no título desta posta tanto podia provir de um pássaro como de um lápis. Mas como os pássaros não falam e os lápis nem piam, alguém tratou de verbalizar essa necessidade que, se nas aves implica uma complicada cirurgia plástica veterinária nos lápis apenas requer o uso de um pequeno objecto cuja utilização, só por si, já implica um sentido figurado que por associação de ideias pode muito bem ter dado origem à conotação brejeira de uma frase aparentemente tão desprovida de malícia.
Há quem chame ao objecto em causa um afia e quem prefira, antes pelo contrário, designá-lo por afiadeira. Esta opção pelo feminino, não sendo a que utilizo no meu dia-a-dia, parece aplicar-se que nem uma luva ao tal sentido figurado que a introdução do lápis no orifício que o irá afiar possa suscitar nas mentes mais brincalhonas. Como a minha, de resto, onde um mais um são dois e de preferência a fazerem coisas porreiras em equipa.
Contudo, e por muito que a técnica da rosca seja um must na manipulação, por exemplo, do dito lápis, continua complicada a explicação para a carga terrível que uma expressão como a do título da posta carrega sempre que alguém a profere.
Não, não é fácil uma pessoa virar-se para a colega do escritório e servir de porta-voz para um lápis em aflição...
Tudo isto porque o português enquanto língua muito traiçoeira presta-se a apropriações indevidas, a deturpações do sentido de frases tão simples como a que serve de mote para este exercício boçal (sim, o cê está devidamente cedilhado...) que vos proponho nesta ocasião.
Não sendo uma grande questão da humanidade em geral ou mesmo da porção que fala português (no Brasil, por exemplo, fazer um bico jamais quererá dizer outra coisa que não aguçar uma ponta e se pedirmos tal coisa a uma alemã a tradução literal fará de imediato com que ela deite a mão ao estojo), faz parte dos pequenos dramas do quotidiano oral deste nosso espaço lusitano onde apreciamos tanto o chuto para canto implícito nestas fintas a que recorremos para não chamar os bois pelos nomes.
Mas, e só para concluir esta posta com uma moral da história qualquer, por mais retorcidas que sejam as mentes que deturpam as expressões para lhes alterar o propósito, as palavras têm um significado e um bico será sempre uma coisa que pica e um broche, por exemplo, será sempre e acima de tudo um alfinete de peito.
Há quem chame ao objecto em causa um afia e quem prefira, antes pelo contrário, designá-lo por afiadeira. Esta opção pelo feminino, não sendo a que utilizo no meu dia-a-dia, parece aplicar-se que nem uma luva ao tal sentido figurado que a introdução do lápis no orifício que o irá afiar possa suscitar nas mentes mais brincalhonas. Como a minha, de resto, onde um mais um são dois e de preferência a fazerem coisas porreiras em equipa.
Contudo, e por muito que a técnica da rosca seja um must na manipulação, por exemplo, do dito lápis, continua complicada a explicação para a carga terrível que uma expressão como a do título da posta carrega sempre que alguém a profere.
Não, não é fácil uma pessoa virar-se para a colega do escritório e servir de porta-voz para um lápis em aflição...
Tudo isto porque o português enquanto língua muito traiçoeira presta-se a apropriações indevidas, a deturpações do sentido de frases tão simples como a que serve de mote para este exercício boçal (sim, o cê está devidamente cedilhado...) que vos proponho nesta ocasião.
Não sendo uma grande questão da humanidade em geral ou mesmo da porção que fala português (no Brasil, por exemplo, fazer um bico jamais quererá dizer outra coisa que não aguçar uma ponta e se pedirmos tal coisa a uma alemã a tradução literal fará de imediato com que ela deite a mão ao estojo), faz parte dos pequenos dramas do quotidiano oral deste nosso espaço lusitano onde apreciamos tanto o chuto para canto implícito nestas fintas a que recorremos para não chamar os bois pelos nomes.
Mas, e só para concluir esta posta com uma moral da história qualquer, por mais retorcidas que sejam as mentes que deturpam as expressões para lhes alterar o propósito, as palavras têm um significado e um bico será sempre uma coisa que pica e um broche, por exemplo, será sempre e acima de tudo um alfinete de peito.
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