O frio dos dias queima a página das horas. O fogo. Eu tentei escrever-te o fogo.
Sou apenas um fósforo. E tu sabes. Eu sei, agora sei.
Ele deu-me amor. Mas tu deste-me azul. E azul é mais que amor. É mais que qualquer amor.
É mais que todos os amores. É azul. E tu sabes.
E eu? O que te dei? Dizes-me? E tu sabes?
Quem vai aumentar as palavras para te demorares nelas? Se não lês, o silêncio pode não demorar. Diz-me do princípio. Prometo não contar a ninguém. Nem a mim. Eu não conto. Quem vai domar os versos para te servirem? O que foi feito dos pássaros que escrevi na tua gaiola?
Fala-me do princípio.
O gelo no azul queima os olhos presos nas páginas. O fogo sempre procurou os teus para se escrever; agora, acredita que não tens. Saberás? Não.
17 maio 2010
Postalinho com vários postais
16 maio 2010
Sem medo
Não tenho medo.
A foto és tu deitado
e eu ao teu lado.
Vês?
Mas não tenho medo
que seja só uma ideia minha.
Sei - sobretudo - que és tu
e não me amedrontas.
Aonde é que foi o delírio?
Aonde foram a vontade e o prazer?
Continuo a vasculhar
todos os precipícios
e ainda não dei contigo:
- Onde foste?
Foto e poesia de Paula Raposo
Morrer no ar
É por isso que não te consigo agarrar
porque não tenho mãos
e tenho os dedos a divagar
em gestos sem mãos a vaguear;
os gestos sem mãos
são gestos vãos
que morrem no ar.
porque não tenho mãos
e tenho os dedos a divagar
em gestos sem mãos a vaguear;
os gestos sem mãos
são gestos vãos
que morrem no ar.
Beauty Demo
A Patrícia Manhão recomenda-nos esta montagem de publicidade feita por Stephane Pivron para a Mikros Image, ao som de Whitey - «Stay On The Outside».
Beauty Demo from stephane pivron on Vimeo.
15 maio 2010
Compilação* de poesia erótica dita pelo Luis Gaspar
Na Décima Terceira Hora, o Luis Gaspar (voz d'ouro do Estúdio Raposa) lê-nos poemas já apresentados em "Poesia Erótica" dos seguintes poetas: Affonso Romano, 1 poema, Alexandre O’Neill, 1 poema, Álvares Azevedo, 1 poema, Antero de Quental, 1 poema, António Botto, 5 poemas, Cláudia Marczak, 1 poema, Ernesto Melo e Castro, 5 poemas, Gui de Maupassant, 1 texto, Gustave Flaubert, 1 texto, Jean Everaets, 3 poemas, Judith Teixeira, 5 poemas, Rosa Lobato Faria, 1 poema, Salvador Pliego, 1 poema e Vera Silva, 5 poemas. É aqui:
decima_terceira_hora.mp3
* não, eu não disse "com pila, São"!
* não, eu não disse "com pila, São"!
Cronologia do eco
Primeiro foi a chuva. Só passos entre espaços.
Intervalos. E os espaços cada vez mais curtos.
Aquele que nunca fica e sempre repete. O eco.
Ele. O compasso que marca os intervalos.
O segundo veio do minuto ao chegar da hora.
Eu gosto do eco. Tem garras e ri e pouco
depois agarra-me as pernas pelos joelhos.
E agora? Por onde me queres entrar, agora?
Talvez me entres pelo fim da tarde e, então, oco
te enchas de nós. A tarde escorre o sol pelos raios
e, agora, agora que já nunca aqui se demora,
vou montando o eco da voz de um louco
que chove e chove e o tempo tão seco.
Intervalos. E os espaços cada vez mais curtos.
Aquele que nunca fica e sempre repete. O eco.
Ele. O compasso que marca os intervalos.
O segundo veio do minuto ao chegar da hora.
Eu gosto do eco. Tem garras e ri e pouco
depois agarra-me as pernas pelos joelhos.
E agora? Por onde me queres entrar, agora?
Talvez me entres pelo fim da tarde e, então, oco
te enchas de nós. A tarde escorre o sol pelos raios
e, agora, agora que já nunca aqui se demora,
vou montando o eco da voz de um louco
que chove e chove e o tempo tão seco.
14 maio 2010
«Do assédio» - AnAndrade
"Preparava-os para um exame específico, que contaria um terço para a definição do resto das suas vidas. Falava-lhes de diferenças de género, de orientação sexual, de Foucault e da História da Sexualidade, de preconceitos, de confissões, de segredos, de puritanismo e de direitos sociais.
De repente, a despropósito, da primeira fila onde se instalara com uma parafernália de gadgets (que deviam ser o que lhe prolonga o ser e o resto, quando o carro não se assoma) perguntou-me pelo assédio. Não pelo assédio em geral mas pelo modo como eu lhe reagiria, em particular.
Não me inspirou grande confiança, o tom, mas é sabido que sou muito mais paciente numa sala de aula do que na vida particular, pelo que lhe respondi, com todos os efes e erres: disse-lhe temer por muitos homens e mulheres que, fruto das suas vivências, dependências e obrigações, se sentiam compelidos a aceitar uma atitude assediadora por parte de alguém com ascendente sobre si, em silêncio. Acrescentei que me sinto sobejamente livre, em todos os sentidos: porque não tenho medo, porque o silêncio nunca foi o meu forte (e recordei as cenas que fazia, quando adolescente, nos autocarros, sempre que um homem resolvia esfregar-se em mim: perguntava-lhe bem alto o que estava a fazer e por que raio se estava a roçar; sempre foi remédio santo) e porque não devo nada a ninguém (em todos os sentidos). Porque sou livre, exporia o assediador, desdenhando o que quer que fosse que pudesse, eventualmente, comprar-me o silêncio.
Calou-se, julguei que percebera.
Mas não.
Quarenta e oito horas depois, recebi um e-mail a convidar-me para almoçar, num dos melhores e mais caros restaurantes do Porto (mais um prolongamento do que deve ser excessivamente parco), a pretexto de uma "aula particular informal" que melhor o preparasse para o exame que se avizinhava (e ou me estava a chamar incompetente por não o ter preparado no curso que pagou, ou se estava a intitular uma menoridade do ponto de vista cognitivo, na medida em que não lhe chegavam os ensinamentos que bastaram aos outros); incluía mesmo um momento de pura e descarada lambe-botice, uma vez que "desejava beber da minha experiência" no que toca ao ensaio argumentativo.
Ainda que imaginando que não fosse propriamente na minha experiência académica que o senhor estava interessado, não despi o papel da professora e, em pouco mais de duas linhas, declinei o convite (sem explicações, porque não lhas devia) e desejei-lhe o maior dos sucessos, a nível profissional, especialmente para o exame para que o preparara.
E pensei que a coisa ficaria por ali, teria de ficar!, que mais haveria a dizer?
Mas havia.
Passadas umas horas, novo e-mail. Onde dizia (deixando cair o "Dra.", sem que eu lho tivesse permitido) que nunca pensara ser eu tão preconceituosa e puritana (vitoriana, no dizer de Foucault), entre outras amabilidades de quem se sente ofendido mais ou menos entre a coxa e abdomen.
Aí, já não me sentia na obrigação de responder como professora. Perante o atrevimento, foi a mulher quem lhe respondeu:
Caro Dr. D.:
É com alguma perplexidade que verifico a sua capacidade de tecer juízos e desejo que, numa futura experiência enquanto magistrado, seja mais ponderado a estabelecê-los.
A minha recusa não tem nada de vitoriano, ao menos no entendimento de Foucault (ou me expliquei mal, ou o Sr. Dr. não esteve com a atenção devida durante as aulas); é apenas fruto da liberdade que (ainda!) possuo de recusar ou aceitar um convite que me dirigem, seja em que circunstância for.
Como não se trata de uma situação de cariz pessoal ou profissional, não me sinto obrigada a dar justificações. De todo o modo e porque, por vezes, o implícito não é claro, deixe-me esclarecer que, por norma, não dou aulas particulares, sejam elas formais ou não, a não ser que me apeteça, abrindo, nesse caso, uma excepção. Quando não é essa a minha vontade, faço o que a minha liberdade me permite: recuso delicadamente e não espero repercussões, já que qualquer convite acarreta a possibilidade do não.
Cumprimentos.
Ana Andrade
(E se voltar a insistir, até porque teve a distinta lata de responder a isto, ainda que já de orelha murcha, faço-lhe o que fazia aos roçadores-de-autocarro: boca no trombone, mas desta vez sem abreviaturas.
Eu avisei, o fulano é que não estava atento...)"
AnAndrade
Blog Câimbras Mentais
De repente, a despropósito, da primeira fila onde se instalara com uma parafernália de gadgets (que deviam ser o que lhe prolonga o ser e o resto, quando o carro não se assoma) perguntou-me pelo assédio. Não pelo assédio em geral mas pelo modo como eu lhe reagiria, em particular.
Não me inspirou grande confiança, o tom, mas é sabido que sou muito mais paciente numa sala de aula do que na vida particular, pelo que lhe respondi, com todos os efes e erres: disse-lhe temer por muitos homens e mulheres que, fruto das suas vivências, dependências e obrigações, se sentiam compelidos a aceitar uma atitude assediadora por parte de alguém com ascendente sobre si, em silêncio. Acrescentei que me sinto sobejamente livre, em todos os sentidos: porque não tenho medo, porque o silêncio nunca foi o meu forte (e recordei as cenas que fazia, quando adolescente, nos autocarros, sempre que um homem resolvia esfregar-se em mim: perguntava-lhe bem alto o que estava a fazer e por que raio se estava a roçar; sempre foi remédio santo) e porque não devo nada a ninguém (em todos os sentidos). Porque sou livre, exporia o assediador, desdenhando o que quer que fosse que pudesse, eventualmente, comprar-me o silêncio.
Calou-se, julguei que percebera.
Mas não.
Quarenta e oito horas depois, recebi um e-mail a convidar-me para almoçar, num dos melhores e mais caros restaurantes do Porto (mais um prolongamento do que deve ser excessivamente parco), a pretexto de uma "aula particular informal" que melhor o preparasse para o exame que se avizinhava (e ou me estava a chamar incompetente por não o ter preparado no curso que pagou, ou se estava a intitular uma menoridade do ponto de vista cognitivo, na medida em que não lhe chegavam os ensinamentos que bastaram aos outros); incluía mesmo um momento de pura e descarada lambe-botice, uma vez que "desejava beber da minha experiência" no que toca ao ensaio argumentativo.
Ainda que imaginando que não fosse propriamente na minha experiência académica que o senhor estava interessado, não despi o papel da professora e, em pouco mais de duas linhas, declinei o convite (sem explicações, porque não lhas devia) e desejei-lhe o maior dos sucessos, a nível profissional, especialmente para o exame para que o preparara.
E pensei que a coisa ficaria por ali, teria de ficar!, que mais haveria a dizer?
Mas havia.
Passadas umas horas, novo e-mail. Onde dizia (deixando cair o "Dra.", sem que eu lho tivesse permitido) que nunca pensara ser eu tão preconceituosa e puritana (vitoriana, no dizer de Foucault), entre outras amabilidades de quem se sente ofendido mais ou menos entre a coxa e abdomen.
Aí, já não me sentia na obrigação de responder como professora. Perante o atrevimento, foi a mulher quem lhe respondeu:
Caro Dr. D.:
É com alguma perplexidade que verifico a sua capacidade de tecer juízos e desejo que, numa futura experiência enquanto magistrado, seja mais ponderado a estabelecê-los.
A minha recusa não tem nada de vitoriano, ao menos no entendimento de Foucault (ou me expliquei mal, ou o Sr. Dr. não esteve com a atenção devida durante as aulas); é apenas fruto da liberdade que (ainda!) possuo de recusar ou aceitar um convite que me dirigem, seja em que circunstância for.
Como não se trata de uma situação de cariz pessoal ou profissional, não me sinto obrigada a dar justificações. De todo o modo e porque, por vezes, o implícito não é claro, deixe-me esclarecer que, por norma, não dou aulas particulares, sejam elas formais ou não, a não ser que me apeteça, abrindo, nesse caso, uma excepção. Quando não é essa a minha vontade, faço o que a minha liberdade me permite: recuso delicadamente e não espero repercussões, já que qualquer convite acarreta a possibilidade do não.
Cumprimentos.
Ana Andrade
(E se voltar a insistir, até porque teve a distinta lata de responder a isto, ainda que já de orelha murcha, faço-lhe o que fazia aos roçadores-de-autocarro: boca no trombone, mas desta vez sem abreviaturas.
Eu avisei, o fulano é que não estava atento...)"
AnAndrade
Blog Câimbras Mentais
A tua cor de amor
Hoje vou levar-te até ao meu jardim.
Não tem flores, mas tem relva;
sei como gostas da sua humidade
ao cair das tardes de Outono.
Entramos como dois sonâmbulos
gotejando o desejo dividido,
a suave languidez das pernas,
as gotas de neblina no olhar
e fazemos amor –não como adolescentes-
de uma viva tonalidade azul.
Sabes desse meu azul preferido
tal como eu sei da tua cor de amor.
Foto e poesia de Paula Raposo
Subscrever:
Mensagens (Atom)