Alexandre Affonso - nadaver.com
23 agosto 2010
22 agosto 2010
Tradução da marioneta
Elas arrastaram-me. Não consegui lutar ou sequer espernear, eram demasiado fortes, enormes. Teria gritado, mas o que me atravessava a garganta não permitia que os gritos passassem e devolvia-os ao estômago onde ficavam a flutuar, pesados. Empurraram-me. Bati no fundo do precipício. Conheci a morte, uma, duas, três vezes. Conheci o desejo de morrer que invade um ser humano no escuro infinito, no vazio interminável. Conheci o frio, a surdez, a cegueira, o abandono, o monólogo desesperado e interminável.
Arrastaram-me novamente. Não tentei resistir. Vi um palácio. Vi um rei que amou uma rainha como um homem deve amar uma mulher. Fui um rei. Fui um rei quando lutei pelo meu castelo, quando reinei, quando senti o amor, quando vi os meus filhos, quando chorei a morte de um deles, quando enterrei a minha rainha. Vi uma rainha. Fui uma rainha quando amei um rei como uma mulher deve amar um homem. Fui uma rainha quando senti as dores de parto e embalei as dores dos meus filhos. Fui uma rainha quando enfrentei a partida do rei para lutas tremendas, inimagináveis. Fui uma rainha fiel, fui uma rainha que tomou amantes, fui uma aia e fui um trovador que amou uma rainha.
Aqueles dedos que me arrastam. Vejo as mulheres atravessadas pela noite, pelas ruas, pelo desejo alheio sem nome nem afecto. A dignidade, a humilhação, o medo, a coragem; o escuro, a luz do candeeiro; a transpiração e os seus cheiros; os mendigos, os monstros, os homens; o frio e o calor; a decisão e a indecisão; homem bom, homem mau, homem nada; ser, não ser; agora também fui aqui e também soube chamar com a sensualidade, seduzir sem desejo o desejo de quem não queria ter em mim.
Vou. Desta vez vejo o mendigo sentado no banco do jardim. Come uma maçã, restos do jantar de uma qualquer família. Cheira mal. Eu cheiro mal. Cheiro ao lixo e cheiro à fome. Tenho fome. Tenho frio. Está escuro. Não quero voltar a casa, perdi-me da minha vida antes de me perder de mim. Será que ainda tenho casa? Espero que não me encontrem.
Vou. Desta vez sou tu. Qualquer tu que me seja dado a ser. Tenho fios nas pernas, nos braços, nos dedos, no rosto, na boca; sou uma marioneta. Não me arrastam, penduram-me. Algumas vezes, cortam-me. Chamam-se palavras.
Arrastaram-me novamente. Não tentei resistir. Vi um palácio. Vi um rei que amou uma rainha como um homem deve amar uma mulher. Fui um rei. Fui um rei quando lutei pelo meu castelo, quando reinei, quando senti o amor, quando vi os meus filhos, quando chorei a morte de um deles, quando enterrei a minha rainha. Vi uma rainha. Fui uma rainha quando amei um rei como uma mulher deve amar um homem. Fui uma rainha quando senti as dores de parto e embalei as dores dos meus filhos. Fui uma rainha quando enfrentei a partida do rei para lutas tremendas, inimagináveis. Fui uma rainha fiel, fui uma rainha que tomou amantes, fui uma aia e fui um trovador que amou uma rainha.
Aqueles dedos que me arrastam. Vejo as mulheres atravessadas pela noite, pelas ruas, pelo desejo alheio sem nome nem afecto. A dignidade, a humilhação, o medo, a coragem; o escuro, a luz do candeeiro; a transpiração e os seus cheiros; os mendigos, os monstros, os homens; o frio e o calor; a decisão e a indecisão; homem bom, homem mau, homem nada; ser, não ser; agora também fui aqui e também soube chamar com a sensualidade, seduzir sem desejo o desejo de quem não queria ter em mim.
Vou. Desta vez vejo o mendigo sentado no banco do jardim. Come uma maçã, restos do jantar de uma qualquer família. Cheira mal. Eu cheiro mal. Cheiro ao lixo e cheiro à fome. Tenho fome. Tenho frio. Está escuro. Não quero voltar a casa, perdi-me da minha vida antes de me perder de mim. Será que ainda tenho casa? Espero que não me encontrem.
Vou. Desta vez sou tu. Qualquer tu que me seja dado a ser. Tenho fios nas pernas, nos braços, nos dedos, no rosto, na boca; sou uma marioneta. Não me arrastam, penduram-me. Algumas vezes, cortam-me. Chamam-se palavras.
«Balões Infláveis»
Ficção de Alessandro Yamada - 2006 (14 minutos)
Marcovaldo é hipocondríaco e trabalha num sexshop. Numa de suas idas ao hospital, conhece o menino Michelino. A amizade entre eles fará com que Marcovaldo siga com sua vida.
Link directo para o filme aqui.
Marcovaldo é hipocondríaco e trabalha num sexshop. Numa de suas idas ao hospital, conhece o menino Michelino. A amizade entre eles fará com que Marcovaldo siga com sua vida.
Link directo para o filme aqui.
21 agosto 2010
Nó(s)
Não quero perder (nem desatar)
este elo que nos une
-diametralmente opostos-
e nos persegue os sonhos.
O laço manso da saudade;
a fruição desinibida de nós;
os beijos e o desejo
(im)potente de futuro.
Este é o nó difícil
que de nós se alimenta,
de nós se envolverá
e de nós se reatará, sempre:
nunca perderei de nós
o nó do laço manso da saudade.
Poesia de Paula Raposo
este elo que nos une
-diametralmente opostos-
e nos persegue os sonhos.
O laço manso da saudade;
a fruição desinibida de nós;
os beijos e o desejo
(im)potente de futuro.
Este é o nó difícil
que de nós se alimenta,
de nós se envolverá
e de nós se reatará, sempre:
nunca perderei de nós
o nó do laço manso da saudade.
Poesia de Paula Raposo
20 agosto 2010
Mariana Poema
A noite dói-me um lento entardecer...
A beleza arde-me, a tua, tão infinita;
finita, para mim, sei e sempre a soube ser,
tiraste-a de mim; Mariana, o ar grita
e grita e eu ainda vou enlouquecer;
o delírio já por todo o dia se agita
e desta vez não é sol o que vai romper.
Dói tanto, Mariana, continua a doer
esta cor que me dói como negro sem tinta;
uma janela opaca, este meu ser sem ser.
Mariana, pupila minha fugida da órbita,
meu enorme vazio que a continua a encher,
uma última vez a quem já não pode ver
vem e conta-me se ainda és tão bonita;
uma última, Mariana, a dor de seres perfeita.
E essa dor, piedosa, deixas que me faça morrer
esta vez última que o corpo só teu o meu aceita?
Mariana, eu sei que sou apenas um velho poeta
e sei que, um dia, o teu doce ventre há-de crescer
por mãos de um homem forte de pouca escrita;
por isso, o amor meu, a minha Mariana é bendita,
ela concede-me a terna morte da dor de a não ter.
A beleza arde-me, a tua, tão infinita;
finita, para mim, sei e sempre a soube ser,
tiraste-a de mim; Mariana, o ar grita
e grita e eu ainda vou enlouquecer;
o delírio já por todo o dia se agita
e desta vez não é sol o que vai romper.
Dói tanto, Mariana, continua a doer
esta cor que me dói como negro sem tinta;
uma janela opaca, este meu ser sem ser.
Mariana, pupila minha fugida da órbita,
meu enorme vazio que a continua a encher,
uma última vez a quem já não pode ver
vem e conta-me se ainda és tão bonita;
uma última, Mariana, a dor de seres perfeita.
E essa dor, piedosa, deixas que me faça morrer
esta vez última que o corpo só teu o meu aceita?
Mariana, eu sei que sou apenas um velho poeta
e sei que, um dia, o teu doce ventre há-de crescer
por mãos de um homem forte de pouca escrita;
por isso, o amor meu, a minha Mariana é bendita,
ela concede-me a terna morte da dor de a não ter.
Lady Gaga com calor
Lady Gaga em Chicago, no Festival Lollapalooza de 2010, surfa meio nua por cima da assistência.
Duas revistas pornográficas...
19 agosto 2010
Sexo Ocasional
Quando se abordam temas tão delicados como o sexo ocasional, há que ter em conta possíveis barreiras de comunicação e eventuais estados depressivos... Também é má ideia abordar o assunto com alguém que esteja a comprar pastelaria local.
Nota da redàSão - sim, já tínhamos publicado aqui este video. Mas é uma pérola... e esta é uma versão legendada.
Enviado pel'O Visconde
_______________________________Nota da redàSão - sim, já tínhamos publicado aqui este video. Mas é uma pérola... e esta é uma versão legendada.
Percepção das sombras
Eu vou escrever-te a verdade. Vou assinar com o meu nome. E vou sonhar que soubeste quem sou.
Tenho uma casa pequena chamada saudade, tenho um corpo pequeno sem perfume; nem sempre lá me encontras porque nem em mim eu sempre estou.
Já não há ladrões nem pesadelos, há estradas escuras e pessoas sem luz. E nós vamos quebrando em partes desiguais, em fronteiras assimétricas: a imprecisão e a inexplicabilidade do golpe alheio nem sequer permitem a perfeição dos pontos e a cicatriz ténue de uma episiotomia piedosa no parto de cada dor.
Cada fim meu será um início mas nunca sei o que deixo para trás e o que carrego no bolso da memória, nesse bolso que rasga mas que nunca se rasga.
Eu vou escrever-te a verdade. Vou assinar com o meu nome. E depois vou. E, um dia, ainda vou saber onde estou porque nem em mim eu sempre estou ou sequer entendo o que me vem buscar.
Tenho uma casa pequena chamada saudade, tenho um corpo pequeno sem perfume; nem sempre lá me encontras porque nem em mim eu sempre estou.
Já não há ladrões nem pesadelos, há estradas escuras e pessoas sem luz. E nós vamos quebrando em partes desiguais, em fronteiras assimétricas: a imprecisão e a inexplicabilidade do golpe alheio nem sequer permitem a perfeição dos pontos e a cicatriz ténue de uma episiotomia piedosa no parto de cada dor.
Cada fim meu será um início mas nunca sei o que deixo para trás e o que carrego no bolso da memória, nesse bolso que rasga mas que nunca se rasga.
Eu vou escrever-te a verdade. Vou assinar com o meu nome. E depois vou. E, um dia, ainda vou saber onde estou porque nem em mim eu sempre estou ou sequer entendo o que me vem buscar.
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