07 outubro 2010

A posta securitas


As pessoas, os outros, não cessam de me surpreender.
E raramente pela positiva.
Fazendo parte dos outros para as pessoas que me contactam, tenho a perfeita consciência de que também eu cumpro esse papel, o de oferecer surpresas menos agradáveis para quem aposta numa determinada opção da minha parte e acaba a ver-me seguir o caminho diametralmente oposto.
Se calhar é mesmo assim, sermos imprevisíveis faz parte do fascínio que representamos e se calhar outra vez sem isso não teríamos qualquer interesse ou piada.
Contudo, este cariz aleatório das nossas posições, das nossas escolhas, de quase tudo quanto nos é confiado no âmbito do livre arbítrio, acaba por tornar num pesadelo a maioria das (fracas) ligações que vamos criando uns com os outros.
O fascínio que acima referi é uma delícia quando podemos observar a prudente distância os cromos que viram casacas ou mudam de atitude ou mesmo de personalidade a qualquer momento e com isso alteram substancialmente os seus rumos e as imagens que vamos esboçando e que raramente correspondem à personagem.
Mas quando essas alterações súbitas se produzem demasiado perto de nós, quando estamos próximos de quem altera o nosso caminho por tabela quando lhe dá a travadinha e decide mudar o seu, a coisa perde muita da piada e o chão parece fugir-nos sob os pés de forma tão brusca e radical quanto mais nos sentimos ligados a essas pessoas.
É algo que tanto pode acontecer no contexto de uma relação amorosa como no de uma amizade aparentemente sólida e em ambos os casos provoca uma desorientação cujas sequelas acabam por surtir o mesmo efeito de uma qualquer traição.
E esse efeito é o receio instintivo de fomentar ligações, o medo do desconhecido, amplificado pelas feridas abertas na nossa percepção do outro e pela constatação de que afinal não conhecemos assim tão bem os outros e acabamos sempre por ver esses tiros no escuro transformarem-se em tiros nos pés de barro em que assentam as mais firmes convicções nesse domínio movediço que são as relações humanas.
Sobretudo na última meia dúzia de anos tenho sido confrontado com as mais incríveis piruetas por parte de quem vou aceitando no círculo restrito dos meus vínculos emocionais. Isso provoca em mim nada menos do que uma reacção proporcional, uma mudança brusca na minha forma de ser, de sentir, de querer os tais outros que dizem essenciais para uma vida preenchida e uma mente equilibrada mas acabam, e falo apenas de mim, por se revelar precisamente o oposto.
Aos poucos, na sucessão de ressacas, vou mesmo perdendo a vontade de abrir caminhos, de explorar o potencial das pessoas que por este ou aquele motivo, por esta ou aquela simples coincidência, entram na minha vida nos espaços deixados vazios por quem saiu.
As contas são fáceis e as entradas compensam cada vez menos as deserções, tanto pelo prisma quantitativo como qualitativo. E aí desenha-se o meu contributo, o tal receio que transforma cada nova relação num campo minado de surpresas potenciais que já não me sinto capaz de aguentar.
Sempre que tento contrariar esta tendência que a lógica me diz negativa mas os factos desmentem nesse pressuposto dou-me mal. E os outros também.
É quase um dado adquirido, qualquer que seja o tipo de relação, qualquer que seja o vínculo criado apenas para explodir algures debaixo dos pés de onde me foge o chão quando isso acontece.
É flixado, corrói a confiança, destrói a esperança, amputa a base de sustentação dessa vontade cada vez mais enfraquecida de tentar outra vez.
Até um simples café com alguém surge no horizonte não como o sol de um novo dia mas como o prenúncio de mais um desgosto, de apenas mais um temporal para fustigar o que resta da fé nos outros e em mim mesmo, enquanto viáveis, eu e os outros, do ponto de vista de algo mais do que uma ligação tanto quanto possível distante ou, neste espaço chamado blogosfera ou similares, puramente virtual.
O problema está tanto nos outros, essas caixinhas de surpresas que podem ser de pandora quando apostamos alto demais, como em cada um de nós que o somos (os outros) também. Ou nem se trata de um problema mas apenas de uma consequência real, tangível, da evolução da espécie para uma multidão de casulos individuais a abarrotar de instrumentos de comunicação que traduzem não essa necessidade instintiva mas apenas a necessidade de a fazer acontecer sem contacto directo e pessoal, à defesa como a distância parece, se não cedermos à tentação do toque, do olhar, do calor humano, garantir.
Todavia, seja o que for é fonte de desgostos, de desilusões, de inevitáveis trambolhões dos pedestais de papelão onde assentam as nossas expectativas relativamente ao que devemos esperar das relações que estabelecemos para lá do foro inevitável, de vizinhança ou profissional ou qualquer outro dos viveiros das tais coincidências que nos levam a descurar a prudência e a ignorar o saber de experiência feito e a (re)abrirmos de forma ingénua a outros as portas da nossa casa ou do nosso coração apenas para mais tarde instalarmos mais um conjunto de cadeados e de sistemas de protecção imaginários da nossa sensibilidade que nos tornam aos poucos em paranóicos emocionais.
E eu confesso que cada vez tenho maior dificuldade em encontrar as chaves ou em fixar os códigos de abertura dos meus.

O rio

Gostava de ter um rio para te dar.
Não o Amazonas, no seu fluir de serpente gigante,
nem o Ganges, no seu correr sujo e sagrado.
Antes um riacho português,
tímido e anónimo,
levemente engrossado
pelas chuvas de Setembro.

uma 'ssoa (EU!) vai à Madeira e fica encantada com as esculturas...




Alberto João, que escandaleira :D

Faceta animal

Técnicas de persuasão



HenriCartoon

06 outubro 2010

Parece que é de lei


Pois é, os funcionários públicos estão bem mais fodidos do que se julgava.
Só dão descanso ao cu durante 11 horas, no resto do tempo...
Ai Nelo Nelo, só descobri esta lei (pagª 26) quando congelaram as admissões na função pública.

Desencontro

Desejo meu que demoras a mostrar-te, que compreenderás a impaciência e observas as múltiplas formas de cortejar, não tenhas dúvidas na intenção, não questiones a própria dúvida e deixa-te atrair pelo simples prazer carnal.
Claro que não é amor ou paixão, mas amando a vida e apaixonando-me pelo teatro sexual das amizades construidas, resigno-me ao comercial e perdura a chama do prazer.
A vida vive-se com pena para quem não vive, mas com paixão para quem soube encontrar a própria vida. Está nas escolhas de cada um procurar, no instinto de conhecer e construir.


Falsos poemas

E se eu migrasse os meus sonhos,
laicos e sem asas, para outro olhar?
Criaturas aladas, encantadas por ti,
um ramo, senhor, uma sombra fresca,
em troca depositaram as asas aos teus pés.
Ainda de dedos fincados no ramo que já quebrou,
em pleno chão, insistem, estupefactos, tontos.
E se eu os migrasse, sobreviveriam?

O que a rolha disse ao saca-rolhas?


Até parece!

Capinaremos.com

05 outubro 2010

Saltos altos

É conhecida (pelo menos dos meus vizinhos de baixo) a minha perdição por sapatos (e botas e ténis e chinelos), sobretudo de salto alto.
Mas, depois de dois meses a pisar o mundo de havaianas e sandálias rasas, e após um período de transição para as sandálias altas (em que, ok, a planta do pé, macia de muita esfoliação no areal, se ressente, mas nada de insuportável, porque os dedos continuam ao léu), não foi muito inteligente da minha parte dar (literalmente) o (ou muitos) passo seguinte, para os sapatos fechados, de doze vertiginosos centímetros, num dia em que tinha nove horas de aulas. Menos perspicaz ainda foi calçar meias de vidro: o pezinho de Cinderela (a minha pedicura é que diz, não sou eu!) passou o dia a chinelar (experimentem chinelar nuns saltos de 12 cm de altura e meio de base) e os dedinhos anteriormente arejados são dez nódoas negras. Não estão negros mas sinto-os como se estivessem.
E nem me venham com a conversa do por-que-é-que-não-usas-sabrinas, que não colhe.
Colherá amanhã, mas por motivos de força maior.
Na quinta, volto ao metro e oitenta e qualquer coisa e não se fala mais nisso.
Ai.

Na cama. Na cama, já despidos. Na cama tento que o que restou para eu poder dar, seja o bastante. Devagar, que a carne ainda dói.
A sua insistência vai-me sufocando. Calma, digo, sossega, peço, deixa a cola secar para unir bem os pedaços que partiste. Mas insiste como se não me ouvisse.
Fecho os olhos com força, com aquela força que nos livros é descrita como "cerro os olhos", mas eu digo que fecho os olhos porque cerrar pressupõe uma firmeza que já não tenho. Fecho os olhos e faço por não ver mais do que os nossos corpos naquela cama.
Devagar, parece que consigo. Solto os meus lábios dos dele para lhe dizer a frase que me apetece. De repente não posso. De repente a frase que calei é a mesma frase que ele disse a quem não podia ter dito, quando não podia ter dito. De repente é Jasão, e não outro, quem, em cima de mim, fode com urgência. Com tanta urgência que não percebe que me escorrem lágrimas de ira, que não percebe que nos meus punhos cerrados não guardo um orgasmo à espera de vez, mas sim uma revolta capaz de o estrangular.
Todavia não o faço. Não estendo as mãos para lhe apertar o pescoço traidor e mentiroso. Aperto a cona, isso sim. Aperto-a em torno dele e na minha boca cresce a grossa e acre saliva da vingança, da vingança de o fazer pagar na mesma moeda, de lhe ser infiel com ele mesmo.


Medeia - blog [Infidelidades]

O que sou

Sou o que sou:
vagueio na luz intermitente
de uma descoberta.
Sou a voz emotiva
das palavras.
Letra a letra, já não sei
soletrar-te.
Um dia – agora – sei que
encontraremos a resposta.
As dúvidas dirão de nós
tudo aquilo que nos afastou.
Falaremos de amor
e de magia.

Poesia de Paula Raposo