21 outubro 2010

Por encomenda

Geralmente, não escrevo por encomenda.
Escrever é, para mim, um momento catártico, que ocorre porque tenho necessidade dele, nunca o contrário, quero dizer, raramente é a escrita que precisa de mim.
Abro excepções quando as circunstâncias me levam a aceitar escrever com um objectivo, seja porque o tema me interessa sobremaneira, seja porque quem mo pede merece todo o meu respeito. Desta vez, a razão preponderante foi a última: uma ex-aluna, responsável por uma publicação lá da UCP (a Critério), consciente de que entre nós dificilmente haverá comunhão de pontos de vista (e que, ainda assim, preza tanto a minha perspectiva como eu a dela), pediu-me para redigir um texto sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo, temática em que, para não variar, não concordamos em nada.
E fi-lo, no prazo auto-estipulado, ainda que soubesse que dificilmente conseguiria ser original ou sequer interessante. O resultado foi este:

É ainda com alguma surpresa que sou chamada, com regularidade, a posicionar-me ou a moderar debates sobre a contenda que constitui o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Esqueço-me, frequentemente e em consciência, de que é ainda uma questão controversa, para alguns, o que para mim é tão discutível como a cor do mar ou o cheiro das castanhas. Mas, porque vivo em sociedade, rapidamente reponho a minha falha e, sob a égide do Pensamento Crítico, debato o que, quanto a mim, não passa de preconceito e pronuncio-me sobre a vida íntima dos outros. Assim seja.
 
Filha que sou de um casal absolutamente tradicional (no sentido em que casou e me gerou sem recorrer a quaisquer métodos para além dos que a [sua] natureza lhe colocou ao dispor), descendentes que são meus pais de outros casais igualmente condizentes com os (assim chamados) padrões “normais” da nossa sociedade, desconheço onde está o gene que me leva a, sem qualquer lirismo, afirmar-me pelo amor, seja ele entre homem e mulher, entre dois homens ou duas mulheres. Ou saberei: não havendo, até ver, nenhum familiar homossexual por quem tenhamos de empunhar bandeiras, ou fazer desviar convicções, nasceu nos meus avós, hoje octagenários, este respeito pelo outro (seja ele quem for) que, não escolhendo cores nem géneros, também não tem por que indagar orientações sexuais. E, paradoxalmente, de uma família onde a atracção por pessoas do mesmo sexo é vista sem qualquer pudor ou adjectivação anómala, nasceram seres humanos heterossexuais. Ao menos, até ver, já se sabe.
Fui ensinada a acreditar (e nada, na minha vida adulta, me fez crer que deveria ser de outro modo) que qualquer ser humano é digno de direitos, liberdades e garantias iguais, independentemente das características que o particularizam enquanto indivíduo, e desde que cumpra os deveres que fazem dele um cidadão. Deste modo, afigura-se-me como absolutamente desnecessário empreender um amontoado de razões que sustentem a minha convicção de que, se todo o ser humano tem o direito a contrair casamento e constituir família, então qualquer ser humano tem o direito de o fazer (é redundante, mas os contornos silogísticos enterneceriam Aristóteles), sem excepções. Da mesma forma que nenhum homem e nenhuma mulher heterossexuais são obrigados a submeter-se a um teste de fertilidade por forma a comprovar que podem procriar, porque não é essa a pedra de toque do casamento (segundo a lei civil de qualquer país democrático), parece-me desprovido de sentido negar a quem, biologicamente, não pode reproduzir-se com o parceiro, o direito de constituir família. Se assim fora, também a uma mulher na menopausa ou a um homem infértil estaria interdito o laço.

Cumpre-me também assinalar o tão invocado argumento natural: anda o ser humano, há séculos sem fim, a negar ser pura natura e, de repente, num acesso saudosista, parece pretender regressar-lhe. Mas apenas em parte, o que me provoca perplexidade: “a homossexualidade não é natural”, invocam certos bloggers, através da ferramenta internet, enquanto os seus leitores, bebendo uma Coca-Cola light e envergando uma parka de nylon, porque o ar condicionado avariou, acenam uma cabeça de onde pendem fios de cabelos aclarados e esticados a poder de escova e secador e onde se observam meia dúzia de piercings, olhos esbugalhados, pela concordância e pelo rímel. Tudo perfeitamente natural, portanto. Como será absolutamente normal a reivindicação taxinómica: chame-se-lhe outra coisa, que não casamento, porque esta é a nomenclatura religiosa. Sê-lo-á, mas é de casamento civil que falamos. E se o casamento civil se chama assim e não de outro modo qualquer, não fará sentido algum arranjar uma qualquer designação substituta: trata-se de um mesmo contrato, que obriga as partes da mesma forma e, como qualquer contrato, não deverá atender a pormenores de somenos, na medida em que, como já afirmado, não será a incapacidade de se reproduzirem pelas vias naturais que virá diferenciar os contratantes.

Uma última palavra para a questão que se segue: a adopção ― que choca uns, baralha outros e é aceite por uma imensa minoria. Aquela que, como eu, acredita que o amor não tem género; que uma mulher não é necessariamente uma figura maternal e que um homem nem sempre representa a dimensão paternal; que não se trata de sexo mas de amor e que, se a criança tiver adultos, agentes cuidadores que a amem, pouco (lhe) importará de onde vem esse amor: de um homem viúvo, de uma mãe solteira, de dois pais, duas mães, ou um pai e uma mãe, amor é amor e é por ele que se constroem seres humanos melhores. Seres humanos como os meus avós, que me ensinaram, por intermédio dos meus pais, que havia muita gente diferente de mim, que merecia o mesmo respeito que me ensinaram a reclamar. Que criaram seres humanos que, um dia, se decidirem procriar (porque a sua escolha não depende de uma lei), ensinarão os seus filhos que, na escola, encontrarão muitos meninos que não são filhos de gente com determinada orientação sexual mas, tão só, filhos de gente que escolheu amá-los. Exactamente iguais a eles, portanto.

não são rosas, senhor! não são rosas!


são... koises! koises a montes para que a tampa possa saltar...

oh tu aí, faz-me saltar a tampa...

(fotografia de Lia Whiting, tirada algures na Ericeira)
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Com direito a ode do OrCa:


"ai, Portugal, Portugal,
tu não me leves a mal,
mas seres único no mundo
de pénis colocado à venda
quer dizer, muito no fundo
e para que bem se entenda
que ao estrangeiro se avisa
desta subtil maneira
que aqui se combate a crise
dependurando a alheira...

pior, usar um caralho
para retirar caricas
é coisa feita a retalho
lembra coisa de maricas

e pendurar-se o zé-nabo
assim por tristes razões
faz lembrar ao fim e ao cabo
de que serve ele sem colhões..."

São moda

Exercício de conforto

20 outubro 2010

«Desafios em Fusão» de Anna Ruta e Rui Reis

Eu já comprei este livro há algum tempo. E recomendo. Resulta de textos trocados entre os dois autores que estavam separados, em países diferentes.
Mas escutar alguns dos poemas desse livro, ditos pela voz de ouro do nosso Luís Gaspar, é um luxo.
É aqui, no


nº 50 da Poesia Erótica do Estúdio Raposa

NASA lança projecto ambicioso para entrar em contacto com espécime do sexo feminino

Numa incursão pelo Youtube descobri esta pérola. Trata-se do vídeo de uma conferência de imprensa onde 3 especialistas da NASA anunciam o lançamento de um programa que, em 2018, os levará a entrar em contacto próximo com um espécime humano do sexo feminino, no ambiente de uma instalação de processamento e limpeza de fibras têxteis, que é como quem diz, para abordar a brasa da lavandaria.

Trata-se obviamente de um vídeo satírico que consegue retratar muito bem a complexidade e a minúcia com que a NASA elabora os seus projectos, assim como a parafernália infográfica com que estes são apresentados.


Cortes

Saberás que ainda te espero
na torre escondida do meu castelo
escrevo-te tempo para o tempo passar
Saberás que ainda te quero
nas ameias deste meu reino de gelo
invento histórias de desencantar.

Sabes, eu cortei o longo cabelo
era apenas escada para te lançar
quando ali te esperava só por esperar
De rainha a princesa deste triste castelo
perdi, sou princesa e continuo a reinar
cortei o cabelo, não te consigo cortar.

Menina

No esparguete de certezas emaranhadas na meninice do seu corpo e da sua alma, ela tenta encontrar alguma doçura que lhe falta. O avelã dos seus olhos expressivos e transparentes, o vermelho pálido do seu cabelo solto e simples, a cara bonita e dura que não disfarça com tinta social, o corpo formado com formas de experiência apressada, era assim ela. Porém linda, não doce nem querida, mas linda. Eloquente, todavia ligeiramente adormecida. Menina.

Placa motivacional de hoje


Com proteção, use sem moderação.

Capinaremos.com

19 outubro 2010

Conhecer Joana Well

Creio que ela não o terá notado, mas a verdade é que me apresentei particularmente ansioso. Não é todos os dias que se conhece uma prostituta. E, no entanto, depois de a ter conhecido, fiquei com a legítima dúvida: será que, realmente, nunca conheci, ou conheço uma prostituta? Porque, como o comprovei, uma prostituta não é uma mulher diferente das outras. Esta, seguramente, não o é. Não exteriormente. É uma mulher como tantas com quem nos cruzamos nas prateleiras dos supermercados, seja nos iogurtes ou nos enlatados, ou na secção dos frescos. Não creio, de facto, que ela o tenha notado, mas eu ia ansioso. Porque ia conhecer uma prostituta. Porque na minha cabeça isso tem um certo quê de transgressão, mesmo sabendo que eu não ia recorrer aos seus préstimos. Com efeito, o meu interesse em Joana Well é a escrita e não o sexo.

Admito, e espero que deste modo ela não se sinta diminuída de forma nenhuma, que poderia ser pior se ela se apresentasse como uma bomba feminina. Mas não. A sua figura extremamente discreta, neutra, motivou uma súbita queda nessa ansiedade antecipatória. Cumprimentá-la e ter, finalmente, perante mim a pessoa que escreve o que escreve, desfez qualquer stress.

Como é conhecer Joana Well?

Conhecer Joana Well (não em sentido bíblico, note-se) é fazer uma incursão num mundo estranho. No mundo de uma pessoa que apresenta dificuldade em valorizar as suas qualidades como escritora, e que se compara - talvez constantemente - aos grandes autores que lhe servem de bitola. A exigência pessoal é elevada, e isso leva-a a um universo de espanto e dúvida. Espanto pela atenção que recebe, dúvida acerca das qualidades. Tentei explicar-lhe, e suspeito que em vão, que as pessoas, as pessoas que interessam, provavelmente seguem com atenção a sua escrita porque ela transmite emoções. Emoções não raras vezes fortes, e que sedentos como estamos de escrita emotiva, é fácil encontrar interesse nas palavras que ela articula ainda que estas, na sua análise, não sejam esforçadas como lhe parece que a um génio criativo se exigiria. Não posso estar de acordo, e assim lho disse.
Para mim, a genialidade é pura. Fluída. É algo que nos sai sem esforço. Julgo que ela o tem.

Joana Well é uma figura rica, e nesse tanto acredito que seja uma puta desafiante. Quem a conheça (agora sim, no sentido bíblico) poderá passar, em acto contínuo, de um sexo suado para um aceso debate sobre as singularidades da alma ou, até, da geopolítica e da alta finança. "Ahhh, assim é que é, mexe-me esse rabo", dirá ele, e ela poderá responder algo como "nesta posição em que estou, temo que o FMI entre forte e feio". E não seria de estranhar.

Encontrava-me, assim, movido pela curiosidade de conhecer essa figura afável da internet. Que responde às pessoas com toda a correcção e simpatia, que escreve coisas que eu sinto, por vezes, muito duras, muito emotivas. Sinto, verdadeiramente, ter saído deste fugaz encontro mais rico do que cheguei. A Joana Well, que eu jamais reconheceria na rua, é uma mulher interessante. Despistada, numa frequência diferente da de quase toda a gente, mas aposto que muito consciente das coisas que definem a existência: as emoções, os paradoxos, os grandes cinzentos dos quais tantas vezes procuramos fugir, ávidos de uma definição precisa de branco ou preto.


Agora choras. Agora escondes a cara na minha almofada e choras. E soluças e pedes que te ame. Agora choras. Agora choras e esperas que eu não seja a mulher a quem mentiste mas sim a amiga que te ampare. Que te seque as lágrimas. Que te abrace. Agora choras e esperas que te dispa e que me dispa, que te envolva e que com o sexo te resgate. Com o sexo. Agora. Comigo.

E enquanto choras eu fico mais zangada. Não porque choras. Mas porque esperas que te console. Porque não posso estar zangada para te poder valer. Porque não posso ser a mulher traída enquanto te embalo e te sussurro que vai ficar tudo bem.

Agora que esgotaste as minhas lágrimas.

Medeia - [Infidelidades]


Receio

À tua volta
receio a saudade,
não a querer minha;
resolver voltar
e o barco que me espera,
tanto é o receio
de à tua volta
a saudade nossa.

O teu olhar pasmado
eu sem saída,
eu pensando (ainda)
na volta do receio,
quando o receio
nos volta.

Poesia de Paula Raposo