02 janeiro 2011

«O amor mudou» - por Rui Felício


Tempos houve em que eu estava sempre onde houvesse amor. Inseparável dele.
Sem ele, eu ficava solto, perdido, inútil...
Éramos como unha com carne. A unha precisa do apoio desta para existir, e esta carece da protecção daquela para não se ferir.
Assim era eu com o amor. E ele comigo...
Eu fazia parte integrante desse belo e nobre sentimento. Senti-lo, era sentir-me. Avaliarem-no, era avaliarem-me. O amor sem a minha companhia era incompleto, sem chama, algo insípido a que faltava o tempero doce da minha presença.
Mas os tempos mudaram!
Agora, o amor é olhado por mim da parte de fora. Sou um simples e longínquo observador, não o integro, não lhe pertenço, não o sinto a aquecer-me o âmago.
E quando, a espaços, procuro que nos tornemos de novo num só, indissociáveis, como era antigamente, o amor dos tempos de hoje afasta-me, repele-me, expulsa-me, ri-se das minhas pretensões antiquadas. Recorda-me que eu não evoluí no tempo, que tenho de me actualizar, que preciso de olhar o presente.
Diz-me que tenho de perceber que o amor de hoje não é igual ao de antigamente. Que hoje ele é menos convencional, mais moderno, menos complicado e, por isso mesmo, mais livre.
Argumentei-lhe que a inteligência, por exemplo, se me manteve fiel, mas o amor respondeu-me que não faltará muito para que essa presunçosa, vaidosa e esdrúxula peneirenta me abandone também.
Faço um esforço, conformo-me a custo, mas quando o apanho distraído, aproveito e envolvo-o na minha capa protectora. Nem que seja por breves instantes!
Porque, enquanto eu viver, nunca deixarei de ser o acento circunflexo que o antigo “amôr” repudiou...

Rui Felício
Blog Encontro de Gerações

Tratar a mordidela do cão com o pêlo do cão

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31 dezembro 2010

Pecados imortais


Foto: Shark

- Sim, minha querida, sou mesmo todo duro como pedra...

Os que vão, assim, caminham

E os que vão, será que ficam? Empurrar para cima nas escadas e acabar por ficar num degrau diferente. Dar a ponta do balão e soltar e ficar na Terra. Largar o braço, puxar pela mão e soltar mais. Espreitar o Caminho. E o susto, o entendimento súbito e quase inesperado, estava ali sempre e agora só às vezes. E tirar-te o escuro lá à frente é ficar com um pouco dele para mim e não faz mal, não faz mal porque é um escuro pequenino, menor do que eu gostar de ti. E os que vão, assim, caminham. Boa viagem!

Contra o frio, o melhor é saltar para aquecer


Woman from redkedscom on Vimeo.

Resoluções de Ano Novo


Alexandre Affonso - nadaver.com

30 dezembro 2010

Corte e costura

A tesoura imaginária que corta ligações mantidas de forma precária, dez vezes mais depressa do que a mão sorrateira que tenta reparar à sua maneira os elos perdidos, muitos cortes definitivos, de forma atabalhoada, improvisando uns nós, atarefada a cortadora apressada que se acredita melhor caminho para a salvação no estranho conforto que a solidão parece prometer, talvez algum órgão vital a morrer por falta de irrigação das veias separadas pelas lâminas afiadas de uma tesoura imaginária que tenta alterar a história e prevenir a infecção recorrendo à amputação das ligações associadas a más emoções ou apenas teoricamente ameaçadoras, essas relações comprometedoras para o sossego das tesouras que reagem de forma automática a qualquer sensação menos simpática, o corte radical para separar o bem que somos do mal que os outros podem representar.

A tesoura imaginária a cortar, cem vezes mais depressa do que a mão piedosa que vê as coisas em tons de rosa e se esgota num esforço inglório para (re)atar alguns nós.

A ver se consegue evitar que acabemos completamente sós.


Sonhar com um mundo melhor não custa...

Teste de visão


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