Rita gosta muito de pintar os olhos, gosta de pestanejar e ver sublinhada a diferença entre olhos abertos e olhos fechados; quando os pinta e os fecha, eles parecem muito mais fechados porque, quando os pinta e os abre, eles parecem muito mais abertos. Rita gostava muito de escrever as coisas, como esta dos olhos, todas as coisas que pensa, mas não pode escrever porque não sabe para quem escrever, não está ninguém ali. Poderia escrever para si própria, mas não pode porque para si própria nunca escreverá a verdade; escrever para si própria seria como naquele dia em estava enlutada - um luto inesperado do paizinho - e o amante desapareceu - não disse nada, só desapareceu, prometeu amor e abraços mas desapareceu, deve ser muito terrível abraçar os lutos das amantes - nesse dia, ela sentou-se num banco do centro comercial e pensou-se muito feliz porque tinha uma revista e bilhete para o cinema. Rita gostava muito de escrever mas não pode, não está ninguém ali; para si própria nunca escreverá porque nunca escreverá a verdade para si e Rita sabe que não pode ler sem descobrir as suas mentiras. Rita continua a pintar muito os olhos, a sublinhar muito a diferença entre olhos abertos e olhos fechados.
10 junho 2011
(Esc)Rita Avestruz
09 junho 2011
Divagações de um coleccionador
Já me chamaram coleccionador de afectos mas é completamente falso ... sou mas é um sentimental! O sexo até pode não ser o objectivo imediato, mas deprime-me a falta de paixão porque entendo o amor como evasão e poesia.
Sorvo e entrego-me como um manjar gourmet, servido em baixela de prata, onde exponho o meu corpo como um jardim de delícias à la carte e o meu sexo como uma estufa tropical.
Sou indiferente a convenções ou tabus e deixo-me ir (e vir, também), levado pela brisa das emoções furtivas. Adoro o imprevisto, as aventuras e as experiências que ensaio no meu laboratório rudimentar onde cada cobaia se sente uma princesa ... às vezes selvagem, é certo, mas facilmente domesticada pelos métodos mais ancestrais e artesanais.
Mas não pensem que sou um amante descartável e sem história, daqueles que não deixam marcas profundas na pele e na memória de quem o ama ...
Embora seja um homem profundamente espiritual e confesso devoto de Osho, sou também muito carnal e encaro o sexo como a primeira maravilha do Universo.
Estou à vontade no meu papel de diabinho com asas de anjo.
Às vezes, sinto-me atormentado por um frenesim erótico que me leva a excessos incontrolados ... sou voraz sem ser guloso e tenho uma dificuldade enorme em adaptar-me à rotina, pois a dança de parceiras não me acalma a líbido, apenas potencia a minha bulimia sexual.
Acredito que há em mim, o poder redentor do sexo que me faz sentir uma corrente de pulsões tempestivas e torrenciais.
Chamem-me libertino, mas julgo estar a meio caminho, entre a depravação e o vício, por isso, não tolero relações complexadas e com regras ... sou um homem sem rosto mas com uma longa história de libertação, onde não há lugar para lágrimas ou dramas.
apontamento económico...
Um cidadão sem abrigo depois da passagem das troikas. Mas ele renegociou a dívida, como se pode apurar pela postura repousada e pela dimensão da testiculária, elemento de peso indubitavelmente negocial... Quanto ao resto... ora, que se lixe! O nosso clima até é ameno e o que interessa é a garantia de que aqui quem manda somos nós!
08 junho 2011
Cátia Alexandra Fadista Gótica (Rita Cardoso) - "Nas bordas duma cigana"
O nosso Miúdo, das Vozes da Rádio, deu-me a conhecer este maravilhoso hino às bordas (no caso, de uma cigana). Recomendo que leiam aqui a análise do Miúdo a este desempenho que nos consegue surpreender a todos, antes de se deliciarem com mais de 7 minutos de cultura, técnica e arte sem fim:
Como ode o OrCa, "aquilo pareceu-me pouco gótico. Talvez mais visigótico, com alguns laivos de vândalo e pozinhos celtiberos. Mas gótico, aquilo que se diz gótico...
Mas é sempre fixe apurar estas «alternatividades», como nos diz a apresentadora.
nas bordas de uma cigana
há um cheiro a rosmaninho
a fome que o amor esgana
como um caneco de vinho
bordam fenda farfalhuda
bruta e firme nem abana
fértil brava e cabeluda
as bordas de uma cigana..."
Entretanto, a Bárbara João, que nos acompanha no Facebook (já126 132 pessoas "gostam" de mim lá), esclarece: "Conheci a Rita há uns anos. Ver este vídeo foi uma surpresa para mim e é claramente uma brincadeira. Procurem pela Rita Cardoso no youtube. Vão encontrar alguns vídeos com outras músicas dela. Aqui está um exemplo. Ela chegou a ganhar o Termómetro Unplugged em 2000 e depois disso gravou até um EP. Podem ler aqui. Achei por bem dizer isto =)"
Como ode o OrCa, "aquilo pareceu-me pouco gótico. Talvez mais visigótico, com alguns laivos de vândalo e pozinhos celtiberos. Mas gótico, aquilo que se diz gótico...
Mas é sempre fixe apurar estas «alternatividades», como nos diz a apresentadora.
nas bordas de uma cigana
há um cheiro a rosmaninho
a fome que o amor esgana
como um caneco de vinho
bordam fenda farfalhuda
bruta e firme nem abana
fértil brava e cabeluda
as bordas de uma cigana..."
Entretanto, a Bárbara João, que nos acompanha no Facebook (já
Amor é...
O ocaso do teu corpo no meu
na metade de baixo dá-se o ocaso solar
na metade de cima dá-se o ocaso lunar
e eu,
de terra e de água, desfeita em céu.
na metade de baixo dá-se o ocaso solar
na metade de cima dá-se o ocaso lunar
e eu,
de terra e de água, desfeita em céu.
Que feio...
Foto: Tiavir
…e tão pouco erótico está este país.
Cinzento e com rostos caídos.
Os braços pouco ou nada gesticulam.
As pessoas estão cansadas desta fase imensa e enorme que retiram as forças até à alma.
Desacreditadas caminhamos como se mortos vivos nos tratassemos. Sem fé.
Já fomos mais felizes.
Não negociamos e acreditamos que o pouco é melhor que nada. E é bem verdade. Já não há carreiras ou profissões. Há trabalhos que tal como as casas já deixaram de ser para a vida.
Para a vida é a integridade que muitas vezes nos querem roubar mas é a única coisa que a par da alma é unicamente nossa. Hoje desdobramo-nos em desculpas para ganharmos coragem para seguir em frente quando na verdade só caminhamos para trás. A crise passou a fazer parte da família e já a tratamos por tu. Acompanha-nos como a nossa sombra mas completamente negra. Cabe-nos a nós conseguir traí-la e contorná-la mas ela sabe sempre usar aqueles néons enormes que riscam com cruzes os nossos sonhos. Um dia ainda irei a Roma, mas palpita-me que a magana vai comigo.
O desemprego faz-nos mais velhos e mais gordos e por essa razão que estamos cada vez menos eróticos. Nem a Primavera se revela para nos queimar as maçãs do rosto e nos mostrar que somos mais giros do que pensávamos.
07 junho 2011
A posta sem nome
Como estamos todos saturados de temas densos que em nada ajudam a malta a descontrair um bocado da crise opto hoje por um tema mais ligeiro, porquanto muito sério.
Em causa está a flagrante injustiça cometida para quem ao longo de milénios assumiu o ingrato papel de dar nomes às coisas e às pessoas. Quer dizer, somos todos muito rápidos a desdenhar de quem se esmifrou a olhar para um filho para concluir: meu filho, tens mesmo cara de Hideraldo. Ou minha filha, toda tu és Ermengarda. Mas nesse desdém imediatista esquecemos a angústia de quem se vê a braços com tamanha responsabilidade.
Recuemos um pouco no tempo (pouco, porque estas coisas do tempo são muito relativas em termos cósmicos) e vistamos a pele (de mamute ou assim) do primeiro gajo a olhar embevecido para aquele espaço mágico entre as pernas da sua neandertala, encantado, e a querer louvá-la.
No meio dos seus grunhidos pré-históricos de aflição por não saber que nome dar àquilo, imaginemos o que terá saído para que, muito tempo depois, alguém considerasse vagina o nome mais adequado.
Não domino dialectos do tempo das pinturas de Foz Côa, mas não deixo de pasmar perante o que terá saído da boca daquela criatura peluda para virmos a baptizar o tal espaço sagrado com um nome tão complicado de pronunciar e sem piadinha nenhuma.
Mas a minha admiração abrange também a posterior adopção de nomes alternativos. Notem bem: alguém deu cabo da tola a pensar em nomes suplementares para algo já devidamente catalogado num conjunto de sons qualquer.
Ah e tal, vagina é um nome que não lembra ao caralho (já vão perceber porque acabo de me exceder na linguagem). Eu olho para aquilo e só me ocorre cona.
E toca de espalhar a nova terminologia pelos amigos do bairro chunga até a coisa (o nome da coisa) chegar aos ouvidos da elite pensadora da sua época.
Claro está que quem abraçou o nome original reclamou de imediato a patente imaginária e terá desabafado com os mais próximos: atão um gajo aqui a dar voltas ao miolo para arranjar um nome para aquilo e vem-me aquele primogénito de uma meretriz inventar um nome novo? Tenho que providenciar de imediato um esquema eficaz para a respectiva conspurcação! Vamos espalhar o boato de que se trata de uma asneira, de uma ordinarice que não se pode tolerar, de um pecado mortal.
Mas o que é certo é que a designação pirata acaba provavelmente por ser a mais utilizada no quotidiano de todos nós os que usufruímos dos nomes que não precisámos de inventar, até porque não soa muito razoável e ainda menos estimulante a pessoa, em pleno acto, sair-lhe um vou comer-te essa vagina toda. Não sei se a questão é fonética ou semântica ou se tem apenas a ver com o fruto proibido inerente ao palavrão como o entendemos, mas a verdade é que quem inventou o termo cona parece ter tido maior acerto na sua opção.
Isto não invalida o reconhecimento da relevância dos autores de quaisquer nomes, bem vistas as coisas.
Não levam a sério o assunto e acham que é fácil dar nomes às cenas?
Então tentem colocar-se na posição do primeiro gajo que olhou para, sei lá, um calhau. Ou para a pila do tal mamute prestes a ser esfolado para cobrir, entre outras, as partes pudibundas dos nossos antepassados das cavernas, e percebeu que se tratava da mesma coisa (do mesmo coiso) que ele pretendia agasalhar, perante o olhar interessado da fêmea a quem pretendia dar com a moca na tola, e precisou de arranjar assim de repente um nome comum para designar os dois pénis em apreço num conveniente plano de igualdade linguística…
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