HenriCartoon
27 junho 2011
26 junho 2011
«Em Coimbra há muitos anos...» - por Rui Felício
Tinha idade para ser meu pai. Ou mesmo avô. Era um daqueles homens a quem é difícil adivinhar a idade.
Já estivera em Peniche, condenado por actividades subversivas contra o Estado, onde o tempo tinha parado uns anos.
Trazia sempre consigo uns papeis rabiscados com letras que ia fazendo para canções de protesto contra o regime. Mas só conseguia fazer-se ouvir na pacatez do seu humilde quarto alugado da Rua das Padeiras, e depois de cuidadosamente se certificar que a malta que o escutava era de confiança.
Frequentava a Democrática e não regressava a casa sem passar pela Rua Direita onde, dizia ele, o Salazar com uma simples assinatura tinha decretado a extinção legal das prostitutas, transformando-as em mulheres de “vida fácil”!
A velha viola parecia gritar de revolta quando os seus dedos inábeis lhe martelavam as cordas, acompanhando, dissonantes, os versos que ele cantava com voz rouca e os olhos em alvo.
Garantia-nos, esperançado, que um dia a sua voz poderia ser ouvida em inteira liberdade.
Com o 25 de Abril, aprestou-se para cantar em comícios e sessões de esclarecimento, mas nunca conseguiu fazer-se ouvir como sonhara.
Desculpava-se dizendo a quem com ele privava:
"Antes da revolução as minhas canções esbarravam contra a ditadura.
Agora que sou livre, esbarram contra a dentadura..."
Rui Felicio
Blog Encontro de Gerações
Nudez
Deita os olhos na minha nudez
adormece-os, diz-me como vês
o desejo que nos encontra a pele
nada há de mais cruel
nada há de mais doce
E ainda que tudo o que visses fosse
um hino inteiro à candura
entoado pela tortura
que empalidece a lucidez
os teus olhos parecem-me dez
presos nos dedos feitos de mel
prendem-me o corpo, foi-me infiel
já não é meu, e o que tu vês
mesmo vestida, chama-se nudez.
adormece-os, diz-me como vês
o desejo que nos encontra a pele
nada há de mais cruel
nada há de mais doce
E ainda que tudo o que visses fosse
um hino inteiro à candura
entoado pela tortura
que empalidece a lucidez
os teus olhos parecem-me dez
presos nos dedos feitos de mel
prendem-me o corpo, foi-me infiel
já não é meu, e o que tu vês
mesmo vestida, chama-se nudez.
25 junho 2011
Madrugada
Por entre os teus dedos
nasce a mais bela
história de amor.
No palco adivinhado
despem-se pudores
e as palavras
são livres
para serem amadas.
Passa célere a madrugada
quando os beijos
te despertam a sensualidade
entre as minhas coxas abertas
em silêncio.
Poesia de Paula Raposo
Injustiça
A perspectiva da atracção actual é muito desigual.
Prefiro comer feito um hipopótamo e pouco me lixar ao que você acha de mim.
Capinaremos.com
Prefiro comer feito um hipopótamo e pouco me lixar ao que você acha de mim.
Capinaremos.com
24 junho 2011
A linguagem universal
Desde muito pequeno, embora a expressão muito pequeno seja sempre relativa quando aplicada a um bisonte nascido com perto de cinco quilos, dediquei particular atenção às questões da língua.
A língua, que até à Pátria interessa sobremaneira, é de facto um instrumento fabuloso ao ponto de facultar por si mesma, pelo manancial do sentido duplo, motivo para algumas interessantes dissertações que tanto incidem no papel do escalope enquanto dotado de papilas como no de substituta ou de complemento de outros órgãos de um corpo humano.
Mas a língua, a portuguesa, que tantos afirmam traiçoeira acaba por ser a que me traz aqui para vos maçar com estas palavrinhas de puro jornalismo (só para entreter a malta).
Isto a propósito do tal duplo sentido que parece marcar a língua na sua utilização prática e até pode ilustrar uma característica lusitana mais comum do que gostamos de assumi-la.
Senão, vejamos: se tivermos duas pessoas a encararem uma outra mal encarada podemos obter em simultâneo duas verbalizações distintas e aparentemente contraditórias. Enquanto uma dessas pessoas pode optar por um esta gaja tem um mau feitio do caraças, é mesmo fodida! à outra pode sair-lhe, de forma espontânea, um esta vaca de merda tem mesmo tromba de mal fodida.
Com a mesma palavra a língua consegue transmitir a convicção de que a pessoa é mal e de que é mesmo, embora o seu papel possa ser de maior protagonismo do que se julga se tivermos em conta a tradução literal da palavra que também é fodida pela sua ambivalência.
Contudo, este fenómeno pode estender-se aos termos habitualmente associados à língua, nem que apenas por questões fonéticas. Por exemplo, e enfatizando a duplicidade intrínseca, se nos referirmos a um linguado podemos estar a recorrer a um atributo pouco explorado da língua que é a sua função GPS: é que basta o cheiro do peixe para podermos localizar o paradeiro recente de uma língua, se cheirar a bacalhau, um peixe do norte, sabemos de imediato que em termos cardeais a língua andou mais pelo sul.
Este excepcional sentido de orientação portuga pode no entanto depender não do olfacto mas da entoação e até do centro das atenções de quem verbaliza.
É o caso da expressão lambia-te todo, que encaminha de imediato e numa perspectiva apriorística a ideia da pessoa para um todo muito distinto do selo dos correios que possa estar em causa.
Muito mais haveria a dizer acerca deste tema fascinante, até porque a língua não é parca em recursos.
Todavia, às línguas como às postas compridas a maioria das pessoas associa uma carga pejorativa que é a de se falar demais e as línguas de trapos nunca estiveram na moda.
E eu, que sempre fiz a apologia do cliché do tamanho que não é documento, mesmo não sendo dessa forma juiz em causa própria, tenho que contrariar o meu impulso para o uso excessivo da língua pois, à semelhança de outros apêndices que a anatomia ou o Diciordinário Ilustarado nos possam sugerir, não é a sua dimensão que conta mas aquilo que efectivamente se consegue fazer com ela.
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