Foto: Shark
26 agosto 2011
Neste querer...
Neste querer, tanto a alma quer
que nos desalma e vai
que nos desalma e sai
de nós e vai aprender a viver
sai e vai beijar onde nos doer
foge-nos das pernas nuas e doridas
foge-nos das mãos frias e cansadas
foge, se a pele nos quer endurecer.
Neste querer, da alma faz-se mulher
e alma menina que, assim, também sou
fugida do corpo meu que não me abraçou
tenho abraços que não obrigam a crescer
basta ser, deixam-me ser
e as nossas almas, pela doçura tocadas,
consertam mãos e pernas quebradas
não deixam a nossa pele morrer.
que nos desalma e vai
que nos desalma e sai
de nós e vai aprender a viver
sai e vai beijar onde nos doer
foge-nos das pernas nuas e doridas
foge-nos das mãos frias e cansadas
foge, se a pele nos quer endurecer.
Neste querer, da alma faz-se mulher
e alma menina que, assim, também sou
fugida do corpo meu que não me abraçou
tenho abraços que não obrigam a crescer
basta ser, deixam-me ser
e as nossas almas, pela doçura tocadas,
consertam mãos e pernas quebradas
não deixam a nossa pele morrer.
25 agosto 2011
Ponto de vista
Encontraram-se numa rua de Lisboa. Cumprimentaram-se e foram tomar café. Falaram disto e daquilo. Da curiosidade de se encontrarem e de se verem de vez em quando, por acaso. Riram-se de episódios passados do tempo em que trabalharam juntos. Era tarde e foram jantar.
Jantaram, conversaram e decidiram ir beber um copo.
No passeio à porta do restaurante, enquanto decidiam onde e como ir, António pôs um ar sério e perguntou, coçando a barba de três dias que lhe emoldurava a face:
– Posso dizer-te uma coisa?
António fez a pergunta olhando em frente e manteve-se assim. Alice fixou-se no perfil dele; estranhou-lhe o tom e o olhar perdido mas abanou afirmativamente a cabeça em resposta, ainda que sem grande convicção, pois, para mais, tinha a certeza que ele não a estava a ver.
– Podes – acabou por verbalizar Alice, continuando a estudar-lhe o recém-adquirido e inesperado perfil seráfico. A mulher aguardou ainda mais um momento para que ele dissesse o que queria dizer ou para que, pelo menos, se virasse para ela mas como nada aconteceu disse, ainda com um sorriso na voz: – Podes, desde que seja qualquer coisa boa.
Alice viu-lhe as pálpebras semicerrarem por um instante, como se ele estivesse a analisar a conformação entre o que lhe queria dizer e o pedido dela, e, sem saber porquê, não gostou.
– Não sei – confessou António, virando-se para ela. Os olhares cruzaram-se e Alice não conseguiu evitar franzir o sobrolho. António explicou: – Há coisas que nós não sabemos se as outras pessoas gostam de ouvir, apesar de nós termos de as dizer.
– Se tens de dizer deixa de ser importante a minha vontade, não é? – disse Alice, desconfortável.
António voltou a olhar em frente. Alice procurou ver o que ele estava a ver.
– Sim – anuiu António. – Se eu acho que tenho mesmo de o dizer nem te devia perguntar nada. Dizia-o e pronto.
– Diz.
– Para que me interessa andar atrás de ti se depois não dou o último passo na tua direcção? – perguntou António, em tom declamatório.
– O quê?
– Para que me interessa andar atrás de ti se depois não dou o último passo na tua direcção? – repetiu António.
– Tu é que sabes. – Respondeu Alice, surpreendida, sem saber do que estavam a falar. – Andas atrás de mim?
– Ando – reconheceu António, ainda olhando em frente. – Ás vezes procuro-te nos sítios por onde andas, ainda que normalmente não te veja.
– Isso não é normal. – Não havia censura na voz dela mas também não havia espanto, o que a espantou.
– Pois não. Mas passo lá, dou voltas que não precisava, invento caminhos para cruzar as ruas em que te podia encontrar…
– Mas procuras-me ou passas?
– Passo à tua procura.
Ele olhou para ela, os olhares cruzaram-se e ambos os mantiveram.
– Mas não paras? Não ficas à minha espera? Não me procuras ver?
– Não, não e nim. – António acompanhou a resposta com um sorriso, que se esbateu por si quando concluiu: – Procuro ver-te mas na verdade não te procuro para te ver.
– Isso é tudo muito estranho. Não é normal, pois não? Tens consciência disso?
– Tenho.
– Mas às vezes encontramo-nos.
– Sim.
– Ah… Mas não é por acaso…
– Não, não é por acaso, é porque eu procuro cruzar-me contigo…
– Ah…
– E procuro-te no facebook e em blogues.
– Porquê?
António cerrou os lábios e arqueou as sobrancelhas.
– Isso é que é o pior.
– O quê?
– A resposta ao porquê – disse ele. Ela ficou a olhar para ele, interpelando-o com uma expressão quase cómica de triste perplexidade e desencanto. Ele continuou sério e solene como se o que dissesse fizesse sentido: – Porque eu não sei bem… – hesitou. – Porque eu não sei porquê – corrigiu. – Não sei mesmo, nem bem nem mal – concluiu.
– Tu és um mar de dúvidas e incertezas, não és? – perguntou ela, omitindo o “continuas” que pensou que a frase devia ter.
– Nem sempre. – António encolheu os ombros com um sorriso agarotado e disse: – Hoje dei o passo em frente.
Ela abanou a cabeça, pensou por um momento e lançou-lhe:
– Vamos ser francos e directos um com o outro?
Ele concordou de pronto:
– Sim.
– E definitivos?
Ele cerrou os lábios numa expressão convicta e empenhada e anuiu com a cabeça:
– E definitivos.
Ela deu-lhe um beijo na face, agradeceu o jantar, disse-lhe adeus e foi-se embora.
Ele ficou em silêncio a vê-la afastar-se, contemplando embevecido o seu andar, congeminando razões e ocupações que a levavam a despedir-se assim, certo que a coisa correra bem.
Jantaram, conversaram e decidiram ir beber um copo.
No passeio à porta do restaurante, enquanto decidiam onde e como ir, António pôs um ar sério e perguntou, coçando a barba de três dias que lhe emoldurava a face:
– Posso dizer-te uma coisa?
António fez a pergunta olhando em frente e manteve-se assim. Alice fixou-se no perfil dele; estranhou-lhe o tom e o olhar perdido mas abanou afirmativamente a cabeça em resposta, ainda que sem grande convicção, pois, para mais, tinha a certeza que ele não a estava a ver.
– Podes – acabou por verbalizar Alice, continuando a estudar-lhe o recém-adquirido e inesperado perfil seráfico. A mulher aguardou ainda mais um momento para que ele dissesse o que queria dizer ou para que, pelo menos, se virasse para ela mas como nada aconteceu disse, ainda com um sorriso na voz: – Podes, desde que seja qualquer coisa boa.
Alice viu-lhe as pálpebras semicerrarem por um instante, como se ele estivesse a analisar a conformação entre o que lhe queria dizer e o pedido dela, e, sem saber porquê, não gostou.
– Não sei – confessou António, virando-se para ela. Os olhares cruzaram-se e Alice não conseguiu evitar franzir o sobrolho. António explicou: – Há coisas que nós não sabemos se as outras pessoas gostam de ouvir, apesar de nós termos de as dizer.
– Se tens de dizer deixa de ser importante a minha vontade, não é? – disse Alice, desconfortável.
António voltou a olhar em frente. Alice procurou ver o que ele estava a ver.
– Sim – anuiu António. – Se eu acho que tenho mesmo de o dizer nem te devia perguntar nada. Dizia-o e pronto.
– Diz.
– Para que me interessa andar atrás de ti se depois não dou o último passo na tua direcção? – perguntou António, em tom declamatório.
– O quê?
– Para que me interessa andar atrás de ti se depois não dou o último passo na tua direcção? – repetiu António.
– Tu é que sabes. – Respondeu Alice, surpreendida, sem saber do que estavam a falar. – Andas atrás de mim?
– Ando – reconheceu António, ainda olhando em frente. – Ás vezes procuro-te nos sítios por onde andas, ainda que normalmente não te veja.
– Isso não é normal. – Não havia censura na voz dela mas também não havia espanto, o que a espantou.
– Pois não. Mas passo lá, dou voltas que não precisava, invento caminhos para cruzar as ruas em que te podia encontrar…
– Mas procuras-me ou passas?
– Passo à tua procura.
Ele olhou para ela, os olhares cruzaram-se e ambos os mantiveram.
– Mas não paras? Não ficas à minha espera? Não me procuras ver?
– Não, não e nim. – António acompanhou a resposta com um sorriso, que se esbateu por si quando concluiu: – Procuro ver-te mas na verdade não te procuro para te ver.
– Isso é tudo muito estranho. Não é normal, pois não? Tens consciência disso?
– Tenho.
– Mas às vezes encontramo-nos.
– Sim.
– Ah… Mas não é por acaso…
– Não, não é por acaso, é porque eu procuro cruzar-me contigo…
– Ah…
– E procuro-te no facebook e em blogues.
– Porquê?
António cerrou os lábios e arqueou as sobrancelhas.
– Isso é que é o pior.
– O quê?
– A resposta ao porquê – disse ele. Ela ficou a olhar para ele, interpelando-o com uma expressão quase cómica de triste perplexidade e desencanto. Ele continuou sério e solene como se o que dissesse fizesse sentido: – Porque eu não sei bem… – hesitou. – Porque eu não sei porquê – corrigiu. – Não sei mesmo, nem bem nem mal – concluiu.
– Tu és um mar de dúvidas e incertezas, não és? – perguntou ela, omitindo o “continuas” que pensou que a frase devia ter.
– Nem sempre. – António encolheu os ombros com um sorriso agarotado e disse: – Hoje dei o passo em frente.
Ela abanou a cabeça, pensou por um momento e lançou-lhe:
– Vamos ser francos e directos um com o outro?
Ele concordou de pronto:
– Sim.
– E definitivos?
Ele cerrou os lábios numa expressão convicta e empenhada e anuiu com a cabeça:
– E definitivos.
Ela deu-lhe um beijo na face, agradeceu o jantar, disse-lhe adeus e foi-se embora.
Ele ficou em silêncio a vê-la afastar-se, contemplando embevecido o seu andar, congeminando razões e ocupações que a levavam a despedir-se assim, certo que a coisa correra bem.
24 agosto 2011
De pau feito
É fácil de adivinhar a razão do enorme sucesso do Pinóquio entre as raparigas de várias gerações.
Inventei...
Inventei
o teu beijo no meu ombro,
sim, eu ainda procuro
memórias que não inventei
da tua mão no meu cabelo.
No teu colo sosseguei
e inventei,
e da minha casa fiz castelo,
sim, inventei uma verdade
para enganar esta saudade,
um corpo molhado de pesadelo
que no teu rosto acalmei.
Inventei-te
num sussurro de peito aberto,
num suspiro intenso, nu, descoberto,
e canoas nos meus olhos
inventaram mar nos teus dedos,
mas não veio a onda e chorei.
Inventei-te,
e tanto que te esperei,
meu amor, que já nem sei
se apenas te inventei.
o teu beijo no meu ombro,
sim, eu ainda procuro
memórias que não inventei
da tua mão no meu cabelo.
No teu colo sosseguei
e inventei,
e da minha casa fiz castelo,
sim, inventei uma verdade
para enganar esta saudade,
um corpo molhado de pesadelo
que no teu rosto acalmei.
Inventei-te
num sussurro de peito aberto,
num suspiro intenso, nu, descoberto,
e canoas nos meus olhos
inventaram mar nos teus dedos,
mas não veio a onda e chorei.
Inventei-te,
e tanto que te esperei,
meu amor, que já nem sei
se apenas te inventei.
23 agosto 2011
Axiomas avulsos
Uma das razões que leva os homens a comprar sexo é que eles preferem sexo sem romance, coisa que as mulheres, de um modo geral, não estão dispostas a proporcionar-lhes gratuitamente.
Uma das razões que leva as mulheres a comprar sexo é que elas preferem sexo com romance, coisa que os homens, de um modo geral, não estão dispostos a proporcionar-lhes gratuitamente.
Em tempos de crise, se calhar valia a pena pensar nisto… é que se a malta arranjasse maneira de se entender, era mesmo uma grande poupança…
[blog Libélula Purpurina]
Gargalhada
Confunde-se a gargalhada
com a inevitabilidade
premente
de te reforçar
as palavras:
esforço sem sucesso,
tomada a voz
pelo calor exausto
do sexo do dia antes
de hoje.
Adormeço por fim,
tomando a tua boca
em 12 graus e meio
de saudades!
Poesia de Paula Raposo
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