Encontraram-se numa rua de Lisboa. Cumprimentaram-se e foram tomar café. Falaram disto e daquilo. Da curiosidade de se encontrarem e de se verem de vez em quando, por acaso. Riram-se de episódios passados do tempo em que trabalharam juntos. Era tarde e foram jantar.
Jantaram, conversaram e decidiram ir beber um copo.
No passeio à porta do restaurante, enquanto decidiam onde e como ir, António pôs um ar sério e perguntou, coçando a barba de três dias que lhe emoldurava a face:
– Posso dizer-te uma coisa?
António fez a pergunta olhando em frente e manteve-se assim. Alice fixou-se no perfil dele; estranhou-lhe o tom e o olhar perdido mas abanou afirmativamente a cabeça em resposta, ainda que sem grande convicção, pois, para mais, tinha a certeza que ele não a estava a ver.
– Podes – acabou por verbalizar Alice, continuando a estudar-lhe o recém-adquirido e inesperado perfil seráfico. A mulher aguardou ainda mais um momento para que ele dissesse o que queria dizer ou para que, pelo menos, se virasse para ela mas como nada aconteceu disse, ainda com um sorriso na voz: – Podes, desde que seja qualquer coisa boa.
Alice viu-lhe as pálpebras semicerrarem por um instante, como se ele estivesse a analisar a conformação entre o que lhe queria dizer e o pedido dela, e, sem saber porquê, não gostou.
– Não sei – confessou António, virando-se para ela. Os olhares cruzaram-se e Alice não conseguiu evitar franzir o sobrolho. António explicou: – Há coisas que nós não sabemos se as outras pessoas gostam de ouvir, apesar de nós termos de as dizer.
– Se tens de dizer deixa de ser importante a minha vontade, não é? – disse Alice, desconfortável.
António voltou a olhar em frente. Alice procurou ver o que ele estava a ver.
– Sim – anuiu António. – Se eu acho que tenho mesmo de o dizer nem te devia perguntar nada. Dizia-o e pronto.
– Diz.
– Para que me interessa andar atrás de ti se depois não dou o último passo na tua direcção? – perguntou António, em tom declamatório.
– O quê?
– Para que me interessa andar atrás de ti se depois não dou o último passo na tua direcção? – repetiu António.
– Tu é que sabes. – Respondeu Alice, surpreendida, sem saber do que estavam a falar. – Andas atrás de mim?
– Ando – reconheceu António, ainda olhando em frente. – Ás vezes procuro-te nos sítios por onde andas, ainda que normalmente não te veja.
– Isso não é normal. – Não havia censura na voz dela mas também não havia espanto, o que a espantou.
– Pois não. Mas passo lá, dou voltas que não precisava, invento caminhos para cruzar as ruas em que te podia encontrar…
– Mas procuras-me ou passas?
– Passo à tua procura.
Ele olhou para ela, os olhares cruzaram-se e ambos os mantiveram.
– Mas não paras? Não ficas à minha espera? Não me procuras ver?
– Não, não e nim. – António acompanhou a resposta com um sorriso, que se esbateu por si quando concluiu: – Procuro ver-te mas na verdade não te procuro para te ver.
– Isso é tudo muito estranho. Não é normal, pois não? Tens consciência disso?
– Tenho.
– Mas às vezes encontramo-nos.
– Sim.
– Ah… Mas não é por acaso…
– Não, não é por acaso, é porque eu procuro cruzar-me contigo…
– Ah…
– E procuro-te no facebook e em blogues.
– Porquê?
António cerrou os lábios e arqueou as sobrancelhas.
– Isso é que é o pior.
– O quê?
– A resposta ao porquê – disse ele. Ela ficou a olhar para ele, interpelando-o com uma expressão quase cómica de triste perplexidade e desencanto. Ele continuou sério e solene como se o que dissesse fizesse sentido: – Porque eu não sei bem… – hesitou. – Porque eu não sei porquê – corrigiu. – Não sei mesmo, nem bem nem mal – concluiu.
– Tu és um mar de dúvidas e incertezas, não és? – perguntou ela, omitindo o “continuas” que pensou que a frase devia ter.
– Nem sempre. – António encolheu os ombros com um sorriso agarotado e disse: – Hoje dei o passo em frente.
Ela abanou a cabeça, pensou por um momento e lançou-lhe:
– Vamos ser francos e directos um com o outro?
Ele concordou de pronto:
– Sim.
– E definitivos?
Ele cerrou os lábios numa expressão convicta e empenhada e anuiu com a cabeça:
– E definitivos.
Ela deu-lhe um beijo na face, agradeceu o jantar, disse-lhe adeus e foi-se embora.
Ele ficou em silêncio a vê-la afastar-se, contemplando embevecido o seu andar, congeminando razões e ocupações que a levavam a despedir-se assim, certo que a coisa correra bem.