04 outubro 2011
Fogo lento
Continuo a tentar
morder o vento
porque enquanto tento
continuo a tentar
Inspiro e hei-de levar-to
aqui dentro, hei-de voar
com ele, deixar-te entrar
em mim, como fogo lento
Continuo a tentar
porque enquanto tento
eu até invento
que te deixo entrar.
morder o vento
porque enquanto tento
continuo a tentar
Inspiro e hei-de levar-to
aqui dentro, hei-de voar
com ele, deixar-te entrar
em mim, como fogo lento
Continuo a tentar
porque enquanto tento
eu até invento
que te deixo entrar.
Ilusionista
Não pensei que fosse cedo,
nem tarde:
nunca julguei que houvesse
pressa em chegar,
pressa em partir.
Calculei que o meu tempo
seria o teu,
enganando-me - mais uma vez -
nas linhas do teu sorriso.
Ilusionista do amor:
fizeste-o e mais nada.
Poesia de Paula Raposo
Aqui está o segundo video de apresentação da minha colecção
Muito obrigada mais uma vez, Miss Joana Well, Luís Gaspar, Joana Moura e Bill Evans!
E já está na forja mais um video com um poema do Jorge Castro (OrCa)... e depois ainda outro, com um texto também dele. Todos pela voz de ouro do Luís Gaspar.
O primeiro video ainda pode ser visto aqui.
E já está na forja mais um video com um poema do Jorge Castro (OrCa)... e depois ainda outro, com um texto também dele. Todos pela voz de ouro do Luís Gaspar.
«Carícias ao nosso olhar» - a funda São from São Rosas on Vimeo.
O primeiro video ainda pode ser visto aqui.
03 outubro 2011
O Perceve de que Falo, Umbelina...
Após o episódio de Aveiro posto em post, cumpre-me dizer algumas palavras a propósito.
O mais importante de tudo foi o que a Umbelina conseguiu: desassossegar! Desassossegar que neste contexto se casa com o sentido esotérico que Pessoa utilizou e que significa "despertar, acordar, revelar", muito mais do que propriamente "incomodar". Mas este incomodar foi quiçá algo de cuja importância irei agora dar corpo de texto.
O culto do Falo era muito importante no nosso território, principalmente em toda a orla marítima. E as nascentes mágicas da região de Óbidos desempenhavam um papel fulcral neste culto.
As análises científicas feitas às águas dessas nascentes demonstraram o que há milénios os povos por cá sabiam: aquelas águas tinham, entre outras propriedades curativas, a particularidade de tratarem as situações de infertilidade e de potenciarem a libido dos seus frequentadores.
A Cristianização utilizou a técnica da tenaz para fazer tábua rasa de todos os cultos fálicos, substituindo o Falo pelo Deus Pai, restando apenas aqui e ali algumas referências no léxico comum e na gastronomia, como por exemplo as caralhotas e os doces de são Gonçalo, entre outros semelhantes na faixa litoral oeste do país, onde destaco a distinção feita a Santo Antão, que é chamado de São Chouriço...
A técnica da religião dominante é simples: nas primeiras fases da Cristianização, Cristo é apenas mais um entre os muitos Deuses. Os cultos "pagãos" são tolerados e, durante algum tempo - gerações inteiras, por vezes - estes misturam-se na iconografia Cristã e, assim, ainda são visíveis em inúmeros testemunhos imortalizados em pedra lavrada e que escaparam às ondas purificadoras que de vez em quando assomam a Humanidade.
A pouco e pouco, com muito trabalho de púlpito e aproveitando as situações, um a um, os deuses antigos vão cedendo lugar aos santos. De forma geral, quando se estuda a vida dos santos descobre-se como os locais de culto dedicados a eles substituem santuários desses antigos deuses e as propriedades deles são absorvidas pela nova referência, a nova santidade. Não nos devemos espantar com a enorme quantidade de santos surgidos na Idade Média, pois foi nessa época que foi travada a maior e mais importante tarefa de absorção dos cultos ancestrais e a diabolização de outros.
O culto fálico foi um destes. Embora tenha persistido em alguns locais da Europa até ao século XIX, em praticamente todos os locais este foi extinto e os seus seguidores perseguidos.
O sexo foi despromovido e relegado ao mundo do pecado e do impuro. Embora na linguagem se continue a utilizar o "caralho" como muleta e partícula enfática - e isto de forma inconsciente, sem propósito intencional - a exibição do símbolo do Falo, outrora considerado como sendo um elemento de bom augúrio, passou a ser visto como ofensivo e atentado ao pudor.
Contudo, o culto fálico não morreu - nem morrerá, obviamente - mantendo-se com toda a força na nossa psicologia colectiva.
O facto da exibição deste no mercado em Aveiro ter incomodado tanto demonstra o tremendo poder da sua imagética e o incómodo mais não é do que o fazer vir ao cimo e o descompactar de um mundo de valores naturais e eternos que chocam com todo um outro conjunto de valores com que a corrente religiosa dominante tentou nivelar o sentir e o viver colectivo: uma sociedade supostamente assexuada, onde os nascimentos seriam produto do pecado e cada criança uma alma perdida e condenada às eternas fogueiras dos infernos, antes do sacramento do baptismo. Este mal estar perante o sexo, algo tão natural e maravilhoso, está presente em muitas camadas da população e neste particular é de dar os parabéns aos que ao longo dos séculos tão bem conseguiram dominar pelo medo.
No entanto, por nos ser incontornável, por sermos nascido do sexo, e de ser esta a nossa condição enquanto homens e mulheres, o seu culto irá encontrar de novo o seu lugar. De uma forma natural, como naturais são os Menires que por toda a costa marcavam esta terra de magia, a Terrea Ophiussa...
Charlie - blog Cartas sem valor
(autor de um estudo em preparação sobre a religião e o culto fálico na região Oeste)
O mais importante de tudo foi o que a Umbelina conseguiu: desassossegar! Desassossegar que neste contexto se casa com o sentido esotérico que Pessoa utilizou e que significa "despertar, acordar, revelar", muito mais do que propriamente "incomodar". Mas este incomodar foi quiçá algo de cuja importância irei agora dar corpo de texto.
O culto do Falo era muito importante no nosso território, principalmente em toda a orla marítima. E as nascentes mágicas da região de Óbidos desempenhavam um papel fulcral neste culto.
As análises científicas feitas às águas dessas nascentes demonstraram o que há milénios os povos por cá sabiam: aquelas águas tinham, entre outras propriedades curativas, a particularidade de tratarem as situações de infertilidade e de potenciarem a libido dos seus frequentadores.
A Cristianização utilizou a técnica da tenaz para fazer tábua rasa de todos os cultos fálicos, substituindo o Falo pelo Deus Pai, restando apenas aqui e ali algumas referências no léxico comum e na gastronomia, como por exemplo as caralhotas e os doces de são Gonçalo, entre outros semelhantes na faixa litoral oeste do país, onde destaco a distinção feita a Santo Antão, que é chamado de São Chouriço...
A técnica da religião dominante é simples: nas primeiras fases da Cristianização, Cristo é apenas mais um entre os muitos Deuses. Os cultos "pagãos" são tolerados e, durante algum tempo - gerações inteiras, por vezes - estes misturam-se na iconografia Cristã e, assim, ainda são visíveis em inúmeros testemunhos imortalizados em pedra lavrada e que escaparam às ondas purificadoras que de vez em quando assomam a Humanidade.
A pouco e pouco, com muito trabalho de púlpito e aproveitando as situações, um a um, os deuses antigos vão cedendo lugar aos santos. De forma geral, quando se estuda a vida dos santos descobre-se como os locais de culto dedicados a eles substituem santuários desses antigos deuses e as propriedades deles são absorvidas pela nova referência, a nova santidade. Não nos devemos espantar com a enorme quantidade de santos surgidos na Idade Média, pois foi nessa época que foi travada a maior e mais importante tarefa de absorção dos cultos ancestrais e a diabolização de outros.
O culto fálico foi um destes. Embora tenha persistido em alguns locais da Europa até ao século XIX, em praticamente todos os locais este foi extinto e os seus seguidores perseguidos.
O sexo foi despromovido e relegado ao mundo do pecado e do impuro. Embora na linguagem se continue a utilizar o "caralho" como muleta e partícula enfática - e isto de forma inconsciente, sem propósito intencional - a exibição do símbolo do Falo, outrora considerado como sendo um elemento de bom augúrio, passou a ser visto como ofensivo e atentado ao pudor.
Contudo, o culto fálico não morreu - nem morrerá, obviamente - mantendo-se com toda a força na nossa psicologia colectiva.
O facto da exibição deste no mercado em Aveiro ter incomodado tanto demonstra o tremendo poder da sua imagética e o incómodo mais não é do que o fazer vir ao cimo e o descompactar de um mundo de valores naturais e eternos que chocam com todo um outro conjunto de valores com que a corrente religiosa dominante tentou nivelar o sentir e o viver colectivo: uma sociedade supostamente assexuada, onde os nascimentos seriam produto do pecado e cada criança uma alma perdida e condenada às eternas fogueiras dos infernos, antes do sacramento do baptismo. Este mal estar perante o sexo, algo tão natural e maravilhoso, está presente em muitas camadas da população e neste particular é de dar os parabéns aos que ao longo dos séculos tão bem conseguiram dominar pelo medo.
No entanto, por nos ser incontornável, por sermos nascido do sexo, e de ser esta a nossa condição enquanto homens e mulheres, o seu culto irá encontrar de novo o seu lugar. De uma forma natural, como naturais são os Menires que por toda a costa marcavam esta terra de magia, a Terrea Ophiussa...
Charlie - blog Cartas sem valor
(autor de um estudo em preparação sobre a religião e o culto fálico na região Oeste)
02 outubro 2011
Parabéns, Umbelina Barros. Pela arte e pela coragem!
E-mail que enviei agora mesmo para Umbelina Barros, a autora da instalação «A Garrafa» no Mercado do Peixe, em Aveiro, que tanta polémica deu e que foi de lá retirada, "a pedido de várias famílias" que consideram a sexualidade como algo de vergonhoso:
"Encontrei o seu contacto de e-mail através das várias notícias sobre a sua obra «A Garrafa», que me permitiram conhecer o seu blog Depois da Terra.
Colecciono arte erótica há mais de 25 anos. Tenho mais de 2.000 objectos de todo o mundo e mais de 1.600 livros na temática do erotismo e da sexualidade.
Tenho, há 8 anos, um blog dedicado ao erotismo: a funda São, em http://blog.afundasao.com.
Faço parte da Confraria do Príapo desde a sua fundação.
Procuro, há alguns anos, um espaço de exposição permanente para a minha colecção. Para mim, o local ideal para isso seria a cidade das Caldas da Rainha, pelo contexto cultural que me parece ser o mais adequado. Infelizmente, não consigo que a Câmara Municipal das Caldas da Rainha avance numa parceria comigo para a criação desse espaço, apesar de pontualmente receber sinais de interesse. Certo é que, até agora, nunca se concretizaram.
Os meus contactos com autarquias de outras cidades sempre me levaram a pensar que dificilmente entidades públicas aceitariam criar um espaço de arte erótica e que, caso o fizessem, teriam muitas vozes contra.
Tudo isto para enquadrar o que pensei quando li, na semana passada, uma notícia sobre a sua instalação no Mercado do Peixe em Aveiro: “Aquilo vai dar muito barulho, pois Aveiro não está habituada a isto”. E deu. Nada que me admire. Admiram-me, sim, tanto a sua arte como a sua coragem. Tal como a coragem que teve a vereadora da Cultura da Câmara de Aveiro. Mas duvido que tão cedo ela volte a ter ou apoiar uma iniciativa do género…
Se um dia eu conseguir um espaço de exposição permanente da minha colecção - e o que eu tenho tentado… - terei todo o prazer de apresentar esta sua instalação e outras peças suas de arte erótica, a título temporário ou permanente, assim esteja nisso interessada.
Um beijo desta sua admiradora
São Rosas"
"Encontrei o seu contacto de e-mail através das várias notícias sobre a sua obra «A Garrafa», que me permitiram conhecer o seu blog Depois da Terra.
Colecciono arte erótica há mais de 25 anos. Tenho mais de 2.000 objectos de todo o mundo e mais de 1.600 livros na temática do erotismo e da sexualidade.
Tenho, há 8 anos, um blog dedicado ao erotismo: a funda São, em http://blog.afundasao.com.
Faço parte da Confraria do Príapo desde a sua fundação.
Procuro, há alguns anos, um espaço de exposição permanente para a minha colecção. Para mim, o local ideal para isso seria a cidade das Caldas da Rainha, pelo contexto cultural que me parece ser o mais adequado. Infelizmente, não consigo que a Câmara Municipal das Caldas da Rainha avance numa parceria comigo para a criação desse espaço, apesar de pontualmente receber sinais de interesse. Certo é que, até agora, nunca se concretizaram.
Os meus contactos com autarquias de outras cidades sempre me levaram a pensar que dificilmente entidades públicas aceitariam criar um espaço de arte erótica e que, caso o fizessem, teriam muitas vozes contra.
Tudo isto para enquadrar o que pensei quando li, na semana passada, uma notícia sobre a sua instalação no Mercado do Peixe em Aveiro: “Aquilo vai dar muito barulho, pois Aveiro não está habituada a isto”. E deu. Nada que me admire. Admiram-me, sim, tanto a sua arte como a sua coragem. Tal como a coragem que teve a vereadora da Cultura da Câmara de Aveiro. Mas duvido que tão cedo ela volte a ter ou apoiar uma iniciativa do género…
Se um dia eu conseguir um espaço de exposição permanente da minha colecção - e o que eu tenho tentado… - terei todo o prazer de apresentar esta sua instalação e outras peças suas de arte erótica, a título temporário ou permanente, assim esteja nisso interessada.
Um beijo desta sua admiradora
São Rosas"
Direcção: nós!
Chegou uma multidão, assustou o silêncio.
O silêncio assusta-se assim,
é como um pássaro que pousa ao pé de nós,
não nos podemos mexer, ou olhar muito,
respirar com força, falar ou acenar.
Foi-se embora
e ficaram os ecos estranhos da multidão,
são bárbaros que tentam violar
a terra funda dos meus pensamentos.
Eu não me fui embora,
não fugi, aterrorizada da multidão,
da massa uniforme que espanta
os mais lindos e doces pássaros.
Eu não fugi porque tu estás aqui
(eu sei que pareço não olhar)
tu és a única redoma que me segue pelo mundo
e a vontade que eu tenho, por vezes, de sair dela.
O silêncio assusta-se assim,
é como um pássaro que pousa ao pé de nós,
não nos podemos mexer, ou olhar muito,
respirar com força, falar ou acenar.
Foi-se embora
e ficaram os ecos estranhos da multidão,
são bárbaros que tentam violar
a terra funda dos meus pensamentos.
Eu não me fui embora,
não fugi, aterrorizada da multidão,
da massa uniforme que espanta
os mais lindos e doces pássaros.
Eu não fugi porque tu estás aqui
(eu sei que pareço não olhar)
tu és a única redoma que me segue pelo mundo
e a vontade que eu tenho, por vezes, de sair dela.
«Sou um vencedor» - por Rui Felício
A competição, já de si, gera conflitos, inimizades. Muito mais quando o objectivo que se quer atingir é rigorosamente o mesmo.
Algo me martelava o cérebro, me impunha a obrigação irresistível de ser eu o primeiro, o único, o vencedor.
O meu objectivo era conquistar o alvo, atingi-lo em primeiro lugar, porque só assim satisfaria a desejo de duas pessoas que me eram muito queridas. De outro modo, a minha existência não tinha significado.
Tinha contra mim milhões de competidores que outra coisa não queriam senão atingir o mesmo objectivo que eu. Serem os primeiros...
Corri desenfreadamente, sem me atrever a olhar para trás. Sentia o ruído da correria dos meus competidores atrás de mim. Estava ofegante mas ao mesmo tempo contente, porque não via nenhum dos meus rivais à minha frente. Isso deu-me novas forças, novo ânimo e impulsionei ainda com mais força e velocidade a minha correria.
Subitamente, esbarrei violentamente contra uma parede. Quase desmaiei, deixei de sentir as pernas ou o que restava delas. Com a violência da pancada, furei a grossa parede e deslizei para o lado de lá, mergulhando numa massa viscosa que me atordoou e me acalmou.
Andei de mão em mão, toda a gente me acarinhava, todos queriam tocar-me nos lugares mais recônditos do meu corpo, quando nove meses depois me deixaram ver a luz do dia. Foi então que soube que aquele ser era eu, o espermatozóide que vencera a corrida.
Rui Felício
Blog Encontro de Gerações
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