Era amigo de amigos meus e assustou-me logo aquela sua indumentária de fatinho, mesmo que talhado em bom corte, mais o guardanapo de seda pendurado no pescocito. Até quando usava vestuário desportivo aquele marmelo aparentava a formalidade de quem se tinha vestido de acordo com as indicações fornecidas no convite. Nem sei mesmo como conseguia ter sempre as faces impecavelmente barbeadas como se não lhe nascessem pêlos todos os dias ou isso fosse uma intimidade indigna de ser vista. Ainda por cima, aquele gajo era de Direito, o curso que imediatamente associo a lobotomia, logo abaixo do floreado económico de Gestão. Como se isto tudo não bastasse, para compor o ramalhete, aquela alminha apenas bebia cerveja para nos acompanhar, deixando-a morrer morna que era um dó de alma e apenas fumava das nossas baforadas.
Vá se lá saber porquê, insistia em comunicar comigo. Teimava em me interromper a qualquer hora do dia para me transmitir uma sensação que tinha tido, por exemplo, ao ver um Ferrari na rua, como se fosse mais importante a comunicação das emoções do que os objectos em si. Eu pagava-lhe da mesma moeda, telefonando-lhe às tantas da noite para falar de coisas comezinhas e ele alimentava a conversa como se não precisasse de dormir ou não tivesse quinhentos dvd's para ver. Até começou a arriscar a asneira de me dar anéis ou pulseiras que não uso, com o intuito irónico de me ver sorrir no rasgar da prenda, entalada entre o agradecimento e o protesto.
Somando dois e dois, bem lapidadozinhos, percebi que gargalhava mais com ele do que com qualquer outra pessoa e que ao contrário do material corrente que por aí circula em barda, aquele gajo era capaz de amar como se isso não fosse uma velharia absurda digna de museu. Corri a ligar-lhe e no final da tarde, na esquina do ponto de encontro, pulei para beijá-lo, esborrachando-lhe os lábios, esfregando-lhe o cabelo, esmifrando-lhe as orelhas, tacteando-lhe o pescoço, puxando-lhe as nádegas contra o centro das minhas ancas e recuperando o fôlego disse-lhe: Gasta-me!