01 setembro 2012

«respostas a perguntas inexistentes (210)» - bagaço amarelo

olha-me!

Às vezes, não sei bem porquê, há pequenas insignificâncias que se escrevem na minha memória de forma tão vincada que nunca mais me esqueço delas. Como se fossem um carimbo, surgem de vez em quando no meu raciocínio sem razão aparente. Normalmente são olhares. Chego a ficar anos sem me lembrar deles, mas num determinado momento relembro-os com tal frescura que parece que foi ontem que os vi.
Lembro-me, por exemplo, de ver dois homens a segurarem uma gaivota viva em Lagos, no Algarve, durante umas férias que fiz ali em criança. Eu tinha sete anos, portanto isto foi há trinta e três. Eu ia para a praia com o meu pai e a minha mãe, e vi-os pela janela de trás do carro. Lembro-me perfeitamente que um deles tinha uma camisa vermelha e o outro uma t-shirt branca e suja. A gaivota tentava soltar-se em vão e o homem da camisa vermelha, que lhe segurava o bico e uma das asas, fitou-me prolongadamente até o carro desaparecer numa curva. Era um olhar ameaçador, pelo menos na perspectiva duma criança, e assustou-me.
Outra memória é de há dezassete anos, numa esplanada em Praga, na República Checa, onde me sentei para beber uma cerveja com uma brasileira que tinha acabado de conhecer. Pois bem, nessa tarde em que nos sentámos na esplanada, numa outra mesa estava uma criança com uma máscara de caveira que nunca deixou de olhar para mim. Devo ter estado ali sentado quase uma hora com a máscara sempre a olhar na minha direcção. Fiquei de tal forma incomodado com aquilo que a certa altura me levantei e dirigi-me a ela. A criança fugiu, desaparecendo por entre a multidão de Národní Trída, e os adultos que estavam na mesma mesa nem sequer se mexeram. Só aí é que percebi que nem sequer eram parentes. Nunca mais a vi, mas também nunca mais me esqueci.
Já reconheci estes dois olhares várias vezes na minha vida noutras pessoas e situações. O olhar ameaçador do homem que prendia a gaivota e o olhar quieto, ameaçador e escondido da máscara daquela criança checa. Reconheci-os em entrevistas para empregos, nas alas de segurança de vários aeroportos ou em simples balcões de atendimento público. Reconheço-os por aí de vez em quando, e é quando os torno a lembrar como se fossem uma recordação de ontem.
Memorizo de tal forma alguns olhares que já pensei em catalogá-los por níveis de ameaça e de Amor. É só uma brincadeira, claro, mas ontem, enquanto tomava café, fiz uma tabela numa folha com vários olhares de que não me esqueço, incluindo os dois que já referi, e estabeleci para cada um deles uma intensidade emocional. Tenho lá olhares com apenas alguns meses e outros com muitos anos. O olhar da minha mãe quando me encontrou depois de eu ter fugido de casa em criança, que deve ter uns trinta e dois anos; o olhar da minha filha ao meu colo, em bebé, que tem onze anos; o olhar da Raquel quando me apaixonei por ela, que tem três anos e meio. Enfim, defini ao todo mais de quarenta olhares de que não me esqueço.
Acabei de beber o café e pedi uma cerveja. Estava só num bar em Aveiro e fui deixando o tempo passar enquanto olhava fixamente pela janela. Ainda tinha o meu moleskine aberto na tabela dos olhares quando, a duas mesas de mim, uma mulher e um homem começaram a discutir. Era nitidamente um discussão conjugal e, apesar de ela tentar falar baixo, ouvia-se nitidamente tudo o que dizia. Ele estava calado como uma criança envergonhada, de olhos postos no chão.
Acrescentei esse olhar à minha tabela. Era um olhar fugitivo, um olhar para o chão para não enfrentar a discussão. Um olhar de quem já Amou mas agora vê esse Amor como uma armadilha. Está preso, quer sair e não sabe como. Já se esqueceu do que é o Amor. E foi isso que escrevi.


bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»

Taça metálica com publicidade

Taça de publicidade aos «douches Queroy», que pode servir de cinzeiro ou de "vide-poche" (para guardar objectos da algibeira... e, a partir de agora, outros objectos da minha colecção).


Um sábado qualquer... - «7 Pecados»




Um sábado qualquer...

31 agosto 2012

«O nada, o infinito e o foda-se» - João

"Foi entre garfadas de arroz com maionese de wasabi que olhei para duas crianças que estavam sentadas não muito longe, acompanhadas pelos pais, levando-me a comentar o corte de cabelo delas – as crianças -, pente zero ou perto de zero de lado, e em cima cabelo comprido como que lambido por uma vaca. Comentei: já viste o cabelo daqueles rapazes? Aquilo está muito para lá de um corte de cabelo “à foda-se”.
Nessa altura desceu em mim uma revelação. Tive uma epifania. Estamos limitados pelo foda-se. Na verdade, o foda-se é como o limite do Universo. Para lá do foda-se só está o vazio, o nada, o “não ser”. Em suma, o foda-se marca o limite. Para lá dele, verbos como ser e estar não se aplicam. São as trevas.
A língua portuguesa é extremamente rica. Tanto, que é possível dar-lhe grandes pontapés e ainda assim parecer selecto na escrita, é possível usar as entrelinhas para lá esconder palavras preciosas que pouca gente consegue ler. Na língua portuguesa tudo se diz, tudo se faz, e com grande qualidade. Mas não se conhece palavra que substitua ou vá além de um foda-se quando toca a qualificar o limite de alguma coisa. Quando tudo está perdido, está tudo fodido. Mas, se nos precipitarmos e dissermos que está tudo fodido antes de a coisa piorar, como fazemos? Há mais alguma coisa para lá de fodido? Se vemos algo de inacreditável exclamamos um sonoro foda-se. Mas e se logo a seguir virmos algo ainda mais inacreditável? O foda-se está gasto. Há alguma coisa que possa dizer-se a seguir a um incrédulo foda-se que o ultrapasse? Que lhe adicione dimensão? Valor? Não. O foda-se é um limite intransponível. Não há como estar mais fodido do que fodido. Uma foda não é cumulativa. Nós não estamos pouco ou muito fodidos. Estamos fodidos e pronto! Ninguém diz “estou muito fodido”. Ninguém diz “foda-se esta foda”. Não. Há a normalidade, há o momento do foda-se, e há o silêncio.
O cabelo das pobres criancinhas, como que lambidas pela língua de uma vaca, não pode estar para lá de um cabelo “à foda-se”. Seja isso o que for – as explicações variam -, um cabelo “à foda-se” é o limite. Se o delas, ao meu olhar, me pareceu incrível, terá sido isso, ou até menos, mas nunca além de.
O ridículo não conhece limites. A estupidez não conhece limites. Há muitas coisas que, comprovadamente, não conhecem limites. A foda sim, a foda conhece limites. A foda é o limite."

João
Geografia das Curvas

A posta da cabeça aos pés


Ela: Porque insistes em mimar-me tanto com palavras?
Ele: Foi a única solução que os meus lábios encontraram para beijar uma parte dos teus encantos que lhes está inacessível.

Axe Hair - «Office Love»

Muito bom!

Amor com amor...




Meninas WTF

30 agosto 2012

Gata em telhado...


Gabriela, telenovela da Rede Globo, de 1975
(adaptação televisiva do romance Gabriela, Cravo e Canela, de Jorge Amado)

blog A Pérola

«A Giocona» - Patife

Sempre gostei muito de Paris. Muito provavelmente terei sido influenciado pela primeira visita à Cidade Luz. Estava eu a visitar o Louvre e fiquei estático a ver o sorriso enigmático da Gioconda, essa obra menor do Leonardo. Não por causa da tela, mas porque uma italiana estava completamente excitada por estar a um metro de distância do quadro renascentista. Conversa puxa conversa erudita sobre obras de arte e acabámos a ver o Louvre acompanhados. Ela era estudante de belas artes e eu já nessa altura era um franco apreciador quer de belas quer de artes. Íamos passando de ala em ala, de época em época, de autor em autor, e ela não parava de falar no raio da Gioconda. Não pude deixar de ficar intrigado com a sua obsessão pela dita. E como não sou de ficar intrigado decidi aprofundar a questão. Puxei dos galões e comecei a falar das obras com uma erudição forjada, mas com tal convicção que facilmente passaria por um crítico de arte. Há qualquer coisa que deixa as mulheres imediatamente molhadas perante um homem com interesses culturais. No final do dia disse-lhe que eu próprio era uma espécie de artista e que lhe queria mostrar a minha arte. Fomos para o quarto da albergaria antiga para eu lhe mostrar a minha veia artística na pinocada e para tentar descobrir a sua obsessão pela Mona. Qual não é o meu espanto quando, ao retirar as cuecas da lambisgoia, me deparo com uma pachachinha que parecia sorrir de forma tão ou mais enigmática que a Gioconda. Uma autêntica Giocona. Ainda assim pareceu-me uma obra inacabada, por isso, qual Da Vinci, saquei do meu pincel e dei-lhe uns retoques com uma habilidade capaz de criar um autêntico renascimento orgásmico.

Patife
Blog «fode, fode, patife»

Quatro bons motivos para não comprar um Smart... ou serão oito?!


... me dê toda a coragem que puder

... e não me falte forças pra lutar...



Quem nunca?

Capinaremos.com

29 agosto 2012

pétreo

(...) Tesões estalam. Minhas bocas abertas. Resplandecente. Gritando. Desenfeixam-se membros erectos nos bravos delírios de um ventre. Acendem-se camas embrionárias e tornam-se geometricamente vermelhas, nos bosques do erotismo, onde crescem jardins leves e ardentes, em buracos fortes, pulsantes ao som firme, nas frutas redondas que descem em bocas maduras. Numa elegância violenta. Magnífica. Expelida nos coitos e nos anais do mundo.(...)

Luisa Demétrio Raposo

«chuva» - bagaço amarelo

Encontrei este anúncio quando pesquisava, na internet, a história duma das marcas mais emblemáticas de sempre para quem gosta de equipamento de fotografia e cinema vintage: a Bell & Howell. Em 1959, ano da revolução cubana, a Sabrina apresentava assim o novo projector de slides desta marca americana. Sinceramente, a esta distância temporal, não estou a ver quem é a Sabrina, mas percebo imediatamente a sua escolha para esta publicidade muito pouco subtil. É que os projectores de diapositivos não devem apanhar chuva. Só pode ser por isso...


bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»