Ele
encaminhou-se vagarosamente para ela e disse-lhe: “Podíamos ser felizes.” Ela
levantou as sobrancelhas e esperou a frase seguinte. Ele agarrou nas costas da
cadeira vazia que estava ao lado da dela e perguntou: “Posso-me sentar?” Ela
lembrou-se das sobrancelhas e baixou-as, primeiro a esquerda e depois, com
cuidado, a direita, olhou para a cadeira vazia e para os dedos dele a agarrá-la
e encolheu os ombros. “És de alguma igreja?”, perguntou-lhe. Ele estranhou a
pergunta e largou a cadeira, mas só depois de a puxar para si, criando um
espaço entre aquela e a mesa onde cabia perfeitamente. “Com licença”, sussurrou
ele enquanto flectia as pernas para se sentar. Pela forma desenvolta com o que
o fez, ela percebeu que ele já o havia feito antes mas, na realidade, não
pensou nisso. “Não” respondeu ele, já sentado. “Porque perguntas?” Ela tornou a
encolher os ombros ainda que só até meio pois, quando se apercebeu que o fazia,
decidiu não o fazer. “Não sei” disse ela. “Achei que a tua frase tinha qualquer
coisa de religioso, sei lá…” Ele sorriu. “Já te tenho visto, sabes?” “Sei.” As
respostas rápidas, curtas e secas embaraçavam-no: a resposta dela fê-lo hesitar.
“Também me tens visto?” perguntou ele, coçando com excessivo vigor a barba rala
na bochecha esquerda com as unhas. “Vai ficar marcado” apontou ela,
literalmente, fazendo-o parar. O empregado de serviço à esplanada aproximou-se
e perguntou se ele queria alguma coisa, ele disse que sim e pediu qualquer
coisa. “E tu, queres mais alguma coisa?” perguntou ele, fazendo sinal ao
empregado para esperar. Ela quis o mesmo que ele mas na negativa. O empregado
afastou-se. “E, afinal, porque, ou como, é que podemos ser felizes?” Ela fez
uma pausa em cada uma das virgulas e mastigou o “felizes” e ele pensou que ela
estivesse a rezar ou coisa parecida e não respondeu, ela insistiu: “Então?” Ele
olhou para ela e depois para o empregado que trazia aquilo que ele tinha
pedido. “Então, o quê?” perguntou ele. Meio encolhido, o empregado pousou o
pedido e tornou a afastar-se. Ela repetiu: “Porque, ou como, é que podemos ser
felizes?” “Ah!” Exclamou ele, abrindo um sorriso. “Não tinha percebido a
pergunta”, confessou. “E?” “Conhecendo-nos.” “Eu já me conheço”, disse ela, com
ar sério. O empregado pousou a bandeja vazia no balcão, deitou o olho às pernas
nuas que se viam abaixo da mini-saia que a colega atrás do balcão usava para andar
e disse: “São sete horas.” A colega parou de movimentar bolos com uma tenaz de
uns tabuleiros para outros, olhou para o relógio da parede e confirmou a
informação horária que o colega tão diligentemente lhe transmitira enquanto
pensava no que veria se ela levantasse a mini-saia. “Eu hoje tenho de sair
agora. Já te tinha dito”, disse o empregado. “A esplanada está paga?”,
perguntou ela. “Tu hoje tens o quê?” “Tenho o quê de quê?” “O que é que tens?”
Ela riu-se. “Deves pensar…” disse, levantando a tenaz dos bolos a meia altura e
esticando o braço e a mão na direcção dele. Abriu e fechou a tenaz várias vezes
e ameaçou: “Tu querias era ser apertado. Bem apertadinho.” O empregado confirmou
que não se importava de ser seviciado daquela forma por ela com caretas e acenos
de cabeça e esticou-se por cima do balcão para a ver melhor. Ela olhou para a
sala vazia, depois para a porta aberta, deu dois passos para a esquerda,
afastando-se dele e do balcão expositor envidraçado, ficando protegida pelo
balcão frigorífico e, sem largar a tenaz, levantou a mini-saia, deu uma volta rápida
sobre si própria, baixou a saia e perguntou: “Satisfeito?