15 maio 2013

«Dos cinzentos deslizantes» - João

"Para mim a vida era simples de categorizar. Ou era branca, ou era preta. Não havia segredo. Nem truque. Nem nada além disto. Tomava-se uma posição e ficava-se nela. Como facções. Ou estávamos de um lado, ou contra ele. Branco. Preto. Como tabuleiros de xadrez. Estava errado. Com o tempo vim a entender que a vida não se faz de brancos e pretos. É como as probabilidades. As probabilidades oscilam entre zero e um, entre a impossibilidade e a certeza. Mas nunca temos a certeza de nada. Nem a certeza da certeza, nem a certeza da impossibilidade. As probabilidades são, para mim, cinzentos da matemática, assim como os dias que vivemos, entre o momento em que acordamos até à cama onde nos deitamos ao fim do dia, são os cinzentos da vida. Contas feitas, matemática esgotada, os brancos e os pretos não existem. Só existem cinzentos. Uns muito claros, que quase parecem brancos, e outros, muito escuros, que quase nos parecem pretos. E, entre eles, um infinito de gradações em que nos movemos.
Uma existência a branco e preto é conveniente a superegos muito dominantes. No domínio da moral, quando a moral nos pesa para além de um núcleo indispensável, com demasiadas excrescências, com coisas que não são inteiramente nossas, os brancos e os pretos dão jeito. São confortáveis. As coisas ou são, ou não são. Não temos de testar o nosso superego. Não o colocamos à prova. Conformamo-nos. É um aborrecimento ter de assumir que a vida tem cinzentos. Dá trabalho. Obriga-nos a olhar para dentro, a questionar aquilo em que acreditamos. Provavelmente com medo. Porque tantos anos seguidos a alimentar um superego, choca perceber que ele é, porventura, mais pesado do que precisa. Chocará perceber que deitar uma boa parte dele fora não nos torna piores, não faz de nós seres amorais, não nos retira coluna, pilares, princípios. Apenas nos torna mais adaptáveis aos imprevistos. Permite-nos deixar falar mais o id, permite-nos um ego mais solto, permite-nos inalar o cheiro da vida a plenos pulmões.
Julgo que somos ensinados, muitos de nós, a suprimir o id. É-nos dito que o id é coisa geradora de pecado, que não é suposto a vida ter piada, que apenas os domínios do ego e do superego devem ser alimentados, que o instinto, que o desejo mais primário, é fonte de perigos e contratempos. E isso gera, inevitavelmente, gente branca. E gente preta. E gente sem graça. A vida está nos cinzentos, digo-vos. É neles que apetece deslizar. É neles que está o sumo dos dias. E o truque, afinal, é meter tudo no lugar certo. Não deixar nenhum deles abafar-nos ao ponto de nos tornar tristes e frios. Soltar o id nesses cinzentos, e esquecer os brancos, esquecer os pretos. Porque não existem."

João
Geografia das Curvas

«conversa 1972» - bagaço amarelo

-Lembras-te de mim? - Perguntou-me ela.

Lembrava mas, tal como ela, também eu tinha dúvidas que ela se lembrasse de mim. As memórias são apenas a paisagem dum caminho estreito, que percorremos sós. Assim, por um momento, fiquei a olhar para o meu passado sem lhe ver o horizonte.

- Claro que lembro. Que patetice, então não me havia de lembrar? - Mas não era uma patetice.

Ela calou-se e fitou-me nos olhos, como se procurasse alguma coisa escondida em mim. Acho que sempre que perdemos alguma coisa noutra pessoa, os olhos são o primeiro sítio onde a vamos procurar. Deixei-me estar quieto, a ver o primeiro sinal de desilusão no seu rosto. O que quer que fosse que ela queria ver, não viu. Depois veio o silêncio.

- E então, que fazes? - Perguntei.
- Estou desempregada. Trabalhei muitos anos em Setúbal, em várias coisas...
- Eu também estou desempregado. Trabalhei sempre cá por cima, com alguns intervalos para trabalhos no estrangeiro...

Mas as palavras iam morrendo pouco a pouco, como que intoxicadas pelo desinteresse da banalidade. Temos os dois mais de quarenta anos e não nos víamos desde a adolescência, numa noite qualquer de Verão. Na verdade, foi essa a única noite em que a vi, e só me lembro que ficámos para trás de um grupo de vários amigos comuns que iam a uma discoteca qualquer. Passámos horas numa praia qualquer do Alentejo, onde fizemos da areia a nossa cama e do som do mar a nossa conversa.
Ela tornou a fitar-me nos olhos.

- Apaixonaste-te muitas vezes, desde então?
- Duas ou três. - respondi.
- Duas ou três?! Tens sorte.
- Sorte?! Porquê?!
- Eu já lhe perdi a conta...


bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»

A dois

Vejo-nos nas páginas de um livro onde incógnitos nos vestimos personagens nos corpos que despimos em segredo guardado a dois.

Há puzzles que não têm solução... e até podem ter peças a mais

Crica para veres toda a história
Rata puzzle


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14 maio 2013

«The Next Day» - David Bowie a brincar com o fogo divino

Lia-se no DN no dia 8 de Maio:
"«Este vídeo foi removido porque o seu conteúdo viola os termos de utilização do YouTube». Esta era a mensagem que aparecia ao início do dia a quem tentava ver no YouTube o novo teledisco de David Bowie, para a canção The Next Day, que pouco tempo depois de ter sido disponibilizado nesta plataforma foi retirado.
Todavia, passadas umas horas os responsáveis pelo YouTube voltaram atrás nesta decisão e voltaram a disponibilizar o teledisco, estando no entanto categorizado pelo seu conteúdo explícito.
Realizado por Floria Sigismondi (a mesma que recentemente fez o vídeo da canção The Stars [Are Out Tonight]), neste novo vídeo David Bowie contracena com Marion Cotillard e Gary Oldman. O conceito parte de uma batalha entre o sagrado e o profano e o vídeo recorre a muita da iconografia cristã. No teledisco vê-se um cardeal a pagar a uma alegada prostituta e um monge a ser açoitado. Gary Oldman veste também a pele de um padre."

Eva portuguesa - «Fresquinha»

Ora vejam bem a última artimanha que os pseudo-homens arranjaram para nos tentar enganar.
Esta é fresquinha, pois acabou de acontecer.
Ligam-me de um número anónimo e um "senhor" identifica-se como sendo jornalista da revista «Íntima»,diz um nome e continua, dizendo que estão a contactar mulheres bonitas e com experiência na área para fazerem um artigo sobre o desempenho sexual do homem.
Sem me dar tempo de argumentar, pergunta se os homens costumam exagerar no tamanho que dizem ter dos seus pénis. Sem eu responder, continua, perguntando se são muitos os homens que me procuram para ter sexo anal e para me fazer sexo oral.
Farta deste ordinário e da pouca esperteza dele ao tentar passar-me a mim um atestado de estupidez, respondo: "Está a ligar
-me de um número privado para uma entrevista para um artigo com perguntas íntimas e quer que eu acredite e confie?!..."
Resposta do outro lado: tututututututututututu.

Eva
blog Eva portuguesa - porque o prazer não é pecado

«pudesse eu conhecer a força dos trigais, semente» - Susana Duarte

pudesse eu conhecer a força dos trigais, semente
escondida nas névoas das casas e dos beirais das ondas...onde
sorrisos erguem muros, e muros destroem casas...pudesse eu
saber da força das papoilas, rubras-serenas-frágeis papoilas,

e as águias seriam voos lentos de olhares incautos, e os cantos,
apenas entoações das alturas da alma desabrigada de si, no

silêncio

fugaz de todas as coisas que não se dizem. pudesse eu ser silêncio,
e teria asas onde os seios erguem suaves ondulações de ar

respirado, ou naufragado, ou soturno. soturno ar desabrigado das encostas
onde apoias os olhos e serenas todas as marés violentas dos dias.

Susana Duarte
Blog Terra de Encanto

A Madame do vestido roxo...

... e com o rabiosque à mostra.
Peça em barro vidrado com surpresa... apenas para quem não tem a minha experiência e instinto nestas andanças.
Encontrei-a, discreta e à minha espera, na Feira Sem Regras, junto ao Convento de Santa Clara a Velha, em Coimbra.
A partir de hoje, só mostra o rabiosque na minha colecção.



13 maio 2013

Dove - «Retratos da verdadeira beleza» - agora, com os testículos

Aproveitando a campanha publicitária da Dove, já vimos aqui uma variante com humor. Agora, temos aqui outra, desta vez com... as bolas:

«respostas a perguntas inexistentes (240)» - bagaço amarelo

eu tenho dois amores, dizia ele

No ensino básico, em Matemática, ensinaram-me que um mais um é igual a dois. Deram-me como exemplo qualquer coisa tão estúpida como uma peça de fruta, creio que uma banana da Madeira, e explicaram-me que uma banana mais uma banana é igual a duas bananas. Erro crasso, passei a acreditar piamente nisso.
A Matemática, ou pelo menos a Álgebra, tem esta mania estúpida de escrever a vida sem a perceber. Até pode ser que uma banana mais uma banana seja igual a duas bananas, mas certamente que uma gota de água da chuva mais outra gota de água da chuva não é igual a duas gotas de água da chuva. Basta ver chover para perceber que o resultado é uma pequena poça de água.
Para piorar a coisa, o Marco Paulo veio cantar aos portugueses, creio que no princípio dos anos oitenta, que tinha dois Amores. Quem o ouvia dava conta de uma morena e de uma loira, deduzindo assim que um Amor mais outro Amor é igual a dois Amores. Pura mentira. Um Amor mais outro Amor é quase sempre igual a menos do que dois Amores. É uma questão de tempo. Mas a equação da soma ou subtracção do Amor é inócua de sentido, porque nela faltam sempre os factores que ninguém consegue entender.
Acredito que o Amor elevado à sua máxima potência é sempre igual a um. A partir do um, quanto mais se soma, menos se tem. Mesmo que a coisa não seja óbvia à primeira. O um é um número difícil de entender neste contexto, porque por ser o primeiro dos números inteiros nos parece sempre pouco. Um comparado com cem, por exemplo, assemelha-se a uma insignificância. No entanto, quando de Amor estamos a zero, buscamos o um como se fosse tudo. E é mesmo. Só que ninguém nos ensina isso na escola.


bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»

Luís Gaspar lê «Tilintar de orvalho» de Cristina Miranda

"Não deixamos cair Outonos
Sobre as mãos
Nem adiamos Estios
Quando habitamos juntos
Acerco-me da maior janela
Para desfrutar da mais bela paisagem
A realidade a perder de vista…
E enquanto te procuro
Ouço a voz
O tilintar do orvalho sobre os pastos
O canto das flores em correrias
Cabriolando sobre carreiros verdes
E quando te vejo
Ainda com o aroma do acordar nos ombros
Estendo os meus olhos
Até te alcançar os passos
Até te tocar de leve
Até te acompanhar
Sentindo a frescura beliscar leve as nossas frontes
E quando já de volta
Me dás o braço
Trazendo ramos de satisfação
Que vens pôr
Como serenatas
Debaixo da nossa janela
Não deixamos cair Outonos
Nem adiamos Estios
Apenas nos sentamos
Calmos
Em bancos de Primaveras"

Cristina Miranda

Ouçam este poema na voz d'ouro de Luís Gaspar, no Estúdio Raposa

A culpa é dos homens

Sempre eles que estragam tudo.



Sem homens, todas mulheres seriam lindas.

Capinaremos.com