03 junho 2013

«conversa 1982» - bagaço amarelo

Ela - Agora que tenho quase cinquenta anos, acho que estou a atravessar a melhor fase da minha vida, sabes? Sinto-me em paz...
Eu - Ainda bem.
Ela - Sinto-me calma e equilibrada, algo que nunca me aconteceu antes, muito por culpa dos homens que se atravessaram na minha vida.
Eu - Como te conheço há muitos anos, percebo o que dizes. Ainda bem que agora estás melhor.
Ela - Sim... a única coisa que me tira do sério, apesar de tudo, continuam a ser alguns homens que conheci.
Eu - Saudades?
Ela - Não. Raiva.
Eu - Raiva?!
Ela - Sim, quando me dou conta que perdi alguns anos da minha juventude por causa de homens que não o mereciam. Quando me ponho a pensar nisso, lá se vai a paz...


bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»

Luís Gaspar lê «O que é amar?» de Cristina Miranda

"É ser capaz de abraçar a tranquilidade do por de sol que me deste.

Aparto-me do corpo,
Abandonando a voz num grácil descanso.
Eu sou o teu silêncio.
Sente,
Devagar…
Como me enleio pela tua imaginação,
Como se de ti fizesse parte.
Dela,
Não te separarias por nada!
E porque a saberias fina,
Delicada,
Qual folha de papel de arroz,
Apartar-te-ias do corpo,
Abandonando a voz num não menos dócil emudecimento…
E assim,
Incorpóreos,
Existiríamos!
Seríamos de quando em vez
Movimento,
De quando em vez
Tacteio leve…
Era assim que nos víamos,
Quando no céu deste lugar
Nos contámos do que iríamos fazer,
Quando por fim nos encontrássemos!
Estamos juntos…
Acendamos a magia deste momento
E sob a luz doce que dela imana,
Vamos emocionar-nos,
Vamos tocamo-nos sem nos tocar,
Causando com que a pergunta que nos fizemos,
Se deite,
E adormeça, feliz.
Vamos ser a certeza de nos termos,
Deitando fora a distancia,
Saboreando o prazer de ver a resposta acordar
Espalhando-se por nós,
Tornando-se na nossa pele,
Tal como este por de sol que vem aquecer-nos,
Depondo no parapeito do desejo
A certeza de que o amanhã é agora
Tão certo,
Tão vivo,
Tão quente,
E tão só nosso!"

Cristina Miranda

Ouçam este poema na voz d'ouro de Luís Gaspar, no Estúdio Raposa

A natureza é cruel

Mas também é muito legal.


Eu adoro a natureza.

Capinaremos.com

02 junho 2013

Dragon Ball - Cena Censurada

«A Europa suportada pela África e pela América»

Gravura de William Blake do livro «Narrative of the Five Year's Expedition Against the Revolted Negroes of Suriname» - final do século XVIII


E há esta reinterpretação recente, exposta no Museo d’Arte contemporanea DonnaREgina (M.A.D.RE), em Nápoles:
Mircea Cantor - «Europe Supported by Africa and Asia» (1992)


Orgulho e castração

(Foto © Amelkovich, Dangerous games 02)

Orgulhava-se de ter sido o amparo de seu pai desde que sua mãe falecera com um mal ruim. Orgulhava-se da dedicação que sempre dispensou ao esposo, especialmente a partir do momento em que ele manifestou Alzheimer e acabou por ficar incontinente e acamado. Habituara-se a admirar e a viver com homens com quem não tinha relações sexuais. Habituara-se a viver castrada como se não pudesse ter orgulho em si.

Guia masculino da anatomia feminina



Testosterona

01 junho 2013

Homens, aprendam a fazer bolinhos!

«coisas que fascinam (158)» - bagaço amarelo

o Amor é um fósforo

Acho que o Amor é um fósforo. Acende-se, queima-se e morre. Não existe, por isso, o Amor duma vida inteira. É falso. O que pode existir é uma vida inteira onde todos os dias nasce um novo Amor entre os mesmos Amantes, que o Amor é coisa para um dia. Não mais do que isso.
Dois Amantes que estiveram juntos durante um ano apaixonaram-se trezentas e sessenta e cinco vezes nesse ano. Basta terem-se apaixonado trezentas e sessenta e quatro que, lá pelo meio, é mais do que certo que tiveram um dia triste. Um dia em que, não o confessando a ninguém, duvidaram daquilo que sentiam.
A dúvida faz parte do Amor. Surge sempre naqueles dias em que nós acordamos, mas o Amor não. São dias de sonolência, esses. E no entanto, essenciais para que nos apaixonemos de novo, logo na manhã seguinte, pela mesma pessoa.


bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»

Os CDs da minha colecção


Um sábado qualquer... - «Adão sem depressão»



Um sábado qualquer...

31 maio 2013

«O Canhão» - por Quito Pereira


Antes que o preclaro António Dias, venha para aqui dizer que já pôs um penedo de Monsanto em cima da guerra, eu começo por avisar que este canhão não é um canhão. Era um homem, que tinha uma alcunha bélica – Canhão. Um militar africano, de etnia fula. Lembro-me dele, como se estivesse aqui à minha frente. Alto, quase dois metros de estatura, olhos grandes e inquietos, uma barba branca e rala e uns pés onde moravam umas botas número 48. Usava calções de Janeiro a Dezembro e nunca o vi que não fosse a rir. Um riso largo, que lhe ocupava a cara toda e uma forma muito peculiar de ver a vida. Tratava-a com desdém e dizia que era na morte que começava tudo. Talvez uma crença religiosa, que o levava a afirmar que nunca virava o peito às balas. Se lhe acertassem, era o Destino.

Como todos os homens, o Canhão tinha qualidades e defeitos. Gostava de gastronomia, por exemplo. Uma qualidade. Mas era louco por carne de macaco. Um defeito. Um clamoroso defeito. Defeito, porque não se coibia de, nas colunas militares, atirar rajadas de metralhadora para as árvores, na expectativa de ver derramados pelo chão, meia dúzia de infelizes. Era como andar a varejar azeitona num chão de oliveiras, no Alentejo. Um dia, subi ao rodado de um camião, para ficar de olhos nos olhos com ele e gritei-lhe furioso: “… ó Canhão, queres matar-nos a todos?!… Não vês que estás a denunciar a nossa posição ao inimigo…?!”. O Canhão descansou então os braços sobre o cano da arma, compôs o boné militar, deu um suspiro fundo e disse-me com os olhos no horizonte: “… mas ó furriel, aquele macaco era tão tenrinho…”. Nada a fazer…

Uma noite, ligámos a máquina do Melgueira e projetámos um filme contra a parede branca da caserna. O filme era o delírio para quem já andava meio louco. O documentário, já um tanto queimado e deteriorado de tantas vezes ser visto, mais não era que uma loira escultural, como Nosso Senhor a pôs no Mundo, a lavar um carro com uma mangueira. Lavava bem, admito. E estávamos nós a ver a esguichadela de mangueira pela centésima vez, quando entrou no abrigo o Canhão. Ao ver a preciosidade, que o mesmo é dizer, a bela “ragazza”, encostou-se a uma parede assombrado, de olhos arregalados e respiração ofegante. E riu. Riu muito e bateu palmas. A plateia acompanhava-o, metendo os dedos na boca e soltando assobios estridentes. E quando o filme acabou, depois de repetido mais dez vezes, a pedido do culto Conclave, o Canhão partiu, entusiasmado.

No dia seguinte, ao passar por ele na parada, perguntei-lhe quais tinham sido as suas impressões, sobre aquela fantástica noite de «cinema». Então, olhou para mim, voltou a rir até se engasgar e disse-me em apoteose: “ó furriel, estive toda a noite sem dormir, com a cabeça cheia de pensamentos abandalhados”. Uma qualidade…

Quito Pereira
Blog Encontro de Gerações

Prostituição - a minha história (XV)

Outono de 1999... (...) Se eu estivesse louca, pensava, ela havia de me dizer. No dia seguinte, entre chamadas, fui-lhe relatando a minha experiência e os meus pensamentos. As primeiras frases que lhe disse pareciam pesar chumbo e saírem arrastadas da minha garganta. Não conseguia interpretar bem o olhar dela mas conseguia perceber a curiosidade a crescer-lhe. Fui descontraindo no avançar da conversa e ela foi oscilando entre a estupefacção completa e a curiosidade enorme. A única prostituição de que ela tinha conhecimento era a de rua portanto imaginava que eu lhe ía relatar algo degradante, humilhante e em que as mulheres estavam completamente mal tratadas pelos proxenetas e expostas a quem quisesse ver. Colocou-me várias perguntas e fez várias exclamações revoltadas quando imaginava algo como estarmos expostas a todas as doenças, eu explicava-lhe que era com protecção, que ninguém me tinha tratado mal, que estávamos protegidas pela casa, que espreitávamos os homens antes da apresentação para vermos se não era ninguém conhecido. Depois começou a colocar-me questões práticas, quanto se ganhava, em que horário, onde... E eu percebi, percebi que ela estava a tentar convencer-se a... Percebi que não me ía dizer que eu estava louca. Percebi que é um risco contar estas coisas a uma pessoa com uma vida ainda mais complicada que a nossa, percebi que, se eu tinha do que me queixar, ela, com filhos, ainda mais teria, percebi que, maior que o risco do julgamento ou de me chamar louca, era este risco imprevisto: o de convencer alguém a alinhar na minha loucura. Mas já estava feito e ela fazia planos, já lhe tinha aberto a porta e não sabia como e se haveria de a fechar: se nós entrássemos podíamos melhorar muito a nossa vida, ela poderia dar imensas coisas aos filhos, já se considerava uma pessoa com uma liberdade sexual grande, embora não tanta, mas era apenas juntar a liberdade sexual à vida financeira, imaginava que também podíamos aprender como se faz e, depois, quando tivéssemos dinheiro suficiente, poderíamos também abrir uma casa daquelas e ganhar uma fortuna. E imaginou, imaginou, imaginou... No fim de toda a imaginação, só nos sobrou uma questão: onde? (Continua)