"Parecerá que fomos arrastados. Dirão que não há mais, que tudo se fechou, que não corre mais. Hão-de encolher os ombros e dizer que foi vento, que foi coisa de crianças, brinquedos e imperadores, risos de um Verão antecipado, inconsequências e inconsciências. Enquanto não houver amanhã será como se as linhas que divergem jamais se cruzassem como outrora. Será como se as esquinas já nada escondessem. Dirão da pele que está seca, da manteiga que está fria e dura, do calor que arrefeceu. Dirão muita coisa. Mas saberão muito pouco.
O que há para lá da esquina? Há alguma coisa? Há. Há sempre alguma coisa para lá da esquina. Do outro lado da esquina estou eu. Depois da curva, estou eu. Ao contornar a tormenta, estou eu. Enquanto não há amanhã, segura-te firme, segura-te forte. Um. Outro. Enquanto não houver amanhã haverá fuga. Haverá ausência. Ocultação. Gente escondida atrás dos quilómetros e do horizonte. Um. Outro. Enquanto não houver amanhã restará semente, memória, saudade. Como os corpos que aprendem a andar de bicicleta e nunca mais esquecem, gente que aprende a ler e nunca mais consegue impedir a formação de sílabas, gotas que escorrem e nunca mais conseguem travar-se.
Enquanto não houver amanhã, não te percas. Não me perca eu. Não se esqueçam os imperadores nem o largo, os paralelepípedos escuros das ruelas, e a falta de juízo que afinal era a matemática simples do dois mais dois. Enquanto não houver amanhã haverá silêncio, e travão às letras, às palavras, às frases e parágrafos, as linhas que parecem vazias de acção, que parecem conversa barata e cansativa. Enquanto não houver amanhã, é como se o mundo não nos tivesse sobre ele. Será saber que nunca fica tudo em palavras. Que nunca se consegue dizer tudo, escrever tudo, que há sempre um problema, uma limitação, uma possível interpretação, que nada substitui o abraço e o olhar, o toque, a presença. Mas amanhã, amanhã as palavras não farão falta."
João
Geografia das Curvas
28 agosto 2013
Postalinhos da Austrália - 1
"Aqui tens um bonito postalinho de uma noiva.
É uma foto minha tirada na Austrália em Fevereiro de 2010.
Um beijo à Sãozita."
Alfredo
É uma foto minha tirada na Austrália em Fevereiro de 2010.
Um beijo à Sãozita."
Alfredo
«conversa 2010» - bagaço amarelo
Eu - Não encontrei nada.
Ela - Não?! Pensava que tu e a Raquel...
Eu - Sendo muito sincero, nunca quis encontrar a minha alma gémea. Para quê?! Ia eu apaixonar-me por uma alma idêntica à minha?! Que grande seca! O que sempre procurei no Amor, foi encontrar uma alma diferente pela qual me apaixonasse.
Ela - Arranjas sempre forma de me confundir.
bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»
27 agosto 2013
«Procura» - Susana Duarte
encontro-te nas luas azuis
de todas as marés do meu corpo,
e em todas as marés, encontro as noites
perfumadas de mirtilos. encontro-te
em cada onda que morre e em cada maré viva.
és, de todas as praias, a mais rubra
manhã dos meus olhos quando, em cada movimento,
ondulas seiva e me respiras.
encontro-te onde as frutas
me perfumam com a luz dos teus olhos,
e o azul-maré-recanto dos teus olhos, é a vida
que me cresce dentro e ilumina as veias
onde navegas. Mais não somos, senão ondulações
das letras
com que escrevemos o futuro
sobre o qual caminhamos.
Susana Duarte
(palavras e foto)
Blog Terra de Encanto
de todas as marés do meu corpo,
e em todas as marés, encontro as noites
perfumadas de mirtilos. encontro-te
em cada onda que morre e em cada maré viva.
és, de todas as praias, a mais rubra
manhã dos meus olhos quando, em cada movimento,
ondulas seiva e me respiras.
encontro-te onde as frutas
me perfumam com a luz dos teus olhos,
e o azul-maré-recanto dos teus olhos, é a vida
que me cresce dentro e ilumina as veias
onde navegas. Mais não somos, senão ondulações
das letras
com que escrevemos o futuro
sobre o qual caminhamos.
Susana Duarte
(palavras e foto)
Blog Terra de Encanto
Cleide Contessa - «Bordel»
Cleide Contessa (Itália)
«bordello» ou «cat-house» - acrílico sobre madeira, com moldura em madeira dourada
Único exemplar da série erótica «l'impero delle donne» (o império das mulheres)
50x100
"il mio quadro ha un valore affettivo che non ha prezzo... l'ho realizzato in seguito ad una esperienza bruttissima della mia vita... voglio venderla perchè voglio chiudere col mio passato... voglio dimenticare ciò che è stato...
Questa opera é stata quotata in euro 1700 ,00 (millesettecento/00 )."
Cleide Contessa
Alberighi art
Já convidei a Cleide para visitar o seu quadro na minha colecção, quando esta tiver o seu espaço de exposição permanente.
«bordello» ou «cat-house» - acrílico sobre madeira, com moldura em madeira dourada
Único exemplar da série erótica «l'impero delle donne» (o império das mulheres)
50x100
"il mio quadro ha un valore affettivo che non ha prezzo... l'ho realizzato in seguito ad una esperienza bruttissima della mia vita... voglio venderla perchè voglio chiudere col mio passato... voglio dimenticare ciò che è stato...
Questa opera é stata quotata in euro 1700 ,00 (millesettecento/00 )."
Cleide Contessa
Alberighi art
Já convidei a Cleide para visitar o seu quadro na minha colecção, quando esta tiver o seu espaço de exposição permanente.
26 agosto 2013
«pensamentos catatónicos (295)» - bagaço amarelo
Os portugueses em geral detestam o vinho rosé. Inventaram-no, mas não o bebem, e dizem-no com orgulho. Tive uma namorada que me olhava de lado sempre que eu me servia um copo de rosé.
- Isso não é vinho! - tugia ela.
Eu gosto de rosé. Na verdade, posso dizer que adoro rosé. O rosé é o melhor de dois mundos: o mundo do tinto e o mundo do branco. Aliás, sempre que eu abria uma garrafa de rosé, ela abria uma de tinto ou de branco. Os dois bebíamos como se, naquele preciso momento, houvesse uma enorme cratera a separar-nos. Eu, sempre com a sensação que tinha mais mundo do que ela.
Namorámos, sei lá... talvez uns três meses. Quando ela se foi embora apertou-me a mão. Deu-me um passou bem, por assim dizer, e segredou-me que devia ter adivinhado que não podia ter uma relação com um homem que bebia rosé.
Perguntei-lhe se não me dava um abraço de despedida. Que não, respondeu ela. Os abraços dão-se quando existe Amor. Fiquei fodido. Vi-a fechar a portar de casa e, pela janela, afastar-se lentamente até se diluir no horizonte.
Os abraços dão-se quando são precisos, pensei. Eu precisava dum abraço. É esta mania das purezas que me revolta. Abraços puros, Amores puros e vinhos puros. Eu queria um abraço, mesmo que não tivesse a pureza do Amor. Precisava dele. O rosé, por exemplo, não é puro. Mas sabe bem...
bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»
Luís Gaspar lê «A Bela do Bairro» de Fernando Assis Pacheco
Ela era muito bonita e benza-a Deus
muito puta que era sempre à espera
dos pagantes à janela do rés-do-chão
mas eu teso e pior que isso néscio desses amores
tenho o quê? quinze anos
tenho o quê uns olhos com que a vejo
que se debruçava mostrando os peitos
que a amei como se ama unicamente
uma vez um colo branco e até as jóias
que ela punha eram luzentes semelhando estrelas
eu bato o passeio à hora certa e amo-a
de cabelo solto e tudo não parece
senão o céu afinal um pechisbeque
ainda agora as minhas narinas fremem
turva-se o coração desmantelado
amando-a amei-a tanto e sem vergonha
oh pecar assim de jaquetão sport e um cigarro
nos queixos a admiração que eu fazia
entre a malta não é para esquecer nem lá ao fundo
como então puxo as abas da farpela
lentamente caminho para ela
a chuva cai miúda
e benza-a Deus que bonita e que puta
e que desvelos a gente
gastava em frente do amor
Fernando Assis Pacheco
Ouçam este poema na voz d'ouro de Luís Gaspar, no Estúdio Raposa
muito puta que era sempre à espera
dos pagantes à janela do rés-do-chão
mas eu teso e pior que isso néscio desses amores
tenho o quê? quinze anos
tenho o quê uns olhos com que a vejo
que se debruçava mostrando os peitos
que a amei como se ama unicamente
uma vez um colo branco e até as jóias
que ela punha eram luzentes semelhando estrelas
eu bato o passeio à hora certa e amo-a
de cabelo solto e tudo não parece
senão o céu afinal um pechisbeque
ainda agora as minhas narinas fremem
turva-se o coração desmantelado
amando-a amei-a tanto e sem vergonha
oh pecar assim de jaquetão sport e um cigarro
nos queixos a admiração que eu fazia
entre a malta não é para esquecer nem lá ao fundo
como então puxo as abas da farpela
lentamente caminho para ela
a chuva cai miúda
e benza-a Deus que bonita e que puta
e que desvelos a gente
gastava em frente do amor
Fernando Assis Pacheco
Ouçam este poema na voz d'ouro de Luís Gaspar, no Estúdio Raposa
25 agosto 2013
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