"Jack Sparks. Placa prateada na porta do prédio, com o nome gravado. Campaínha. A entrada de aspecto lúgubre e ao fundo um elevador estreito e de aspecto pouco seguro. Caixas de correio claramente violadas, com sinais óbvios de abandono, onde nenhuma correspondência repousa. Alguns ladrilhos partidos e plantas muito mais mortas que vivas, pardacentas, falta de luz e de água. Jack avança depois de empurrar a porta pesada e pensar, pela enésima vez, que precisa colocar óleo. Profere, para dentro, imprecações várias, e carrega no botão. Sétimo andar. Solavanco, e incerteza caixa acima, enquanto o motor de pouca confiança iça o cubículo onde ele segue, encostado a um canto, enquanto vê passar os pisos e resmunga sozinho “eh… já nem sei se sou eu que subo ou o prédio que se afunda”.
A mão no bolso agita um molho de chaves, algumas das quais herança de passados que se perderam da memória, e agora contribuem apenas para um tilintar irritante, e um peso desnecessário. Chave escolhida, pés vigorosamente esfregados no tapete, e porta aberta. Casaco atirado com desprezo para cima do sofá ignorando o armário de onde havia sido retirado nessa manhã e passos cansados em direcção à janela, com o Sol do final do dia a entrar já oblíquo e alaranjado, descrevendo sombras do mobiliário em padrões longos nas paredes e no soalho. O ar está numa temperatura que beija a pele, mas Jack Sparks não nota. Está longe, com o olhar detido em linhas desenhadas pelas coberturas dos prédios no horizonte, recortadas aqui e ali por antenas antigas, algumas dobradas pelo vento ou quebradas por ferrugem, e cabos coaxiais que ondulam quando lhes bate o vento, caídos sobre as fachadas, testemunhos abandonados.
- Jack!
Silêncio cortado. Que raio!?
- Jack.
A sala é rectangular e muito ampla, com um sofá de duas pessoas, perpendicular à porta de entrada, onde o casaco de Jack jaz, e um outro, maior mas do mesmo modelo e côr, de canto, com uma mesa de apoio entre os dois. Em frente, a janela generosa, desenvolvendo-se em toda a fachada do edifício com vista para a cidade e o rio. O recorte da sala esconde o canto onde está o maior sofá para quem ali entra, e Jack não via nada naquele dia. Estava tudo longe e os sentidos estavam todos reduzidos ao mínimo.
- Jack!
Virou-se com o nome dele a ecoar nas paredes e, mais que isso, nos seus ouvidos. Mas a voz que neles entrava fê-lo esquecer a dor de cabeça. Percebeu que o seu cérebro ordenou aos seus músculos faciais que experimentassem uma expressão de espanto, mas não sabia dizer qual era, e que olhar era o dele. Sapatos pretos, de salto, no chão. Deixados com precisão, junto do sofá. Pernas em meias pretas, interrompidas já muito perto das ancas por uma camisa sua, larga, branca, mal abotoada. Cabelo longo. Gin tónico com gelo quase derretido na mesa de apoio. O espanto deu lugar a um sorriso nervoso, levou a mão à cabeça, esfregou o cabelo, e…
- Jack, Jack… está bom assim para ti?
- Não posso crer. Tu não existes!
- Existo sim. E o teu Gin também existe. Não to bebi todo. Vai buscar gelo para ti, anda. E traz-me duas pedras.
- Então mas isto é assim? Chegas aqui, atiras-te para o meu sofá quase nua, bebes o meu Gin, e ainda me dás ordens?
- Tens algum problema com isso?
- Com que parte?
- Quase nua?
- Não. Estás bem assim.
- Beber o teu Gin?
- Não. Sabes que compro sempre do melhor para ti.
- Dar-te ordens?
- Ora… depende. Se for para te segurar contra a parede podes ordenar à vontade.
- Uma coisa de cada vez. Paredes temos. Não tenho é gelo Jack! Despacha-te!
Passos velozes e uma pulsação galopante. Ela estava ali, a sorrir-lhe, bonita como sempre, e os metros entre a sala e o congelador ficaram reduzidos a centímetros, de tão veloz que se fez, esquecendo o dia de merda e a dor que vinha com ele na cabeça desde pelo menos a hora do almoço. Enquanto preparava o Gin dele e as pedras de gelo para o dela, tentava lembrar-se se tudo estava arrumado. Tinha baixado a tampa da sanita? Teria deixado as toalhas no sítio? A cama estava feita? Paciência. Pensou nas paredes. E voltou à sala. A camisa dele, que a princípio estava pouco abotoada, agora não estava de todo. Botões e casas para cada lado. Sem aprumo.
- Toma amor. Duas pedras. Já agora, estás cá há muito tempo?
- Não, cheguei meia hora antes de ti.
- Conta-me tudo!
- Temos tempo.
- Temos?
- Temos.
- Como assim?
- Olha para cima.
Da sala projectam-se degraus que dão lugar a um piso superior, e uma mezzanine. Há quartos, casa de banho e ainda um escritório. Renovado em tempos, o apartamento desafiava em muito o aspecto paupérrimo do edifício. Algum tempo antes tinha tentado sair dali. Vender. Ir embora. Desaparecer. Mas ninguém fazia negócio. O edifício estava claramente mal tratado, e nas contas de sumir que todos faziam, não apetecia comprar. As pessoas querem prédios bonitos. E novos. E aquele já fora bonito em tempos. E já fora novo. Mas o tempo tinha passado por ele, assim como vidas de gente, e no fim ficaram eles. O prédio. E Jack. Num apartamento grande, renovado, mas num contexto quase industrial e pouco atractivo, à medida que a cidade evoluiu e se deslocou, levando a nobreza para longe.
E olhando para cima viu malas no topo da escada.
- Não me gozes!
- Não estou a gozar. Tens espaço para elas, certo?
- Tenho. E a cama é larga.
- E as paredes? Achas que o prédio aguenta connosco?
- É antigo. Está bem construido!
- Hm. E as janelas? Aguentam que me fodas contra elas?
- Olha lá… mais depressa me partes todo a mim do que ao raio da casa.
- Eu sei.
- Ursa!
- Patife. Fode-me.
- Assim? E o Gin?
- Deita-mo sobre o corpo e lambe-me.
- Doida!
- Tu sabes. A culpa é tua. Mas falas muito tu. Faz juz ao teu nome depressa, pá.
E como tantas vezes, trocando frases em inglês, ela disse-lhe ao ouvido,
- Ignite me, Jack Sparks!
- Give way…"
João
Geografia das Curvas
02 novembro 2013
«She didn't miss - or fun at the world's fair» - Tijuana bible
Tijuana bibles - bíblias de Tijuana (também conhecidas como eight-pagers, bluesies, gray-backs, Jiggs-and-Maggie books, jo-jo books, Tillie-and-Mac books e two-by-fours) eram pequenos livrinhos de banda desenhada pornográfica produzidos nos Estados Unidos da América entre os anos 1920 e início dos anos 1960.
Para quem tiver curiosidade em saber mais, recomendo o livro «Tijuana Bibles» de Bob Adelman publicado pela editora Taschen (que tenho na minha colecção).
Já tinha mostrado um dos dois exemplares na minha colecção. Aqui está o outro.
Para quem tiver curiosidade em saber mais, recomendo o livro «Tijuana Bibles» de Bob Adelman publicado pela editora Taschen (que tenho na minha colecção).
Já tinha mostrado um dos dois exemplares na minha colecção. Aqui está o outro.
01 novembro 2013
Alguém tem a gentileza de me explicar o que é o "tantra agudo"?
Aprende-se muito com a publicidade.
Ainda há alguns dias me intrigou uma menina que adora "canoar no sexo" e agora esta outra, que adora "gramar com ele" (quem?), diz que adora "fazer tântra agudo".
Ora foda-se, que cada vez percebo menos disto...
Ainda há alguns dias me intrigou uma menina que adora "canoar no sexo" e agora esta outra, que adora "gramar com ele" (quem?), diz que adora "fazer tântra agudo".
Ora foda-se, que cada vez percebo menos disto...
31 outubro 2013
«O Serviço de Inspecção de Toleradas em 1938» - A. Tovar de Lemos
Publicação do Dispensário de Higiene Social da Direcção Geral de Saúde - Lisboa, 1939.
Trata-se de um relatório dos serviços de Inspecção das toleradas (na época em que a prostituição era legal em Portugal, desde que praticada de acordo com os regulamentos em vigor), no ano de 1938. Contém gráficos e estatísticas com os tratamentos feitos, serviços clínicos e o movimento mensal do Dispensário.
Oferta de Lourenço Moura, a juntar a outras publicações do género, da minha colecção.
Trata-se de um relatório dos serviços de Inspecção das toleradas (na época em que a prostituição era legal em Portugal, desde que praticada de acordo com os regulamentos em vigor), no ano de 1938. Contém gráficos e estatísticas com os tratamentos feitos, serviços clínicos e o movimento mensal do Dispensário.
Oferta de Lourenço Moura, a juntar a outras publicações do género, da minha colecção.
«A católica» - Patife
Patife
Blog «fode, fode, patife»
30 outubro 2013
«Lembrei-me de ti» - João
"Lembrei-me de ti como se precisasse de motivo para isso. Lembrei-me de ti como se precisasse pensar para beber água quando estou ressequido no deserto. Lembrei-me de ti como se não fosse isso uma constante, uma letra da equação que nunca muda, aquela coisa que agarra à vida e expande os sorrisos. Onde eu estou, tu estás. Pode ser um som. Um cheiro. Uma imagem de um sítio ou um nome. Onde eu estou, tu permaneces. No teu cabelo que continuo a afagar, quando em mim repousas a tua cabeça. É filme que roda em contínuo, algo que nunca deixei de fazer, quando durmo e muitas vezes até acordado.
Estas mãos, onde se marca o que se pensa, se dá traço ao que se sente, são força que te agarra. De manhã, à tarde, na noite. E se agora se erguem muralhas, são de outra pedra. As correntes, sabes, foram caindo. A princípio, eram pesadas e numerosas. Uma a uma foram tombando, fechos abrindo, ainda que teimosamente a querer fechar, a querer voltar. Mas o sofrimento na queda, o esforço no passo, foi muito para agora ser pouco. Rompeu-se o que era sagrado. Rasgaram-se escrituras. Voltaram-se páginas de livros que nunca voltarão a fechar-se como um livro nunca lido, que nunca devolverão ao papel o cheiro de uma página nunca virada. O que se avançou não se recua. Deixar a terra segura, deixar os pais, deixar aquilo em que se cresceu. Maturar. Ser maior. Fazer travessias, navegando atento a um farol que se conhece bem, que se vê mesmo apagado, a luz que até o tacto sente.
Dizem-me que vá. Que vá à luta. Não se sabe bem como, ou com que rapidez. Mas que vá. Que é de ir. Que não se desiste de algo assim, que o mar é revolto e muito salgado, que o desespero dê lugar à força para empurrar, e puxar, e sacudir, e andar, andar, andar. Que estime, dizem. Que é isto. Que é isso. À minha frente, cruzam os dedos das mãos, dizendo-me que é peça que encaixa, que é a moldura que enquadra a tela. Lembrei-me de ti. Sem necessidade. Não se lembra quem não desaparece em nós. Nem precisam dizer-me que estime, navegue ou lute. Eu sei.
O negro e o pavor alastram, o buraco alarga-se e não existe mais onde segurar o corpo. Os dias são tempo que corre, apenas, na vida parada, no vento que não sopra, do Sol que não aquece. Do Inverno veio um frio de ausência. Dos dias pequenos, escuros nos fins destas tardes agora longas, vieram os murmúrios, as memórias da perfeição, a falta de ti, de nós, de tudo. Lembrei-me de ti quando pensei que não há nada acima do cume, que não há nada mais fresco nas dunas desertas, que sou eu sentado a olhar-te, a sofrer por ti se te magoas, na telepatia dos nomes que se cruzam. Lembrei-me de ti, como se precisasse de motivo para isso. Lembrei-me de ti quando morri. Como se precisasse de motivo para isso."
João
Geografia das Curvas
Estas mãos, onde se marca o que se pensa, se dá traço ao que se sente, são força que te agarra. De manhã, à tarde, na noite. E se agora se erguem muralhas, são de outra pedra. As correntes, sabes, foram caindo. A princípio, eram pesadas e numerosas. Uma a uma foram tombando, fechos abrindo, ainda que teimosamente a querer fechar, a querer voltar. Mas o sofrimento na queda, o esforço no passo, foi muito para agora ser pouco. Rompeu-se o que era sagrado. Rasgaram-se escrituras. Voltaram-se páginas de livros que nunca voltarão a fechar-se como um livro nunca lido, que nunca devolverão ao papel o cheiro de uma página nunca virada. O que se avançou não se recua. Deixar a terra segura, deixar os pais, deixar aquilo em que se cresceu. Maturar. Ser maior. Fazer travessias, navegando atento a um farol que se conhece bem, que se vê mesmo apagado, a luz que até o tacto sente.
Dizem-me que vá. Que vá à luta. Não se sabe bem como, ou com que rapidez. Mas que vá. Que é de ir. Que não se desiste de algo assim, que o mar é revolto e muito salgado, que o desespero dê lugar à força para empurrar, e puxar, e sacudir, e andar, andar, andar. Que estime, dizem. Que é isto. Que é isso. À minha frente, cruzam os dedos das mãos, dizendo-me que é peça que encaixa, que é a moldura que enquadra a tela. Lembrei-me de ti. Sem necessidade. Não se lembra quem não desaparece em nós. Nem precisam dizer-me que estime, navegue ou lute. Eu sei.
O negro e o pavor alastram, o buraco alarga-se e não existe mais onde segurar o corpo. Os dias são tempo que corre, apenas, na vida parada, no vento que não sopra, do Sol que não aquece. Do Inverno veio um frio de ausência. Dos dias pequenos, escuros nos fins destas tardes agora longas, vieram os murmúrios, as memórias da perfeição, a falta de ti, de nós, de tudo. Lembrei-me de ti quando pensei que não há nada acima do cume, que não há nada mais fresco nas dunas desertas, que sou eu sentado a olhar-te, a sofrer por ti se te magoas, na telepatia dos nomes que se cruzam. Lembrei-me de ti, como se precisasse de motivo para isso. Lembrei-me de ti quando morri. Como se precisasse de motivo para isso."
João
Geografia das Curvas
União Zoópila
Ainda ninguém perguntou quantas passarinhas se pode ter num apartamento, isso preocupa-me.
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