Costumava vê-la sem ligar muito.
O aspecto era pouco atractivo, digamos sem eufemismos, até repulsivo, coisas da natureza de que lhe não cabia ser ou não culpada.
Pertencente a uma etnia nómada, tinha enviuvado cedo, rixas, e ficado por aí.
O único filho que a graça divina lhe tinha oferecido padecia de uma doença mental ligeira, o que não o impedia de ter crescido um belo mariola, digamos, um patife.
O Orelha Ratada, ao que parece tinha sido à sorrelfa de uma noite, ainda muito pequeno, a dormir no chão da barraca.
- “Ai, ele não é bom” dizia a mãe quando alguém o repreendia. A jeitos de pedido de desculpa.
- “ Dê qualquer coisinha senhor” continuava no seu apelo à solidariedade
Foi quando me enrolei com a filha de uma merceeira, dessas que dantes havia nas aldeias e cidades, de caixotes de legumes e fruta à porta, que comecei a reparar mais nela.
-“Dê qualquer coisa, senhora” despertei eu do choco no primeiro andar e a mãe da conversa com uma freguesa,- que o rapaz é engenheiro,- filtrada por entre as tábuas do sobrado.
Desmontado de uma e montado na promoção rápida, saltei suavemente da cama e fui espreitar pela cortina.
Lá estava diante da porta da mercearia, de maçã acabada de achar num dos caixotes expostos à entrada, a provar a saliva e dentes por entre as palavras de rotina.
-“Uma coisinha senhora…..” e mastigava.
- “Não te dou nada! Desaparece!”
-“Ai que mulher tão má…” dizia enquanto a outra repetia que não lhe dava nada. Que já tinha tirado fruta das caixas, e que se calhar já levava nos bolsos mais meia dúzia de peças, e fora daqui!
-“Ai o caraças!” reparei eu para o chão do quarto para onde uma pinga tinha escorrido da glande.
-“Não faz mal Carlos- riu-se também já levantada e encostada a mim-, vou buscar um bocado de papel. Mas olha lá para baixo. A minha mãe corre sempre com ela e sabes o que ela faz?”
Abanei a minha ignorância. .“ se calhar tira umas coisas das caixas…”
-“Não. Isso é o normal. Mas olha lá bem para ela”
-“ Um bolinho pá criança, senhora. Tá doente lá na barraca….”
-“Já não é nenhuma criança, vá mas é que tem bom corpo para trabalhar….”
Estava de pernas afastadas, de saia escura até aos pés, roendo a maçã achada, enquanto a merceeira continuava as anti-delícias.
-“Já sabes que eu não te dou nada, não, porque é que insistes?!”
Um bom meio minuto depois afastou-se deixando uma mancha que devagar se alastrava no sítio onde estivera.
-“Não usa cuecas”
-“Pois, e onde está é sempre o sítio certo para o alívio” rimo-nos, meio divertidos.
-“Tu também não tens”
-“Olha quem fala, mas isso não é sempre…”
-“ A minha mãe fica fula, e quando o Orelha vem, ainda fica pior, mexe em tudo”
Afastou-se rogando uma praga, e eu aproveitei o intervalo para sair e comprar cigarros.
Foi no regresso que me cruzei com ela outra vez, melhor, ia tropeçando.
Voltou-se
de rosto em expressão de desagrado que a sua infeliz condição ainda mais enfatizava.
-“Ai,... é das maçãs… Não prestam”
E afastou-se do local empestado pelo alívio da súbita indisposição intestinal…