"Pareces dormir. O teu corpo está imóvel, deitado de lado, ao meu lado, quase inteiramente despido, e a nossa cama quente, a tua pele viva, e a meio da noite dou por mim a olhar-te, há o recorte do teu cabelo pela luz que passa a janela, vinda das luzes lá fora. Sabes aquele espaço das tuas costelas à anca? Passeio os dedos no teu lado, penso como é bom, vejo as cores todas na escuridão, como se fosses um prisma a fazer magia com luzes de candeeiros lá fora. Tantas batalhas, disseram-me. Tantas batalhas para ali chegar. Era escusado. Era escusado que mas contassem, que disso fizessem análises, porque agora os lençóis eram aqueles, e os meus dedos em ti. E eis que a luz, a ténue luz que me deixa ver o teu contorno te trai, faz brilhar os teus olhos que afinal estão em mim, e ajustas o teu corpo, penso ver esboçar-se um sorriso, ainda que ensonado, e apesar da tesão dos corpos, sem precisar falar, sem precisar dizer nada, é como se dissesses que agora não. O tempo é de carinho, de ternura, porque chove lá fora, porque estamos cansados, e então colamo-nos mais um pouco, juntos, apertados, para variar talvez só para dormir. Desta vez."
João
Geografia das Curvas
10 outubro 2014
09 outubro 2014
«Ó Pedaço de Mim...» - Sammy Lachmann
Sempre que ouço aquela música do Chico, "ó pedaço de mim, ó pedaço arrancado de mim", me bate uma deprê braba. Lembro da minha infância e acabo voltando no tempo.
Estava eu deitado no meu bercinho, ainda com uma semana de vida, quando começou a chegar gente em casa. Era dia de festa. E festa de judeu lembra muito reunião do PSDB: só tem tucano. Cada nareba que não tem mais tamanho.
Mamãe convidou só 30 pessoas, mas como era boca livre, veio judeu de tudo quanto foi canto. Se mamãe cobrasse ingresso, corria o risco de nem o papai aparecer. Não precisa dizer que os presentes não trouxeram presentes. Metade esqueceu em casa e a outra metade disse que não tinha dado tempo de comprar. Coisas da religião.
Cada um que chegava, vinha até o meu bercinho. Quando se abaixavam para me ver mais de perto, virava um autêntico ataque do exército israelense. Contabilizei pelo menos umas 30 narigadas na barriga. Em vez de olharem para os próprios umbigos, vinham olhar pro meu. Acho que era por causa da "faixa de gaze".
De repente, se fez o silêncio. Um ser estranho, trajando um terno preto pra lá de surrado, com barba até a cintura, chapéu e cabelo ponhonhóin dos lados adentrou a sala. Parecia o Capitão Caverna na versão judaica. Ele veio na minha direção. Tirou um bisturi reluzente. Ficamos frente a frente. Ele, o lobo mau, e eu, o Solidéu Vermelho.
Para que esse nariz tão grande, perguntei. Por uns segundos, cheguei a pensar que mamãe tinha resolvido fazer uma plástica no meu nariz que, com menos de uma semana de vida, já era avantajado. Mas o negócio era mais embaixo. Bem mais embaixo.
Ele tirou a minha fraldinha descartável, que mamãe tinha acabado de lavar, e eu gritei, abri o berreiro: Tira esse Michael Jackson ortodoxo daqui! Esse comunista judeu quer comer criancinha!!! E no rabino, não vai nada? Apesar de tanta tecnologia, buááááá não vem com legenda. Não sei por que ainda não inventaram uma tecla SAP para bebês.
Parti então para a minha última tentativa: um ataque com armas químicas. Soltei duas bombas de efeito moral. PUM! PUM! Mas o bigode do sujeito cobria o nariz como uma máscara antigases. Ataquei com meus jatos poderosos, mas o xixi não conseguiu furar o bloqueio da barba blindada do velho. Não teve jeito. O Jacozinho virou o Jacozinhozinho. Vai entender o que esse povo tem na cabeça, além desse chapeuzinho medonho?
Em vez de sacrificarem uma galinha como na velha e boa macumba, eles sacrificam o pinto. Cortaram o meu pausówsky, meu penisberg. Ficou só o "cara". O "lho" foi-se. Uma parte de mim estava agora que nem pinto no lixo, literalmente.
Depois de circuncidado, passei a entender o porquê daquele muro das lamentações. Eu, pelo menos, lamento até hoje.
Ó pedaço de mim...
Sammy Lachmann
É tão bom encaixar o que está desencaixado...
Lote de 4 kits para montar (salvo seja), que fazem parte da minha colecção.
Visita a página da colecção no Facebook (e, já agora, também a minha página pessoal)
Visita a página da colecção no Facebook (e, já agora, também a minha página pessoal)
08 outubro 2014
Postalinho do Butão (3)
"Mais um postalinho do Butão, desta vez com uma maçã.
Beijos e abraços da Daisy e do Alfredo"
Detalhe:
Beijos e abraços da Daisy e do Alfredo"
Detalhe:
«respostas a perguntas inexistentes (281)» - bagaço amarelo
Quando alguém, para explicar porque é que se afastou de outra pessoa, diz que não houve química entre ambas, está a dizer a verdade. O Amor passa-se todo no cérebro e nada no coração, já sabemos. A testosterona nos homens e o estrogénio nas mulheres é que nos levam para a caminha. Além do mais, todas as sensações de paixão profunda se traduzem por reacções químicas cerebrais. A serotonina e a dopamina fazem-nos sentir felizes e a oxitocina faz-nos dar beijos na ponta do nariz.
Ao contrário do que se possa pensar, no entanto, a Ciência não está a acabar com o contexto onírico do Amor. Muito pelo contrário, está a elevá-lo ao seu máximo expoente. Para nos reproduzirmos, enquanto espécie, bastava pinarmos de forma mecânica de vez em quando. Todos nós sabemos fazer isso porque é assim que trabalhamos, sem grande vontade e mais por obrigação. O que aconteceu foi que o nosso caminho evolutivo nos trouxe para aqui, para um Amor que não conseguimos explicar mesmo quando ele está mais do que explicado.
Quando estou perto de quem Amo não penso que o meu hipotálamo está a produzir mais oxitocina do que o normal e por isso apetece-me beijá-lo. Penso apenas no imenso oceano de sorte que tenho por o poder fazer. Isso acontece porque há química e o Amor é químico. É o Amor para totós. Ainda bem.
bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»
07 outubro 2014
Postalinho do Butão (2)
"Mais uma casa do Butão, onde as pessoas pintam o símbolo fálico nas paredes para terem muitos filhos.
Beijos e abraços da Daisy e do Alfredo"
Beijos e abraços da Daisy e do Alfredo"
«[amanhã]» - Susana Duarte
estou sempre à procura da expressão indizível da noite.
por mais que tente, não encontro, nela, o olhar de ontem,
ou a expressão serena do amanhã. estou sempre sentada
na lâmina fina da folha, fendida como os dedos que tocam
a escuridão, procurando nela o infinito das coisas.
um dia, bem sei, saberei onde se encontram as palavras,
aquelas que tornarão os dias, de novo, respiráveis,
isentos de procuras, imensos na sofreguidão do toque.
Susana Duarte
Blog Terra de Encanto
por mais que tente, não encontro, nela, o olhar de ontem,
ou a expressão serena do amanhã. estou sempre sentada
na lâmina fina da folha, fendida como os dedos que tocam
a escuridão, procurando nela o infinito das coisas.
um dia, bem sei, saberei onde se encontram as palavras,
aquelas que tornarão os dias, de novo, respiráveis,
isentos de procuras, imensos na sofreguidão do toque.
Susana Duarte
Blog Terra de Encanto
Subscrever:
Mensagens (Atom)