12 outubro 2014

«Teat Beat of Sex»


"Teat Beat of Sex" from Signe Baumane on Vimeo.

Luís Gaspar lê «Encontro» de Margarida Piloto Garcia


Se puderes
dobra essa esquina e abre os olhos
para me espreitares por dentro
Em qualquer pedaço de gesto, demora-te.
No intervalo da minha ausência
muda o tempo do verbo, mas não o próprio verbo
Desagua o verso sem pressa e faz fintas à vida
sem esquecer que a felicidade é um abraço
imprevisto
Se puderes
perde o rasto da razão mais-que-perfeita
e sorve o vento embalado num beijo inesquecível
a bater no chão fecundo do meu seio.
Se quiseres
vem com o vazio das mãos ávidas de mim
perseguindo o impensável sem curvas nem ossos
com o tempo a chiar e a tomar para si o pó dos dias
Se quiseres
ama esta inevitabilidade feita de um querer comum
e escreve sobre o amor abrigo ou inquietação
Depois
se puderes
se quiseres
sente as impronunciáveis emoções
e no obsceno arrepio que inventamos
a vida será chama sem palavras
e nada mais importará

Margarida Piloto Garcia
(Este poema de Margarida Piloto Garcia foi gravado no âmbito do direito que as pessoas registadas na Loja da Raposa têm de verem gravado um poema seu ou do seu poeta favorito.)
Ouçam este texto na voz d'ouro de Luís Gaspar, no Estúdio Raposa

Parte-se-me o coração


Parte-se-me o coração de o ver ali estatelado no sofá, cansado do trabalho que já não pode com uma gata pelo rabo, com uns olhos meiguinhos a fazer vaivém entre o seu zézinho e a minha face, que uma mulher não é de ferro.

E fui buscar a caixa dos kleenex macios mesmo perante o seu olhar de reprovação e pousei-a à beirinha do sofá. Com os joelhos flectidos sentei-me sobre as suas ancas e atirei com a t-shirt de alcinhas para rapidamente alternar os meus mamilos na sua boquinha em busca da sua linguita molhada e do seu sugador instinto primário. Desapertei-lhe a camisa e espreguicei os meus braços no seu peito enquanto andava para trás como o caranguejo para fazer o bonitinho de meter os dentes na fivela do cinto que dá sempre o ar de animal selvagem a querer devorar a presa, mesmo que depois tenha sido à mão que o desapertei e lhe abri a braguilha para com ambas as mãos lhe pegar o músculo ainda amolecido e o lamber de cima abaixo e às voltas enquanto ora esticava os dedos pelo meio das suas bolinhas esponjosas ora as amassava até a consistência permitir degluti-lo centímetro a centímetro de forma cada vez mais enérgica.

Partiu-se-lhe o coração de eu ter terminado a limpar afincadamente as minhas mamas com os kleenex mas estou tão satisfeita comigo porque nesta época crítica de dietas não posso engolir nem mais um grama para não estragar a figura a exibir na praia e assim, como nos anúncios de iogurte, empenho-me nas calorias pelo zero, o sabor por inteiro.


Postalinho do Butão (7)

"Acho que tens uma parecida!
Beijinhos
Daisy"



10 outubro 2014

«Adieu Canaille» (adeus, canalha)

Postalinho à nossa

"São Rosas,
Durante a visita à Madeira encontrámos esta loja...
A foto foi tirada em andamento mas cá fica o registo."
Inês M. e Filipe Q.

«Stark» - João

"Pareces dormir. O teu corpo está imóvel, deitado de lado, ao meu lado, quase inteiramente despido, e a nossa cama quente, a tua pele viva, e a meio da noite dou por mim a olhar-te, há o recorte do teu cabelo pela luz que passa a janela, vinda das luzes lá fora. Sabes aquele espaço das tuas costelas à anca? Passeio os dedos no teu lado, penso como é bom, vejo as cores todas na escuridão, como se fosses um prisma a fazer magia com luzes de candeeiros lá fora. Tantas batalhas, disseram-me. Tantas batalhas para ali chegar. Era escusado. Era escusado que mas contassem, que disso fizessem análises, porque agora os lençóis eram aqueles, e os meus dedos em ti. E eis que a luz, a ténue luz que me deixa ver o teu contorno te trai, faz brilhar os teus olhos que afinal estão em mim, e ajustas o teu corpo, penso ver esboçar-se um sorriso, ainda que ensonado, e apesar da tesão dos corpos, sem precisar falar, sem precisar dizer nada, é como se dissesses que agora não. O tempo é de carinho, de ternura, porque chove lá fora, porque estamos cansados, e então colamo-nos mais um pouco, juntos, apertados, para variar talvez só para dormir. Desta vez."
João
Geografia das Curvas

Postalinho do Butão (5)

"Esta é a chave da porta do hotel Lobesa em Punakha.
Beijinhos
Daisy"

09 outubro 2014

Postalinho da Saúde

«Ó Pedaço de Mim...» - Sammy Lachmann



Sempre que ouço aquela música do Chico, "ó pedaço de mim, ó pedaço arrancado de mim", me bate uma deprê braba. Lembro da minha infância e acabo voltando no tempo.
Estava eu deitado no meu bercinho, ainda com uma semana de vida, quando começou a chegar gente em casa. Era dia de festa. E festa de judeu lembra muito reunião do PSDB: só tem tucano. Cada nareba que não tem mais tamanho.
Mamãe convidou só 30 pessoas, mas como era boca livre, veio judeu de tudo quanto foi canto. Se mamãe cobrasse ingresso, corria o risco de nem o papai aparecer. Não precisa dizer que os presentes não trouxeram presentes. Metade esqueceu em casa e a outra metade disse que não tinha dado tempo de comprar. Coisas da religião.
Cada um que chegava, vinha até o meu bercinho. Quando se abaixavam para me ver mais de perto, virava um autêntico ataque do exército israelense. Contabilizei pelo menos umas 30 narigadas na barriga. Em vez de olharem para os próprios umbigos, vinham olhar pro meu. Acho que era por causa da "faixa de gaze".
De repente, se fez o silêncio. Um ser estranho, trajando um terno preto pra lá de surrado, com barba até a cintura, chapéu e cabelo ponhonhóin dos lados adentrou a sala. Parecia o Capitão Caverna na versão judaica. Ele veio na minha direção. Tirou um bisturi reluzente. Ficamos frente a frente. Ele, o lobo mau, e eu, o Solidéu Vermelho.
Para que esse nariz tão grande, perguntei. Por uns segundos, cheguei a pensar que mamãe tinha resolvido fazer uma plástica no meu nariz que, com menos de uma semana de vida, já era avantajado. Mas o negócio era mais embaixo. Bem mais embaixo.
Ele tirou a minha fraldinha descartável, que mamãe tinha acabado de lavar, e eu gritei, abri o berreiro: Tira esse Michael Jackson ortodoxo daqui! Esse comunista judeu quer comer criancinha!!! E no rabino, não vai nada? Apesar de tanta tecnologia, buááááá não vem com legenda. Não sei por que ainda não inventaram uma tecla SAP para bebês.
Parti então para a minha última tentativa: um ataque com armas químicas. Soltei duas bombas de efeito moral. PUM! PUM! Mas o bigode do sujeito cobria o nariz como uma máscara antigases. Ataquei com meus jatos poderosos, mas o xixi não conseguiu furar o bloqueio da barba blindada do velho. Não teve jeito. O Jacozinho virou o Jacozinhozinho. Vai entender o que esse povo tem na cabeça, além desse chapeuzinho medonho?
Em vez de sacrificarem uma galinha como na velha e boa macumba, eles sacrificam o pinto. Cortaram o meu pausówsky, meu penisberg. Ficou só o "cara". O "lho" foi-se. Uma parte de mim estava agora que nem pinto no lixo, literalmente.
Depois de circuncidado, passei a entender o porquê daquele muro das lamentações. Eu, pelo menos, lamento até hoje.
Ó pedaço de mim...

Sammy Lachmann