Deve ter pouco mais de trinta anos...
De uma beleza exótica, a Catarina sorri simpaticamente aos vizinhos mas não lhes permite conversas prolongadas que invadam a sua privacidade ou destapem o secretismo da sua vida.
Mora numa vivenda isolada em frente ao mar, na Ericeira, e muito se estranha que não se lhe conheça nenhum namorado ou sequer amigo próximo.
Estranheza que aguça a curiosidade em se saberem os contornos e circunstâncias da sua viuvez,dando origem às mais díspares conjecturas e suspeições.
Realmente, aquela lindíssima mulher ainda jovem já enviuvou duas vezes em tão pouco tempo, não se descortinando nenhum homem que procure aproximar-se dela. Talvez porque ela nem sequer dê azo a que tal aconteça, por razões que só ela sabe.
O Paulo, que vivia sozinho na vivenda ao lado da dela, reparava que todas as noites ela mantinha a luz da sala acesa até tarde, parecendo estar acompanhada. Mas a verdade é que através das cortinas ele não via mais ninguém a não ser ela.
Ontem à noite ele não resistiu mais. Pé ante pé, saltou a sebe que separa os quintais, aproximou-se da janela entreaberta e agachou-se rente ao relvado atrás de um arbusto.
A misteriosa mulher, elegantemente vestida, estava sentada à mesa com três copos à frente.
Desrolhou uma garrafa de champanhe e verteu o capitoso líquido em cada um dos três copos.
O Paulo apenas a via a ela, mas supunha adivinhar a presença oculta de mais duas pessoas.
Especialmente quando ela ergueu o seu copo e disse:
- Tchim-Tchim, brindo aos dois únicos amores da minha vida!
Decididamente, a mulher tinha enlouquecido e confraternizava sozinha com as recordações dos seus dois maridos falecidos, o Guilherme e o António.
Era a conclusão evidente a que o Paulo chegou, entristecido.
Decidiu levantar-se e regressar a casa, satisfeita que estava a sua curiosidade.
Ainda não tinha dado dois passos, sentiu uma mão gélida tocar-lhe no ombro. Virou-se assustado, olhou em redor mas não viu ninguém.
No entanto, uma voz cavernosa ecoou-lhe nos ouvidos:
- Por favor entre! A Catarina precisa de uma companhia de carne e osso...
O susto foi-lhe fatal.
O Paulo, aterrorizado, sucumbiu, estremeceu e caiu redondo no chão com uma síncope cardíaca.
O Guilherme, olhando o corpo inerte, sentenciou:
- Amigo António, agora é que na Ericeira nunca mais ninguém vai deixar de falar das viuvezes da Catarina...
Rui Felício
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