os afluentes da noite são ecos soltos sobre mim.
de ti, nada mais resta, senão a imagem que guardei no corpo.
os rios que me navegavam eram, apenas, ecos das águas.
e o meu corpo guardou-te, para te perder depois.
sobram ecos esquálidos das vozes com que me preenchias.
não ficaste e, todavia, esperei por ti. lívida, cadáver vivo
que se desfaz em cada uma das tuas palavras, eco
adiado dos meus anseios. os afluentes da noite são rios
sem voz. perdeste os meus gritos. perdeste a foz.
nada te resta, senão olhar-me de longe. sabes que habito
outro plano, o do dia e da luz com que prossigo, todavia,
sobre as flores submarinas. nada te resta, senão as lágrimas
e o arrependimento. talvez possas ressurgir, noutras vestes,
noutros seixos. mas serás sempre a sombra, a vida incompleta
que se declina nos lugares que já não procuro.
Susana Duarte
Blog Terra de Encanto
04 novembro 2014
Luxúria
Estatueta em barro que faz parte da série 7 pecados mortais de Júlia Ramalho, uma artista de Barcelos pela qual tenho um carinho muito especial.
Uma das várias peças da Júlia Ramalho na minha colecção.
Visita a página da colecção no Facebook (e, já agora, também a minha página pessoal)
Uma das várias peças da Júlia Ramalho na minha colecção.
Visita a página da colecção no Facebook (e, já agora, também a minha página pessoal)
03 novembro 2014
«pensamentos catatónicos (314)» - bagaço amarelo
É em nome do futuro que vamos esquecendo o presente. Todos vivemos em função do amanhã, mas quando ele chega transforma-se apenas num novo hoje de esperança. Nunca somos felizes, porque optamos por uma tristeza que nos pode trazer a felicidade num tempo que ainda não chegou. É assim na política, no trabalho, na educação e em tudo o que vamos fazendo. O futuro é a cenoura à frente do burro.
A única excepção é o Amor e, a espaços, uma cerveja com amigos na esplanada de um bar.
O Amor está sempre encostado à parede. Ou nos traz felicidade a cada momento que passa ou então não presta enquanto Amor. Ninguém, como na vida, se entrega a um Amor que não existe com a esperança que venha a existir no futuro.
E eu sempre estive com o José Mário Branco, que na canção histórica "FMI" canta assim: Eu sou parvo ou quê? Quero ser feliz porra, quero ser feliz agora, que se foda o futuro.
bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»
02 novembro 2014
Luís Gaspar lê «A sereia das pernas tortas» de Adília Lopes
Era uma vez uma mulher que tão depressa era feia como era bonita.
Quando era bonita, as pessoas diziam-lhe:
— Eu amo-te.
E iam com ela para a cama e para a mesa.
Quando era feia, as mesmas pessoas diziam-lhe:
— Não gosto de ti.
E atiravam-lhe com caroços de azeitona à cabeça.
A mulher pediu a Deus:
— Faz-me bonita ou feia de uma vez por todas e para sempre.
Então Deus fê-la feia.
A mulher chorou muito porque estava sempre a apanhar com caroços de azeitona e a ouvir coisas feias. Só os animais gostavam sempre dela, tanto quando era bonita como quando era feia como agora que era sempre feia. Mas o amor dos animais não lhe chegava. Por isso deitou-se a um poço. No poço, estava um peixe que comeu a mulher de um trago só, sem a mastigar.
Logo a seguir, passou pelo poço o criado do rei, que pescou o peixe.
Na cozinha do palácio, as criadas, a arranjarem o peixe, descobriram a mulher dentro do peixe. Como o peixe comeu a mulher mal a mulher se matou e o criado pescou o peixe mal o peixe comeu a mulher e as criadas abriram o peixe mal o peixe foi pescado pelo criado, a mulher não morreu e o peixe morreu.
As criadas e o rei eram muito bonitos. E a mulher ali era tão feia que não era feia. Por isso, quando as criadas foram chamar o rei e o rei entrou na cozinha e viu a mulher, o rei apaixonou-se pela mulher.
— Será uma sereia? — perguntaram em coro as criadas ao rei.
— Não, não é uma sereia porque tem duas pernas, muito tortas, uma mais curta do que a outra — respondeu o rei às criadas.
E o rei convidou a mulher para jantar.
Ao jantar, o rei e a mulher comeram o peixe. O rei disse à mulher quando as criadas se foram embora:
— Eu amo-te.
Quando o rei disse isto, sorriu à mulher e atirou-lhe com uma azeitona inteira à cabeça. A mulher apanhou a azeitona e comeu-a. Mas, antes de comer a azeitona, a mulher disse ao rei:
— Eu amo-te.
Depois comeu a azeitona. E casaram-se logo a seguir no tapete de Arraiolos da casa de jantar.
Adília Lopes
Adília Lopes, pseudónimo literário de Maria José da Silva Viana Fidalgo de Oliveira, (Lisboa, 20 de Abril de 1960) é uma poetisa, cronista e tradutora portuguesa. Filha de uma bióloga assistente de Botânica na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e de um professor do ensino secundário, Adília Lopes cursou Física na Universidade de Lisboa, licenciatura que abandonou, quase completa, devido a uma psicose esquizo-afectiva, doença da qual sempre falou abertamente, fosse na sua poesia, crónicas, conferências ou entrevistas a meios de comunicação social.
Quando era bonita, as pessoas diziam-lhe:
— Eu amo-te.
E iam com ela para a cama e para a mesa.
Quando era feia, as mesmas pessoas diziam-lhe:
— Não gosto de ti.
E atiravam-lhe com caroços de azeitona à cabeça.
A mulher pediu a Deus:
— Faz-me bonita ou feia de uma vez por todas e para sempre.
Então Deus fê-la feia.
A mulher chorou muito porque estava sempre a apanhar com caroços de azeitona e a ouvir coisas feias. Só os animais gostavam sempre dela, tanto quando era bonita como quando era feia como agora que era sempre feia. Mas o amor dos animais não lhe chegava. Por isso deitou-se a um poço. No poço, estava um peixe que comeu a mulher de um trago só, sem a mastigar.
Logo a seguir, passou pelo poço o criado do rei, que pescou o peixe.
Na cozinha do palácio, as criadas, a arranjarem o peixe, descobriram a mulher dentro do peixe. Como o peixe comeu a mulher mal a mulher se matou e o criado pescou o peixe mal o peixe comeu a mulher e as criadas abriram o peixe mal o peixe foi pescado pelo criado, a mulher não morreu e o peixe morreu.
As criadas e o rei eram muito bonitos. E a mulher ali era tão feia que não era feia. Por isso, quando as criadas foram chamar o rei e o rei entrou na cozinha e viu a mulher, o rei apaixonou-se pela mulher.
— Será uma sereia? — perguntaram em coro as criadas ao rei.
— Não, não é uma sereia porque tem duas pernas, muito tortas, uma mais curta do que a outra — respondeu o rei às criadas.
E o rei convidou a mulher para jantar.
Ao jantar, o rei e a mulher comeram o peixe. O rei disse à mulher quando as criadas se foram embora:
— Eu amo-te.
Quando o rei disse isto, sorriu à mulher e atirou-lhe com uma azeitona inteira à cabeça. A mulher apanhou a azeitona e comeu-a. Mas, antes de comer a azeitona, a mulher disse ao rei:
— Eu amo-te.
Depois comeu a azeitona. E casaram-se logo a seguir no tapete de Arraiolos da casa de jantar.
Adília Lopes
Adília Lopes, pseudónimo literário de Maria José da Silva Viana Fidalgo de Oliveira, (Lisboa, 20 de Abril de 1960) é uma poetisa, cronista e tradutora portuguesa. Filha de uma bióloga assistente de Botânica na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e de um professor do ensino secundário, Adília Lopes cursou Física na Universidade de Lisboa, licenciatura que abandonou, quase completa, devido a uma psicose esquizo-afectiva, doença da qual sempre falou abertamente, fosse na sua poesia, crónicas, conferências ou entrevistas a meios de comunicação social.
Ouçam este texto na voz d'ouro de Luís Gaspar, no Estúdio Raposa
Ah leoa!
Há quem diga que os leões são uns preguiçosos já que enquanto as leoas vão à caça para alimentar as barriguinhas eles ficam pachorrentamente a fazer umas sonecas à sombra das suas jubas e raramente as acompanham.
Outros há que contra-argumentam que eles precisam de poupar forças porque as leoas são muito exigentes na cama. A questão é que no período de acasalamento mensal, que dura de 2 a 5 dias, as leoas precisam de fazer sexo umas 50 vezes ao dia, seja de dia ou de noite e, vivendo em bando, elas tendem a ter cio todas ao mesmo tempo, razão para se julgar que daqui nasceu o epíteto de rei das selvas.
Outros há que contra-argumentam que eles precisam de poupar forças porque as leoas são muito exigentes na cama. A questão é que no período de acasalamento mensal, que dura de 2 a 5 dias, as leoas precisam de fazer sexo umas 50 vezes ao dia, seja de dia ou de noite e, vivendo em bando, elas tendem a ter cio todas ao mesmo tempo, razão para se julgar que daqui nasceu o epíteto de rei das selvas.
01 novembro 2014
«Amor extra queijo» - por Rui Felício
A noite caiu.
A Elisa telefonou para a Telepizza, fez uma encomenda e indicou o nome e a morada.
Tudo tinha sido acertado de tarde, junto à praia, com o Pedro Ramos, que trabalhava na distribuição de pizzas e por quem ela se tinha loucamente apaixonado.
Como combinado, deixou a porta entreaberta e deitou-se na cama aguardando ansiosa pela sua vinda.
Envolveu-se nua e displicente no lençol de cetim.
O tecido escorregou pela sua pele como um beijo.
Endoidecia a pensar que aquele homem estava presente mesmo antes de chegar.
Imaginou o amor que dentro em pouco iria compor uma sinfonia tocada no seu corpo por mãos e lingua, sem partitura, de improviso.
Idealizou e sentiu, como se fosse real, o beijo quente no pescoço que ele lhe daria deixando a sua marca indelével, misturando-se à vida que já pulsava e aguava dentro dela em movimentos assíncronos.
Escutou passos firmes no corredor.
Era ele,finalmente!
Cumprindo o ritual e a fantasia que ele lhe pedira, vendou os olhos.
Foi assim de olhos firmemente cerrados que aguardou o desejado contacto do corpo dele cobrindo o seu.
Subitamente deu um pulo na cama, os olhos esbugalhados, quando ouviu uma voz feminina que lhe disse:
- São 12 euros, minha senhora. Está aqui a pizza que pediu.
-Mas... tartamudeou a Elisa. Pensei que era o Pedro que viria...
A moça da Telepizza esclareceu-a:
- O Pedro? O Pedro Ramos? Sei bem quem é. Foi meu colega. Mas ele agora trabalha na Pizza Hut...
Rui Felício
Blog Encontro de Gerações
Blog Escrito e Lido
A Elisa telefonou para a Telepizza, fez uma encomenda e indicou o nome e a morada.
Tudo tinha sido acertado de tarde, junto à praia, com o Pedro Ramos, que trabalhava na distribuição de pizzas e por quem ela se tinha loucamente apaixonado.
Como combinado, deixou a porta entreaberta e deitou-se na cama aguardando ansiosa pela sua vinda.
Envolveu-se nua e displicente no lençol de cetim.
O tecido escorregou pela sua pele como um beijo.
Endoidecia a pensar que aquele homem estava presente mesmo antes de chegar.
Imaginou o amor que dentro em pouco iria compor uma sinfonia tocada no seu corpo por mãos e lingua, sem partitura, de improviso.
Idealizou e sentiu, como se fosse real, o beijo quente no pescoço que ele lhe daria deixando a sua marca indelével, misturando-se à vida que já pulsava e aguava dentro dela em movimentos assíncronos.
Escutou passos firmes no corredor.
Era ele,finalmente!
Cumprindo o ritual e a fantasia que ele lhe pedira, vendou os olhos.
Foi assim de olhos firmemente cerrados que aguardou o desejado contacto do corpo dele cobrindo o seu.
Subitamente deu um pulo na cama, os olhos esbugalhados, quando ouviu uma voz feminina que lhe disse:
- São 12 euros, minha senhora. Está aqui a pizza que pediu.
-Mas... tartamudeou a Elisa. Pensei que era o Pedro que viria...
A moça da Telepizza esclareceu-a:
- O Pedro? O Pedro Ramos? Sei bem quem é. Foi meu colega. Mas ele agora trabalha na Pizza Hut...
Rui Felício
Blog Encontro de Gerações
Blog Escrito e Lido
Lote de 3 peças eróticas em estanho
Figuras em estanho para pintar: corneteiro com mulher, artilheiro e mulher sobre canhão.
Peças deliciosas da minha colecção.
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